Poemas sobre Dois de Miguel Torga

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Poemas de dois de Miguel Torga. Leia este e outros poemas de Miguel Torga em Poetris.

História Antiga

Era uma vez, lá na Judeia, um rei.
Feio bicho, de resto:
Uma cara de burro sem cabresto
E duas grandes tranças.
A gente olhava, reparava, e via
Que naquela figura não havia
Olhos de quem gosta de crianças.

E, na verdade, assim acontecia.
Porque um dia,
O malvado,
Só por ter o poder de quem é rei
Por não ter coração
Sem mais nem menos,
Mandou matar quantos eram pequenos
Nas cidades e aldeias da Nação.

Mas,
Por acaso ou milagre, aconteceu
Que, num burrinho pela areia fora,
Fugiu
Daquelas mãos de sangue um pequenito
Que o vivo sol da vida acarinhou;
E bastou
Esse palmo de sonho
Para encher este mundo de alegria;
Para crescer, ser Deus;
E meter no inferno o tal das tranças,
Só porque ele não gostava de crianças.

Eleição

Sou eu e ela, aqui no bairro. Sós,
Quando o luar me acorda e lhe prateia o lombo,
Cantamos nós,
Eu um poema agudo, e ela um rombo.

Rã, como a gerou a natureza,
Homem, porque eu assim o quis,
Somos os dois poetas da tristeza
Que há na gente infeliz.

Não era terra que a poesia olhasse
O lodo de que é feita e de que sou;
Mas a semente nasce
Onde o vento a deixou…

Graça

Eram dois, numa cama, lado a lado;
Eram dois, separados e diversos;
Mas unia-os o fado
De poderem ter filhos e ter versos.

Eram dois a dormir,
Sem sonharem, sequer,
Que a mesma seiva astral pode cair
Num ventre de Poeta ou de Mulher.