Poemas sobre FĂşria

28 resultados
Poemas de fúria escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

MĂŁe, Eu Estou tĂŁo Cansado

MĂŁe, eu estou tĂŁo cansado e sinto nos ossos
o chamamento da água, o chamamento sibilino
que se confunde com o ranger das portas das casas
onde jamais voltarei: venha veloz o sono capaz
de me resgatar e que dentro dele se perfilem
as sombras e os gestos, exército dos meus medos
mais secretos, temores enrodilhados na roupa hĂşmida
das camas. MĂŁe, a luz nĂŁo se demora no meu quarto,
morre nas corolas das flores que trouxeste
para o riso nĂŁo murchar, e eu fico doente sĂł de olhar
os muros onde a hera Ă© espiral de espanto, raiz
de uma enfermidade latente. NĂŁo voltarei
Ă s actas do desespero, que sĂŁo sombrias e magras
como os corpos dos amantes que definham sobre a
[areia
na fúria da maré, com uma gramática de murmúrios
escondida na solidĂŁo branca das dunas, mĂŁe.

Rosas Vermelhas

Que estranha fantasia!
Comprei rosas encarnadas
Ă s molhadas
dum vermelho estridente,
tĂŁo rubras como a febre que eu trazia…
– E vim deitá-las contente
na minha cama vazia!

Toda a noite me piquei
nos seus agudos espinhos!
E toda a noite as beijei
em desalinhos…

A janela toda aberta
meu quarto encheu de luar…
– Na roupa branca de linho,
as rosas,
sĂŁo corações a sangrar…

Morrem as rosas desfolhadas…
Matei-as!
Apertadas
Ă s mĂŁos-cheias!

Alvorada!
Alvorada!
Veio despertar-me!
Vem acordar-me!

Eu vou morrer…
E nĂŁo consigo desprender
dos meus desejos,
as rosas encarnadas,
que morrem esfarrapadas,
na fĂşria dos meus beijos!

Canção tão simples

Quem poderá domar os cavalos do vento
quem poderá domar este tropel
do pensamento
Ă  flor da pele?

Quem poderá calar a voz do sino triste
que diz por dentro do que nĂŁo se diz
a fĂşria em riste
do meu paĂ­s?

Quem poderá proibir estas letras de chuva
que gota a gota escrevem nas vidraças
pátria viúva
a dor que passa?

Quem poderá prender os dedos farpas
que dentro da canção fazem das brisas
as armas harpas
que sĂŁo precisas?

Viagem

É o vento que me leva.
O vento lusitano.
É este sopro humano
Universal
Que enfuna a inquietação de Portugal.
É esta fúria de loucura mansa
Que tudo alcança
Sem alcançar.
Que vai de céu em céu,
De mar em mar,
Até nunca chegar.
E esta tentação de me encontrar
Mais rico de amargura
Nas pausas da ventura
De me procurar…

Pergunta-me

Pergunta-me
se ainda Ă©s o meu fogo
se acendes ainda
o minuto de cinza
se despertas
a ave magoada
que se queda
na árvore do meu sangue

Pergunta-me
se o vento nĂŁo traz nada
se o vento tudo arrasta
se na quietude do lago
repousaram a fĂşria
e o tropel de mil cavalos

Pergunta-me
se te voltei a encontrar
de todas as vezes que me detive
junto das pontes enevoadas
e se eras tu
quem eu via
na infinita dispersĂŁo do meu ser
se eras tu
que reunias pedaços do meu poema
reconstruindo
a folha rasgada
na minha mĂŁo descrente

Qualquer coisa
pergunta-me qualquer coisa
uma tolice
um mistério indecifrável
simplesmente
para que eu saiba
que queres ainda saber
para que mesmo sem te responder
saibas o que te quero dizer

Cantiga de Banheiro

A moça vai tomar banho,
banho domiciliar.
A moça não se dispersa
na piscina nem no mar.
A moça entra no banheiro
e torce a chave e o ferrolho
da porta. (Há na fechadura
um olho que chama outro olho.)
A moça vai tomar banho.
Deixa os chinelos no canto.
Perdeu os itinerários.
Solta os cabelos castanhos.
Fica nua. Dela saltam
peitos agressivos de
bicos rubros, insinuantes,
de leite e amor para as bocas
dos babies e dos amantes.
A moça morena espia
dentro do espelho da pia
a exclusivamente sua
liberta beleza nua.

Comprime-se o espelho quando
a moça se distancia.
Na solidĂŁo do banheiro,
vĂŞ-se emparedada viva
nas paredes de azulejo
e nua fica debaixo
do chuveiro de onde a água
humaniza-se e, acrobata,
dá um pulo da cascata
doméstica com a intenção
de levar a moça longe,
de fazer um filho plástico
no ventre virgem lambido
de esponja e de sabonete.

Quando a branca toalha asséptica
abriu-se na fĂşria ambiente,

Continue lendo…

O DilĂşvio

Há muitos dias já, há já bem longas noites
que o estalar dos vulcões e o atroar das torrentes
ribombam com furor, quais rábidos açoites,
ao crebro rutilar dos coriscos ardentes.

Pradarias, vergéis, hortos, vinhedos, matos,
tudo desapar’ceu ao rude desabar
das constantes, hostis, raivosas cataratas,
que fizeram da Terra um grande e torvo mar.

Ă€ flor do torvo mar, verde como as gangrenas,
onde homens e leões bóiam agonizantes,
imprecando com fĂşria e angĂşstia, erguem-se apenas,
quais monstros colossais, as montanhas gigantes.

É aí que, ululando, os homens como as feras
refugiar-se vão em trágicos cardumes,
O mar sobe, o mar cresce. e os homens e as panteras,
crianças e reptis caminham para os cumes.

Os fortes, sem haver piedade que os sujeite,
arremessam ao chĂŁo pobres velhos cansados.
e as mães largam. cruéis, os filhinhos de leite,
que os que seguem depois pisam, alucinados.

Um sinistro pavor; crescente e sufocante,
desnorteia, asfixia a turba pertinaz:
ouvem-se urros de dor, e os que vĂŁo adiante
lançam pedras brutais aos que ficam pra trás.

Continue lendo…

Coordenadas

Conheço
os começos

— o chegar as chuvas
as migrações, o mugir
de parelhas atreladas
aos varais da madrugada.

Conheço onde começa
o medo o estupor o soco!
Onde o homem no ar
parado, rodopia

— e tomba

quando assoma
o zinabre ao gesto
e a lâmina se limpa
de espessa fĂşria.

Também conheço
antiga promessa
de urtiga Ă s costas,
premissa de colheita
proposta pelos caules.

E mais conheço
onde a terra exaure
o corpo que nela deita,

onde o Ă­ntimo de nosso
ser em pó começa a ser
sopro de ossos.

Mas desconheço
o remanso das tréguas
o descanso dos remos
o ponto de equilĂ­brio

onde estou