Poemas sobre Arcos

31 resultados
Poemas de arcos escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Setentrional

Talvez já te não lembres, triste Helena,
Dos passeios que dávamos sozinhos,
À tardinha, naquela terra amena,
No tempo da colheita dos bons vinhos.

Talvez já te não lembres, pesarosa,
Da casinha caiada em que moramos,
Nem do adro da ermida silenciosa,
Onde nós tantas vezes conversamos.

Talvez já te esquecesses, ó bonina,
Que viveste no campo só comigo,
Que te osculei a boca purpurina,
E que fui o teu sol e o teu abrigo.

Que fugiste comigo da Babel,
Mulher como não há nem na Circássia,
Que bebemos, nós dois, do mesmo fel,
E regamos com prantos uma acácia.

Talvez já te não lembres com desgosto
Daquelas brancas noites de mistério,
Em que a Lua sorria no teu rosto
E nas lajes campais do cemitério.

Talvez já se apagassem as miragens
Do tempo em que eu vivia nos teus seios,
Quando as aves cantando entre as ramagens
O teu nome diziam nos gorjeios.

Quando, à brisa outoniça, como um manto,
Os teus cabelos de âmbar, desmanchados,
Se prendiam nas folhas dum acanto,

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Hoje é o Dia de Todos os Deuses

Hoje é o dia de todos os deuses.
A maresia subirá breve
ao terceiro andar.

Virá como quem pede mais um pouco
desta tarde.
Deixo-me ficar enquanto vou

indecisa como quem não sabe.
Se escolho rainha se rei
só eu decido, só eu sei.

Hoje é o dia de todos os deuses.
A qualquer deles vou pedir
não só a Zeus, não só a Argos,

não só a Afrodite,
a que o amor consente de todos os modos,
à brisa pedirei

que me deixe partir
a voz em arco
e tudo fruir de outro modo

Ainda que hoje não seja o dia
de todos os deuses
direi
não tenho género ou identificação bastante

que se assemelhe
ao estar
preto no preto branco no branco

Como Ulisses te busco e desespero

Como Ulisses te busco e desespero
como Ulisses confio e desconfio
e como para o mar se vai um rio
para ti vou. Só não me canta Homero.

Mas como Ulisses passo mil perigos
escuto a sereia e a custo me sustenho
e embora tenha tudo nada tenho
que em te não tendo tudo são castigos.

Só não me canta Homero. Mas como U-
lisses vou com meu canto como um barco
ouvindo o teu chamar – Pátria Sereia
Penélope que não te rendes – tu

que esperas a tecer um tempo ideia
que de novo o teu povo empunhe o arco
como Ulisses por ti nesta Odisseia.

voz numa pedra

Não adoro o passado
não sou três vezes mestre
não combinei nada com as furnas
não é para isso que eu cá ando
decerto vi Osíris porém chamava-se ele nessa altura Luiz
decerto fui com Isis mas disse-lhe eu que me chamava João
nenhuma nenhuma palavra está completa
nem mesmo em alemão que as tem tão grandes
assim também eu nunca te direi o que sei
a não ser pelo arco em flecha negro e azul do vento

Não digo como o outro: sei que não sei nada
sei muito bem que soube sempre umas coisas
que isso pesa
que lanço os turbilhões e vejo o arco íris
acreditando ser ele o agente supremo
do coração do mundo
vaso de liberdade expurgada do menstruo
rosa viva diante dos nossos olhos
Ainda longe longe essa cidade futura
onde «a poesia não mais ritmará a acção
porque caminhará adiante dela»
Os pregadores de morte vão acabar?
Os segadores do amor vão acabar?
A tortura dos olhos vai acabar?
Passa-me então aquele canivete
porque há imenso que começar a podar
passa não me olhas como se olha um bruxo
detentor do milagre da verdade
a machadada e o propósito de não sacrificar-se não construirão ao sol coisa nenhuma
nada está escrito afinal

Senhoras, Eu Estou Picado

Senhoras, eu ‘stou picado;
Tenham Vossas Excelências
todas quantas paciências
eu tive no seu chamado;
cuidei que por achacado,
doídas da minha tosse
a meter-me-iam na posse
de uma merenda afamada,
e que achava quando nada
cinco condessas de doce.

Não me enganei, porque alfim
todas vinham cheias grátis
de vanitas vanitatis,
que isto é fofa em latim.
Tomara eu para mim,
por bem ganhada fazenda,
quanta folhage’ estupenda
traziam nas suas rodas,
mas com tal donaire todas
que puxam por muita renda.

Oh! quem pudera cantar
(para bem me vingar dela)
uma que à sua janela
mil vezes vejo Assumar!
Mas obriga-me a calar.
Outra da mesma feição
que é capaz, e com razão,
de prantar-me no focinho,
que farto de S. Martinho
tenho sede a S. João.

Outra branca em demasia
não era tão confiada,
posto que estava enfiada
talvez do que não queria:
mas na flor, na louçania,
na suavidade e na cor,
podia largar o amor
por ela redes e barcos,

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Lua Nova

Mãe dos frutos, Jaci, no alto espaço
Ei-la assoma serena e indecisa:
Sopro é dela esta lânguida brisa
Que sussurra na terra e no mar.
Não se mira nas águas do rio,
Nem as ervas do campo branqueia;
Vaga e incerta ela vem, como a idéia
Que inda apenas começa a espontar.

E iam todos; guerreiros, donzelas,
Velhos, moços, as redes deixavam;
Rudes gritos na aldeia soavam,
Vivos olhos fugiam p’ra o céu:
Iam vê-la, Jaci, mãe dos frutos,
Que, entre um grupo de brancas estrelas,
Mal cintila: nem pôde vencê-las,
Que inda o rosto lhe cobre amplo véu.

***

E um guerreiro: “Jaci, doce amada,
Retempera-me as forças; não veja
Olho adverso, na dura peleja,
Este braço já frouxo cair.
Vibre a seta, que ao longe derruba
Tajaçu, que roncando caminha;
Nem lhe escape serpente daninha,
Nem lhe fuja pesado tapir.”

***

E uma virgem: “Jaci, doce amada,
Dobra os galhos, carrega esses ramos
Do arvoredo co’as frutas* que damos
Aos valentes guerreiros, que eu vou
A buscá-los na mata sombria,

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Retrato

Pintar o rosto de Márcia
Com tal primor determino,
Que seja logo seu rosto
Pela pinta conhecido.
Anda doudo de prazer
Seu cabelo por tão lindo,
Pois mal lhe vai uma onda,
Quando outra já lhe tem vindo.
Sua testa com seus arcos
Do Turco Império castigo
Vencido tem Solimão,
Meias Luas tem vencido.
Dormidos seus olhos são,
Porém Planetas tão ricos
Nunca já foram sonhados,
Bem que sempre são dormidos.
A dormir creio se lançam
Por ter de mortais, e vivos
Tão boa fama cobrado,
Nome tão grande adquirido.
Entre seus raios se mostra
O grande nariz bornido,
Por final que entre seus raios
Prova o nariz de aquilino.
Nas taças de suas faces
Feitas do metal mais limpo,
Como certos Reverendos,
Mistura o branco co’tinto.
As perlas dos dentes alvos,
Os rubins dos beiços finos
Tem desdentado o marfim,
E a cor mais viva comido.
O passadiço da voz
Nem é neve, nem é vidro,
Nem mármore, nem marfim,
Nem cristal, mas passadiço.

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O Amor em Visita

Dai-me uma jovem mulher com sua harpa de sombra
e seu arbusto de sangue. Com ela
encantarei a noite.
Dai-me uma folha viva de erva, uma mulher.
Seus ombros beijarei, a pedra pequena
do sorriso de um momento.
Mulher quase incriada, mas com a gravidade
de dois seios, com o peso lúbrico e triste
da boca. Seus ombros beijarei.

Cantar? Longamente cantar.
Uma mulher com quem beber e morrer.
Quando fora se abrir o instinto da noite e uma ave
o atravessar trespassada por um grito marítimo
e o pão for invadido pelas ondas –
seu corpo arderá mansamente sob os meus olhos palpitantes.
Ele – imagem vertiginosa e alta de um certo pensamento
de alegria e de impudor.
Seu corpo arderá para mim
sobre um lençol mordido por flores com água.

Em cada mulher existe uma morte silenciosa.
E enquanto o dorso imagina, sob os dedos,
os bordões da melodia,
a morte sobe pelos dedos, navega o sangue,
desfaz-se em embriaguez dentro do coração faminto.
– Oh cabra no vento e na urze,

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Uma Beleza Dificílima

O silêncio
abre
o coração das sombras.
Por tal sossego, as árvores
caminham. Mas são as mulheres quem lhes assegura
a elegância do porte.

A harmonia vem do peso da luz
sob a cabeça. Das mãos em arco: os ramos seguram.
Altas são as folhas. Simples.
Lisa a copa.

Não há rumor na terra.
As feras não nasceram ainda. Apenas os peixes.
Fora de água
respiram.

Sim.
O mundo pode ser belo,
apesar de só.

Basta-lhe o fulgor no mais escalvado da noite
e meninos esbeltos e
gelados no sol.
E uma beleza dificílima. E um cauteloso
azul nas garças abatidas pelo céu.
E um primeiro espanto,
uma primeira alegria nas fendas
em direcção
ao pó.

O Amor no Chão

O vento da outra noite derrubou o Amor
Que, no mais misterioso recanto do parque,
Nos sorria, ao esticar malignamente o arco,
E cujo ar nos fez meditar com fervor!

O vento da outra noite derrubou-o! O mármore
com o sopro da manhã, disperso, gira. É triste
Olhar o pedestal, onde o nome do artista
Se lê com muito esforço à sombra de uma árvore,

É triste ver em pé, sozinho, o pedestal!
Melancólicos vêm e vão pensamentos
No meu sonho, onde o mais profundo sofrimento
Evoca um solitário futuro fatal.

É triste! — E mesmo tu, não é? ficas tocada
Plo cenário dolente, embora te divirtas
Com a borboleta rubra e de oiro, que se agita
Sobre a alameda, além, de destroços juncada.

Tradução de Fernando Pinto do Amaral

Ode ao Amor

Tão lentamente, como alheio, o excesso de desejo,
atento o olhar a outros movimentos,
de contacto a contacto, em sereno anseio, leve toque,
obscuro sexo á flor da pele sob o entreaberto
de roupas soerguidas, vibração ligeira, sinal puro
e vago ainda, e súbito contrai-se,
mais não é excesso, ondeia em síncopes e golpes
no interior da carne, as pernas se distendem,
dobram-se, o nariz se afila, adeja, as mãos,
dedos esguios escorrendo trémulos
e um sorriso irónico, violentos gestos,
amor…
ah tu, senhor da sombra e da ilusão sombria,
vida sem gosto, corpo sem rosto, amor sem fruto,
imagem sempre morta ao dealbar da aurora
e do abrir dos olhos, do sentir memória, do pensar na vida,
fuga perpétua, demorado espasmo, distração no auge,
cansaço e caridade pelo desejo alheio,
raiva contida, ódio sem sexo, unhas e dentes,
despedaçar, rasgar, tocar na dor ignota,
hesitação, vertigem, pressa arrependida,
insuportável triturar, deslize amargo,
tremor, ranger, arcos, soluços, palpitar e queda.

Distantemente uma alegria foi,
imensa, já tranquila, apascentando orvalhos,
de contacto a contacto, ansiosamente serenando,

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