Poemas sobre Corpo de Ferreira Gullar

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Poemas de corpo de Ferreira Gullar. Leia este e outros poemas de Ferreira Gullar em Poetris.

Extravio

Onde começo, onde acabo,
se o que estĂĄ fora estĂĄ dentro
como num cĂ­rculo cuja
periferia Ă© o centro?

Estou disperso nas coisas,
nas pessoas, nas gavetas:
de repente encontro ali
partes de mim: risos, vértebras.

Estou desfeito nas nuvens:
vejo do alto a cidade
e em cada esquina um menino,
que sou eu mesmo, a chamar-me.

Extraviei-me no tempo.
Onde estarão meus pedaços?
Muito se foi com os amigos
que jĂĄ nĂŁo ouvem nem falam.

Estou disperso nos vivos,
em seu corpo, em seu olfato,
onde durmo feito aroma
ou voz que também não fala.

Ah, ser somente o presente:
esta manhĂŁ, esta sala.

Prometi-me PossuĂ­-la

Prometi-me possuĂ­-la muito embora
ela me redimisse ou me cegasse.
Busquei-a na catĂĄstrofe da aurora,
e na fonte e no muro onde sua face,

entre a alucinação e a paz sonora
da ĂĄgua e do musgo, solitĂĄria nasce.
Mas sempre que me acerco vai-se embora
como se temesse ou me odiasse.

Assim persigo-a, lĂșcido e demente.
Se por detrĂĄs da tarde transparente
seus pés vislumbro, logo nos desvãos

das nuvens fogem, luminosos e ĂĄgeis!
Vocabulário e corpo — deuses frágeis —
eu colho a ausĂȘncia que me queima as mĂŁos.

[Poemas Portugueses]

Madrugada

Do fundo de meu quarto, do fundo
de meu corpo
clandestino
ouço (não vejo) ouço
crescer no osso e no mĂșsculo da noite
a noite

a noite ocidental obscenamente acesa
sobre meu paĂ­s dividido em classes