Despedida
Uma harpa envelhece.
Nada se ouve ao longo dos canais e os remadores
sonham junto Ă s estĂĄtuas de treva.
A tua sombra estå atrås da minha sombra e dança.
Tocas-me de tão longe, sobre a falésia, e não sei se
foi amor.
Certo rumor de cĂĄlices, uma sĂșplica ao dealbar das
ruĂnas,
tudo se perdeu no solitårio campo dos céus.
Uma estrela caĂa.
Esse fogo consumido queima ainda a lembrança do
sul, a sua extrema dor anoitecida.
NĂŁo vens jamais.
O teu rosto Ă© a relva mutilada dos passos em que me
entristeço, a absoluta condenação.
Chove quando penso que um dia as tuas rosas floriam
no centro desta cidade.
Não quis, à volta dos låbios, a profanação do jasmim,
as tuas folhas de outubro.
Ocultarei, na agonia das casas, uma pena que esvoaça,
a nudez de quem sangra Ă vista das catedrais.
O meu peito abriga as tuas sementes, e morre.
Esta mĂșsica Ă© quase o vento.
Poemas sobre Céu de José Agostinho Baptista
2 resultadosAs MĂŁes?
Fossem estes dias uma fonte que
brotasse.
Manchas de azul, um rasto de neve em pleno céu,
colmeias,
mel, uma exaltação de asas.Mas é assim:
metais que revestem a pele e as armaduras,
bronze, ferro, formas que perduram, malhas, ameaçados
tecidos que nos moldam â
quem borda ainda,
quem se atreve Ă minĂșcia das rendas?As mĂŁes?
elas vinham cedo, eram como um rumor de levadas,
atravessando as terras.
Eram as mesmas mĂŁos trabalhando sedas, afagos e
uma conspiração de cores e agulhas frias,
mĂŁes de silĂȘncio bordando a treva e o sono, a longa
noite dos filhos.Herdei uma beleza amarga,
o temor das sombras, dos relĂąmpagos que embatiam
na infĂąncia,
no dorso das colinas,
no coração mais triste.Um estrondo de muralhas, diques, batalhas que
deflagram,
uma ciĂȘncia aterradora:
não quero outra véspera de espadas, a coroação do
sangue,
patĂbulos onde a cabeça se expande,
rolando como a poeira e os astros,
repercutindo como um sino no choro das mĂŁes.NĂŁo quero um bordado de horas antigas,