Poemas sobre Ausência

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Poemas de ausência escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Meditação

Às vezes, quando a noite vem caindo,
Tranquilamente, sossegadamente,
Encosto-me à janela e vou seguindo
A curva melancólica do Poente.

Não quero a luz acesa. Na penumbra,
Pensa-se mais e pensa-se melhor.
A luz magoa os olhos e deslumbra,
E eu quero ver em mim, ó meu amor!

Para fazer exame de consciência
Quero silêncio, paz, recolhimento
Pois só assim, durante a tua ausência,
Consigo libertar o pensamento.

Procuro então aniquilar em mim,
A nefasta influência que domina
Os meus nervos cansados; mas por fim,
Reconheço que amar-te é minha sina.

Longe de ti atrevo-me a pensar
Nesse estranho rigor que me acorrenta:
E tenho a sensação do alto mar,
Numa noite selvagem de tormenta.

Tens no olhar magias de profeta
Que sabe ler no céu, no mar, nas brasas…
Adivinhas… Serei a borboleta
Que vendo a luz deixa queimar as asas.

No entanto — vê lá tu!— Eu não lamento
Esta vontade que se impõe à minha…
Nem me revolto… cedo ao encantamento…
— Escrava que não soube ser Rainha!

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A de Sempre, Toda Ela

Se eu vos disser: «tudo abandonei»
É porque ela não é a do meu corpo,
Eu nunca me gabei,
Não é verdade
E a bruma de fundo em que me movo
Não sabe nunca se eu passei.

O leque da sua boca, o reflexo dos seus olhos
Sou eu o único a falar deles,
O único a ser cingido
Por esse espelho tão nulo em que o ar circula
[através de mim
E o ar tem um rosto, um rosto amado,
Um rosto amante, o teu rosto,
A ti que não tens nome e que os outros ignoram,
O mar diz-te: sobre mim, o céu diz-te: sobre mim,
Os astros adivinham-te, as nuvens imaginam-te
E o sangue espalhado nos melhores momentos,
O sangue da generosidade
Transporta-te com delícias.

Canto a grande alegria de te cantar,
A grande alegria de te ter ou te não ter,
A candura de te esperar, a inocência de te
[conhecer,
Ó tu que suprimes o esquecimento, a esperança e
[a ignorância,
Que suprimes a ausência e que me pões no mundo,

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Uva, Pedra, Cavalo, Sol e Pensamento

O rio continua a passar na minha ausência.
Eu não sei o que o pássaro pensa da chuva.

A terra tem o gosto agridoce de uma uva.
Tudo em que ponho o olhar tem mágica inocência.

Magra como uma vara de anzol pode ser a mulher.
Gorda como a cara do sol pode ser a laranja.

Ligeiro, o cavalinho. Trem-de-ferro qualquer,
apitando, tudo é bondade que a vida arranja.

Os anos que a pedra vive no seio das águas.
Os anos que o coração bate no peito do homem.

Os pés e as pernas unidos na mesma faina.
As mágoas que se consomem iguais aos ventos.

Uva, pedra, cavalo, sol e pensamento.

Confissão

Vivo um drama interior.
Já nele pouco a pouco me consumo.
E de tanto te buscar,
Mas sem nunca te encontrar,
Sou como um barco sem leme,
Que perdesse o rumo,
No alto mar.

Da minha vida, assim,
O que vai ser nem sei!
Dias alegres houvesse…
E os dias são para mim
Rosas mortas de um jardim
Que um vendaval desfizesse.

Tenho horas bem amargas.
Eu o confesso,
Eu o digo.
E se tudo passa e esqueço,
Esquecer o teu perfil
É coisa que eu não consigo.

Sofro por ti. O frio do que morre
Amortalha a minha alma em saudade.
Atrás de uma ilusão a minha vida corre,
Como se fora atrás de uma verdade.

A Deus peço, por fim, o meu sossego antigo.
Não me persiga mais o teu busto delgado.
Passo os dias e as noites a sonhar contigo,
Na cruz da tua ausência estou crucificado.

A tua falta sinto. Não o oculto.
Ocultá-lo seria uma mentira.
Vejo por toda a parte a sombra do teu vulto,

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A Força que Há na Luz

A força que há na luz, não sua ausência,
pode ser a origem mais secreta
do escuro em que afundamos de repente:
por excesso de luz, eis que estou cega,
por excesso de amor, eu não entendo
– o farfalhar macio, a crua seda –
aquilo que nos move, e que ultrapassa
o limite de tudo o que sabemos.
Por excesso de dor eu me humanizo,
eu me faço pequena e tão real,
nos tornamos serenos, silenciosos,
tão reais e inocentes e macios,
que essa luz que não vemos é demais.
Mesmo ser é um excesso em que caímos.

Prometi-me Possuí-la

Prometi-me possuí-la muito embora
ela me redimisse ou me cegasse.
Busquei-a na catástrofe da aurora,
e na fonte e no muro onde sua face,

entre a alucinação e a paz sonora
da água e do musgo, solitária nasce.
Mas sempre que me acerco vai-se embora
como se temesse ou me odiasse.

Assim persigo-a, lúcido e demente.
Se por detrás da tarde transparente
seus pés vislumbro, logo nos desvãos

das nuvens fogem, luminosos e ágeis!
Vocabulário e corpo — deuses frágeis —
eu colho a ausência que me queima as mãos.

[Poemas Portugueses]

Em Plena Vida e Violência

Em plena vida e violência
De desejo e ambição,
De repente uma sonolência
Cai sobre a minha ausência.
Desce ao meu próprio coração.

Será que a mente, já desperta
Da noção falsa de viver,
Vê que, pela janela aberta,
Há uma paisagem toda incerta
E um sonho todo a apetecer ?

Faróis

Faróis distantes,
De luz subitamente tão acesa,
De noite e ausência tão rapidamente volvida,
Na noite, no convés, que conseqüências aflitas!
Mágoa última dos despedidos,
Ficção de pensar…

Faróis distantes…
Incerteza da vida…
Voltou crescendo a luz acesa avançadamente,
No acaso do olhar perdido…

Faróis distantes…
A vida de nada serve…
Pensar na vida de nada serve…
Pensar de pensar na vida de nada serve…

Vamos para longe e a luz que vem grande vem menos grande.
Faróis distantes …

Elogio da Amada

Ei-la que vem ubérrima numerosa escolhida
secreta cheia de pensamentos isenta de cuidados
Vem sentada na nova primavera
cercada de sorrisos no regaço lírios
olhos feitos de sombra de vento e de momento
alheia a estes dias que eu nunca consigo
Morde-lhe o tempo na face as raízes do riso
começa para além dela a ser longe
A amada é bem a infância que vem ter comigo
Há pássaros antigos nos límpidos caminhos
e mortes como antes nunca mais
Ei-la já que se estende ampla como uma pátria
no limiar da nossa indiferença
Os nossos átrios são para os seus pés solitários
Já todos nós esquecemos a casa dos pais
ela enche de dias as nossas mãos vazias
A dor é nela até que deus começa
eu bem lhe sinto o calcanhar do amor
Que importa sermos de uma só manhã e não haver
em volta
árvore mais açoitada pelos diversos ventos?
Que importa partirmos num desmoronar de poentes?
Mais triste mesmo a vida onde outros passarão
multiplicando-lhe a ausência que importa
se onde pomos os pés é primavera?

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Pai, Dizem-me que Ainda Te Chamo

Pai, dizem-me que ainda te chamo, às vezes, durante
o sono – a ausência não te apaga como a bruma
sossega, ao entardecer, o gume das esquinas. Há nos
meus sonhos um território suspenso de toda a dor,
um país de verão aonde não chegam as guinadas
da morte e todas as conchas da praia trazem pérola. Aí

nos encontramos, para dizermos um ao outro aquilo
que pensámos ter, afinal, a vida toda para dizer; aí te
chamo, quando a luz me cega na lâmina do mar, com
lábios que se movem como serpentes, mas sem nenhum
ruído que envenene as palavras: pai, pai. Contam-me

depois que é deste lado da noite que me ouvem gritar
e que por isso me libertam bruscamente do cativeiro
escuro desse sonho. Não sabem

que o pesadelo é a vida onde já não posso dizer o teu
nome – porque a memória é uma fogueira dentro
das mãos e tu onde estás também não me respondes.

Neste Leito de Ausência

Neste leito de ausência em que me esqueço
desperta o longo rio solitário:
se ele cresce de mim, se dele cresço,
mal sabe o coração desnecessário.

O rio corre e vai sem ter começo
nem foz, e o curso, que é constante, é vário.
Vai nas águas levando, involuntário,
luas onde me acordo e me adormeço.

Sobre o leito de sal, sou luz e gesso:
duplo espelho — o precário no precário.
Flore um lado de mim? No outro, ao contrário,
de silêncio em silêncio me apodreço.

Entre o que é rosa e lodo necessário,
passa um rio sem foz e sem começo.

[Poemas Portugueses]

Elegia dos Amantes Lúcidos

Na girândola das árvores (e não há quem as detenha)
Deixa de fora a tarde o vermelho que a tinge.
Se ao menos tu ficasses na pausa que desenha
O contorno lunar da noite que te finge!

Se ao menos eu gelasse uma corda do vento
para encontrar a forma exacta dum violino
Que fosse a sensibilidade deste pensamento
Com que a minha sombra vai pensando o meu destino

E não houvesse o sono dum telhado
Entre ter de haver eu e haver o tecto;
E a eternidade não estivesse ao lado
A colocar-nos nas costas as asas dum insecto

Meu amor, meu amor, teu gesto nasce
Para partir de ti e ser ao longe
A cor duma cidade que nos pasce
Como a ausência de deus pastando um monge

Ah, se uma súbita mão na hora a pique
Tangendo harpas geladas por segredos
Desprendesse uma aragem de repiques
Destes sinos parados pelo medo!

Mas só porque vieste fez-se tarde,
Ou é a vida que nasce já tardia
Como uma estrela que se acende e arde
Porque não cabe na rapidez do dia?

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Um Dia é Pouco ao Pé de Margarida

A nossa intimidade a três ou quatro é constrangida.
Tenho medo no ângor e uma urtiga no pé.
Um dia é pouco ao pé de Margarida:
A ausência é menos sozinha,
A muita companhia dá bandos longe. Até
A vida
É
Se tua, já menos minha:
Se própria de meu, repartida,
Por muitos na atenção, nem tua é.
Só nossa solidão dual e penetrada
Evita o perigo do nada
A que, por condição, setas, as nossas pernas
Apontam na cavidade inexorável,
Fim de molécula qualquer.
Mas, entretanto, Margarida amável
Será flor, ou mulher?