Como Inútil Taça Cheia
Como inútil taça cheia
Que ninguém ergue da mesa,
Transborda de dor alheia
Meu coração sem tristeza.Sonhos de mágoa figura
Só para Ter que sentir
E assim não tem a amargura
Que se temeu a fingir.Ficção num palco sem tábuas
Vestida de papel seda
Mima uma dança de mágoas
Para que nada suceda.
Poemas sobre Sentir de Fernando Pessoa
8 resultadosÀs Vezes Entre a Tormenta
Às vezes entre a tormenta,
quando já umedeceu,
raia uma nesga no céu,
com que a alma se alimenta.E às vezes entre o torpor
que não é tormenta da alma,
raia uma espécie de calma
que não conhece o langor.E, quer num quer noutro caso,
como o mal feito está feito,
restam os versos que deito,
vinho no copo do acaso.Porque verdadeiramente
sentir é tão complicado
que só andando enganado
é que se crê que se sente.Sofremos? Os versos pecam.
Mentimos? Os versos falham.
E tudo é chuvas que orvalham
folhas caídas que secam.
Dizem que Finjo ou Minto
Dizem que finjo ou minto
Tudo que escrevo. Não.
Eu simplesmente sinto
Com a imaginação.
Não uso o coração.Tudo o que sonho ou passo,
O que me falha ou finda,
É como que um terraço
Sobre outra coisa ainda.
Essa coisa é que é linda.Por isso escrevo em meio
Do que não está ao pé,
Livre do meu enleio,
Sério do que não é,
Sentir, sinta quem lê!
Feliz Dia para Quem É
Feliz dia para quem é
O igual do dia,
E no exterior azul que vê
Simples confia!Azul do céu faz pena a quem
Não pode ser
Na alma um azul do céu também
Com que viverAh, e se o verde com que estão
Os montes quedos
Pudesse haver no coração
E em seus segredos!Mas vejo quem devia estar
Igual do dia
Insciente e sem querer passar.
Ah, a ironiaDe só sentir a terra e o céu
Tão belo ser
Quem de si sente que perdeu
A alma p’ra os ter!
Não Digas Nada!
Não digas nada!
Nem mesmo a verdade
Há tanta suavidade em nada se dizer
E tudo se entender —
Tudo metade
De sentir e de ver…
Não digas nada
Deixa esquecerTalvez que amanhã
Em outra paisagem
Digas que foi vã
Toda essa viagem
Até onde quis
Ser quem me agrada…
Mas ali fui feliz
Não digas nada.
Cansa Sentir Quando se Pensa
Cansa sentir quando se pensa.
No ar da noite a madrugar
Há uma solidão imensa
Que tem por corpo o frio do ar.Neste momento insone e triste
Em que não sei quem hei de ser,
Pesa-me o informe real que existe
Na noite antes de amanhecer.Tudo isto me parece tudo.
E é uma noite a ter um fim
Um negro astral silêncio surdo
E não poder viver assim.(Tudo isto me parece tudo.
Mas noite, frio, negror sem fim,
Mundo mudo, silêncio mudo –
Ah, nada é isto, nada é assim!)
Chove. É Dia de Natal
Chove. É dia de Natal.
Lá para o Norte é melhor:
Há a neve que faz mal,
E o frio que ainda é pior.E toda a gente é contente
Porque é dia de o ficar.
Chove no Natal presente.
Antes isso que nevar.Pois apesar de ser esse
O Natal da convenção,
Quando o corpo me arrefece
Tenho o frio e Natal não.Deixo sentir a quem quadra
E o Natal a quem o fez,
Pois se escrevo ainda outra quadra
Fico gelado dos pés.
Dorme Enquanto Eu Velo…
Dorme enquanto eu velo…
Deixa-me sonhar…
Nada em mim é risonho.
Quero-te para sonho,
Não para te amar.A tua carne calma
É fria em meu querer.
Os meus desejos são cansaços.
Nem quero ter nos braços
Meu sonho do teu ser.Dorme, dorme, dorme,
Vaga em teu sorrir…
Sonho-te tão atento
Que o sonho é encantamento
E eu sonho sem sentir.