Poemas sobre Tempo de Eugénio de Andrade

4 resultados
Poemas de tempo de Eugénio de Andrade. Leia este e outros poemas de Eugénio de Andrade em Poetris.

Surdo, Subterrâneo Rio

Surdo, subterrâneo rio de palavras
me corre lento pelo corpo todo;
amor sem margens onde a lua rompe
e nimba de luar o prĂłprio lodo.

Correr do tempo ou sĂł rumor do frio
onde o amor se perde e a razĂŁo de amar
– surdo, subterrâneo, impiedoso rio,
para onde vais, sem eu poder ficar?

As Palavras Interditas

Os navios existem, e existe o teu rosto
encostado ao rosto dos navios.
Sem nenhum destino flutuam nas cidades,
partem no vento, regressam nos rios.

Na areia branca, onde o tempo começa,
uma criança passa de costas para o mar.
Anoitece. Não há dúvida, anoitece.
É preciso partir, é preciso ficar.

Os hospitais cobrem-se de cinza.
Ondas de sombra quebram nas esquinas.
Amo-te… E entram pela janela
as primeiras luzes das colinas.

As palavras que te envio sĂŁo interditas
até, meu amor, pelo halo das searas;
se alguma regressasse, nem já reconhecia
o teu nome nas suas curvas claras.

Dói-me esta água, este ar que se respira,
dĂłi-me esta solidĂŁo de pedra escura,
estas mĂŁos nocturnas onde aperto
os meus dias quebrados na cintura.

E a noite cresce apaixonadamente.
Nas suas margens nuas, desoladas,
cada homem tem apenas para dar
um horizonte de cidades bombardeadas.

Desde a Aurora

Como um sol de polpa escura
para levar Ă  boca,
eis as mĂŁos:
procuram-te desde o chĂŁo,

entre os veios do sono
e da memĂłria procuram-te:
Ă  vertigem do ar
abrem as portas:

vai entrar o vento ou o violento
aroma de uma candeia,
e subitamente a ferida
recomeça a sangrar:

Ă© tempo de colher: a noite
iluminou-se bago a bago: vais surgir
para beber de um trago
como um grito contra o muro.

Sou eu, desde a aurora,
eu — a terra — que te procuro.

Adeus

Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou nĂŁo chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inĂşteis.

Meto as mĂŁos nas algibeiras e nĂŁo encontro nada.
Antigamente tĂ­nhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.

Ă€s vezes tu dizias: os teus olhos sĂŁo peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possĂ­veis.

Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje sĂŁo apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já se não passa absolutamente nada.

Continue lendo…