Poemas sobre Areia de Eugénio de Andrade

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Poemas de areia de Eugénio de Andrade. Leia este e outros poemas de Eugénio de Andrade em Poetris.

As Palavras Interditas

Os navios existem, e existe o teu rosto
encostado ao rosto dos navios.
Sem nenhum destino flutuam nas cidades,
partem no vento, regressam nos rios.

Na areia branca, onde o tempo começa,
uma criança passa de costas para o mar.
Anoitece. NĂŁo hĂĄ dĂșvida, anoitece.
É preciso partir, Ă© preciso ficar.

Os hospitais cobrem-se de cinza.
Ondas de sombra quebram nas esquinas.
Amo-te… E entram pela janela
as primeiras luzes das colinas.

As palavras que te envio sĂŁo interditas
até, meu amor, pelo halo das searas;
se alguma regressasse, nem jĂĄ reconhecia
o teu nome nas suas curvas claras.

DĂłi-me esta ĂĄgua, este ar que se respira,
dĂłi-me esta solidĂŁo de pedra escura,
estas mĂŁos nocturnas onde aperto
os meus dias quebrados na cintura.

E a noite cresce apaixonadamente.
Nas suas margens nuas, desoladas,
cada homem tem apenas para dar
um horizonte de cidades bombardeadas.

Obscuro DomĂ­nio

Amar-te assim desvelado
entre barro fresco e ardor.
Sorver o rumor das luzes
entre os teus lĂĄbios fendidos.

Deslizar pela vertente
da garganta, ser mĂșsica
onde o silĂȘncio aflui
e se concentra.

IrreprimĂ­vel queimadura
ou vertigem desdobrada
beijo a beijo,
brancura dilacerada

Penetrar na doçura da areia
ou do lume,
na luz queimada
da pupila mais azul,

no oiro anoitecido
entre pétalas cerradas,
no alto e navegĂĄvel
golfo do desejo,

onde o furor habita
crispado de agulhas,
onde faça sangrar
as tuas ĂĄguas nuas.

Que Diremos Ainda?

VĂȘ como de sĂșbito o cĂ©u se fecha
sobre dunas e barcos,
e cada um de nĂłs se volta e fixa
os olhos um no outro,
e como deles devagar escorre
a Ășltima luz sobre as areias.

Que diremos ainda? SerĂŁo palavras,
isto que aflora aos lĂĄbios?
Palavras?, este rumor tĂŁo leve
que ouvimos o dia desprender-se?
Palavras, ou luz ainda?

Palavras, nĂŁo. Quem as sabia?
Foi apenas lembrança doutra luz.
Nem luz seria, apenas outro olhar.

Retrato Ardente

Entre os teus lĂĄbios
Ă© que a loucura acode
desce Ă  garganta,
invade a ĂĄgua.

No teu peito
Ă© que o pĂłlen do fogo
se junta Ă  nascente,
alastra na sombra.

Nos teus flancos
é que a fonte começa
a ser rio de abelhas,
rumor de tigre.

Da cintura aos joelhos
Ă© que a areia queima,
o sol Ă© secreto,
cego o silĂȘncio.

Deita-te comigo.
Ilumina meus vidros.
Entre lĂĄbios e lĂĄbios
toda a mĂșsica Ă© minha.

Até Amanhã

Sei agora como nasceu a alegria,
como nasce o vento entre barcos de papel,
como nasce a ĂĄgua ou o amor
quando a juventude nĂŁo Ă© uma lĂĄgrima.

É primeiro só um rumor de espuma
Ă  roda do corpo que desperta,
sĂ­laba espessa, beijo acumulado,
amanhecer de pĂĄssaros no sangue.

É subitamente um grito,
um grito apertado nos dentes,
galope de cavalos num horizonte
onde o mar Ă© diurno e sem palavras.

Falei de tudo quanto amei.
De coisas que te dou
para que tu as ames comigo:
a juventude, o vento e as areias.