Poemas sobre ExercĂ­cio

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Poemas de exercício escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Nem Sequer Sou Poeira

NĂŁo quero ser quem sou. A avara sorte
Quis-me oferecer o século dezassete,
O pĂł e a rotina de Castela,
As coisas repetidas, a manhĂŁ
Que, prometendo o hoje, dá a véspera,
A palestra do padre ou do barbeiro,
A solidĂŁo que o tempo vai deixando
E uma vaga sobrinha analfabeta.
Já sou entrado em anos. Uma página
Casual revelou-me vozes novas,
Amadis e Urganda, a perseguir-me.
Vendi as terras e comprei os livros
Que narram por inteiro essas empresas:
O Graal, que recolheu o sangue humano
Que o Filho derramou pra nos salvar,
Maomé e o seu ídolo de ouro,
Os ferros, as ameias, as bandeiras
E as operações e truques de magia.
Cavaleiros cristãos lá percorriam
Os reinos que há na terra, na vingança
Da ultrajada honra ou querendo impor
A justiça no fio de cada espada.
Queira Deus que um enviado restitua
Ao nosso tempo esse exercĂ­cio nobre.
Os meus sonhos avistam-no. Senti-o
Na minha carne triste e solitária.
Seu nome ainda nĂŁo sei. Mas eu, Quijano,
Serei o paladino.

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Como Realiza o Corpo este ExercĂ­cio da Queda

Como realiza o corpo este exercĂ­cio
da queda no sĂşbito conhecimento
do espanto, quando os olhos estĂŁo vencidos,
cerrados pela transparĂŞncia e pela luz
ofuscante da alva? À medida que o corpo
seca e se aplacam os seus, outrora, amáveis
dons, se ensombram os ossos, mĂ­seras as mĂŁos
emagrecidas e se desnuda a carne
no fundo fôlego das águas, aumenta
o assombro da claridade. SĂł a vida
gerou o tempo, eis que ausente, ao resplendor
inesperado da luz descida. Onde vai
o humilde corpo, se corpo resta ou se outro,
receber a miraculosa mudança
de nada existir a nĂŁo ser o profundo
bando do grito terrĂ­vel de todos
os mortos? Ah, que estupor sela os mĂşsculos,
enrijece as unhas e aspira a voz,
resfria o suor e nos conduz, inertes
e cegos, ao nĂşcleo da luz deslumbrante?
Ă“ mar de que futuro, rumor volĂşvel,
sopro claro, envolve-nos de compaixĂŁo!

Eu Te Imagino Acordando

Eu te imagino acordando
para a primeira comunhĂŁo do amor.
Teu vestido de rezas (nĂŁo sĂŁo rosas)
costuradas por quem
as soube de ouvir também
vais despindo e ficando
com o uniforme natural de nadador;
gesto por gesto, vais passando a perceber
que em teu novo exercĂ­cio pouco adianta
toda teoria
— como adianta pouco um salva-vidas
a quem prefere, entre dois nados, mergulhar…
Melhor que o nado, o mergulho desvenda
as mais profundas relações de corpo a mar.

Decepção à Regra

Sentar-me e
ver os outros passar Ă© o
meu exercício favorito. Entretém.
NĂŁo esgota.
É gratuito. Neste meu jogo-do-não
sĂŁo os outros que passam
(Ă© aos outros que reservo a tarefa
de passar). Lavo daí os pés.
Escrevo de dentro da vida.
Pode até parecer que assim não
chego a lugar algum mas também quem
Ă© que quer ir
ao sĂ­tio dos outros?

A Noite de Pavese

Raras vezes me franquearam a porta
e me deixaram entrar. A febre
sitia-me a alma e quem me vĂŞ
assusta-se do aspecto do meu rosto,
esta barba por fazer onde um rouxinol
se esconde. E mais ainda assusta
a minha altura, este lugar de vertigem
e palavras poderosas, a presença
de ilimitados segredos que ninguém quer conhecer,
o estremecimento que corre nos meus ombros.
Embora nada peça, sabem que sou um pedinte.
E quando entro nas casas os meus gestos
afeiçoam-se a alguma coisa enigmática
que contorna o pavor e o entrega
por não se saber que espécie de vida ou de morte
vem comigo. Obviamente, eu abençoo
quem me deixa entrar, dou a entender
que alguma coisa brilha nas minhas mĂŁos
e posso matar a fome com uma ou outra palavra
prĂłxima do amor, um dedo nos cabelos
de quem me recebe. Subi as escadas que vĂŁo dar a esta casa
em silĂŞncio e em silĂŞncio aceitei que me aguardassem
com as inefáveis sombras que vejo nos outros
e tento decifrar para meu contentamento.
Mandaram-me sentar e deram-me de beber.

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A Guerra

Musa, pois cuidas que Ă© sal
o fel de autores perversos,
e o mundo levas a mal,
porque leste quatro versos
de Horácio e de Juvenal,

Agora os verás queimar,
já que em vão os fecho e os sumo;
e leve o volĂşvel ar,
de envolta como turvo fumo,
o teu furor de rimar.

Se tu de ferir nĂŁo cessas,
que serve ser bom o intento?
Mais carapuças não teças;
que importa dá-las ao vento,
se podem achar cabeças?

Tendo as sátiras por boas,
do Parnaso nos dois cumes
em hora negra revoas;
tu dás golpes nos costumes,
e cuidam que Ă© nas pessoas.

Deixa esquipar Inglaterra
cem naus de alterosa popa,
deixa regar sangue a terra.
Que te importa que na Europa
haja paz ou haja guerra?

Deixa que os bons e a gentalha
brigar ao Casaca vĂŁo,
e que, enquanto a turba ralha,
vá recebendo o balcão
os despojos da batalha.

Que tens tu que ornada histĂłria
diga que peitos ferinos,

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SugestĂŁo

Sede assim — qualquer coisa
serena, isenta, fiel.

Flor que se cumpre,
sem pergunta.

Onda que se esforça,
por exercĂ­cio desinteressado.

Lua que envolve igualmente
os noivos abraçados
e os soldados já frios.

Também como este ar da noite:
sussurrante de silĂŞncios,
cheio de nascimentos e pétalas.

Igual Ă  pedra detida,
sustentando seu demorado destino.
E Ă  nuvem, leve e bela,
vivendo de nunca chegar a ser.

Ă€ cigarra, queimando-se em mĂşsica,
ao camelo que mastiga sua longa solidĂŁo,
ao pássaro que procura o fim do mundo,
ao boi que vai com inocĂŞncia para a morte.

Sede assim qualquer coisa
serena, isenta, fiel.

NĂŁo como o resto dos homens.

Emprego e Desemprego do Poeta

Deixai que em suas mãos cresça o poema
como o som do avião no céu sem nuvens
ou no surdo verĂŁo as manhĂŁs de domingo
NĂŁo lhe digais que Ă© mĂŁo-de-obra a mais
que o tempo não está para a poesia

Publicar versos em jornais que tiram milhares
talvez até alguns milhões de exemplares
haverá coisa que se lhe compare?
Grandes mulheres como semiramis
pĂşblia hortĂŞnsia de castro ou vitĂłria colonna
todas aquelas que mais Ă­ntimo morreram
nĂŁo fizeram tanto por se imortalizar

Oh que agradável não é ver um poeta em exercício
chegar mesmo a fazer versos a pedido
versos que ao lĂŞ-los o mais arguto crĂ­tico em vĂŁo procuraria
quem evitasse a guerra maiĂşsculas-minĂşsculas melhor
Bem mais do que a harmonia entre os irmĂŁos
o poeta em exercĂ­cio Ă© como azeite precioso derramado
na cabeça e na barba de aarão

Chorai profissionais da caridade
pelo pobre poeta aposentado
que já nem sabe onde ir buscar os versos
Abandonado pela poesia
oh como sĂŁo compridos para ele os dias
nem mesmo sabe aonde pĂ´r as mĂŁos