Poemas sobre Dizer de José Jorge Letria

3 resultados
Poemas de dizer de José Jorge Letria. Leia este e outros poemas de José Jorge Letria em Poetris.

A Minha Saudade Tem o Mar Aprisionado

A minha saudade tem o mar aprisionado
na sua teia de datas e lugares.
É uma matĂ©ria vibrĂĄtil e nostĂĄlgica
que nĂŁo consigo tocar sem receio,
porque queima os dedos,
porque fere os lĂĄbios,
porque dilacera os olhos.
E nĂŁo me venham dizer que Ă© inocente,
passiva e benigna porque nĂŁo posso acreditar.
A minha saudade tem mulheres
agarradas ao pescoço dos que partem,
crianças a brincarem nos passeios,
amantes ocultando-se nas sebes,
soldados execrando guerras.
Pode ser uma casa ou uma rede
das que nĂŁo prendem pĂĄssaros nem peixes,
das que tĂȘm malhas largas
para deixar passar o vento e a pressa
das ondas no corpo da areia.
Seria hipĂłcrita se dissesse
que esta saudade nĂŁo me vem Ă  boca
com o sabor a fogo das coisas incumpridas.
Imagino-a distante e extinta, e contudo
cresce em mim como um distĂșrbio da paixĂŁo.

Os Filhos SĂŁo Figuras Estremecidas

Os filhos sĂŁo figuras estremecidas
e, quando dormem, a felicidade
cerra-lhes as pĂĄlpebras, toca-lhes
os lĂĄbios, ama-os sobre as camas.
É por mim que chamam quando temem
o eclipse e o temporal. Trazem nos cabelos
o aroma do leite e da festa das rosas.
Voam-me por entre os dedos, por entre
as malhas da rede de espuma
que lanço a seus pés. Reinam
num sĂ­tio de penumbra onde nĂŁo
me atrevo sequer a dizer quem sou.

Ode aos Natais Esquecidos

Eu vinha, pé ante pé, em busca da pequena porta
que dava acesso aos mistérios da noite,
daquela noite em particular, por ser a mais terna
de todas as noites que a minha memĂłria
era capaz de guardar, com letras e sons,
no seu bojo de coisas imateriais e imperecĂ­veis.
Tinha comigo os cĂŁes e os retratos dos mortos,
a lembrança de outras noites e de outros dias,
os brinquedos cansados da solidĂŁo dos quartos,
os cadernos invadidos pĂȘlos saberes inĂșteis.
E todos me diziam que era ainda muito cedo,
porque a meia-noite morava jĂĄ dentro do sono,
no territĂłrio dos anjos e dos outros seres alados,
hora inatingĂ­vel a clamar pela nossa paciĂȘncia,
meninos hirtos de olhos fixos na claridade
enganadora de uma ĂĄrvore sem nome.

Depois, o meu pai morreu e as minhas ilusÔes também.
Tudo se tornou gélido, esquivo e distante
como a tristeza de um fantasma confrontado
com a beleza da vida para sempre perdida.
Deixaram de me dar presentes e de dizer
que era o Menino Jesus que os trazia
para premiar a minha grandeza de alma,

Continue lendo…