Poemas sobre Sentir de Fernando Pessoa

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Poemas de sentir de Fernando Pessoa. Leia este e outros poemas de Fernando Pessoa em Poetris.

Dizem que Finjo ou Minto

Dizem que finjo ou minto
Tudo que escrevo. NĂŁo.
Eu simplesmente sinto
Com a imaginação.
Não uso o coração.

Tudo o que sonho ou passo,
O que me falha ou finda,
É como que um terraço
Sobre outra coisa ainda.
Essa coisa Ă© que Ă© linda.

Por isso escrevo em meio
Do que não estå ao pé,
Livre do meu enleio,
SĂ©rio do que nĂŁo Ă©,
Sentir, sinta quem lĂȘ!

Feliz Dia para Quem É

Feliz dia para quem Ă©
O igual do dia,
E no exterior azul que vĂȘ
Simples confia!

Azul do céu faz pena a quem
NĂŁo pode ser
Na alma um azul do céu também
Com que viver

Ah, e se o verde com que estĂŁo
Os montes quedos
Pudesse haver no coração
E em seus segredos!

Mas vejo quem devia estar
Igual do dia
Insciente e sem querer passar.
Ah, a ironia

De só sentir a terra e o céu
TĂŁo belo ser
Quem de si sente que perdeu
A alma p’ra os ter!

NĂŁo Digas Nada!

NĂŁo digas nada!
Nem mesmo a verdade
HĂĄ tanta suavidade em nada se dizer
E tudo se entender —
Tudo metade
De sentir e de ver…
NĂŁo digas nada
Deixa esquecer

Talvez que amanhĂŁ
Em outra paisagem
Digas que foi vĂŁ
Toda essa viagem
Até onde quis
Ser quem me agrada…
Mas ali fui feliz
NĂŁo digas nada.

Cansa Sentir Quando se Pensa

Cansa sentir quando se pensa.
No ar da noite a madrugar
HĂĄ uma solidĂŁo imensa
Que tem por corpo o frio do ar.

Neste momento insone e triste
Em que nĂŁo sei quem hei de ser,
Pesa-me o informe real que existe
Na noite antes de amanhecer.

Tudo isto me parece tudo.
E Ă© uma noite a ter um fim
Um negro astral silĂȘncio surdo
E nĂŁo poder viver assim.

(Tudo isto me parece tudo.
Mas noite, frio, negror sem fim,
Mundo mudo, silĂȘncio mudo –
Ah, nada Ă© isto, nada Ă© assim!)

Chove. É Dia de Natal

Chove. É dia de Natal.
LĂĄ para o Norte Ă© melhor:
HĂĄ a neve que faz mal,
E o frio que ainda Ă© pior.

E toda a gente Ă© contente
Porque Ă© dia de o ficar.
Chove no Natal presente.
Antes isso que nevar.

Pois apesar de ser esse
O Natal da convenção,
Quando o corpo me arrefece
Tenho o frio e Natal nĂŁo.

Deixo sentir a quem quadra
E o Natal a quem o fez,
Pois se escrevo ainda outra quadra
Fico gelado dos pés.

Dorme Enquanto Eu Velo…

Dorme enquanto eu velo…
Deixa-me sonhar…
Nada em mim Ă© risonho.
Quero-te para sonho,
NĂŁo para te amar.

A tua carne calma
É fria em meu querer.
Os meus desejos são cansaços.
Nem quero ter nos braços
Meu sonho do teu ser.

Dorme, dorme, dorme,
Vaga em teu sorrir…
Sonho-te tĂŁo atento
Que o sonho Ă© encantamento
E eu sonho sem sentir.

Como InĂștil Taça Cheia

Como inĂștil taça cheia
Que ninguém ergue da mesa,
Transborda de dor alheia
Meu coração sem tristeza.

Sonhos de mĂĄgoa figura
SĂł para Ter que sentir
E assim nĂŁo tem a amargura
Que se temeu a fingir.

Ficção num palco sem tåbuas
Vestida de papel seda
Mima uma dança de mågoas
Para que nada suceda.

Às Vezes Entre a Tormenta

Às vezes entre a tormenta,
quando jĂĄ umedeceu,
raia uma nesga no céu,
com que a alma se alimenta.

E Ă s vezes entre o torpor
que nĂŁo Ă© tormenta da alma,
raia uma espécie de calma
que nĂŁo conhece o langor.

E, quer num quer noutro caso,
como o mal feito estĂĄ feito,
restam os versos que deito,
vinho no copo do acaso.

Porque verdadeiramente
sentir Ă© tĂŁo complicado
que sĂł andando enganado
Ă© que se crĂȘ que se sente.

Sofremos? Os versos pecam.
Mentimos? Os versos falham.
E tudo Ă© chuvas que orvalham
folhas caĂ­das que secam.