LĂșbrica
Quando a vejo, de tarde, na alameda,
Arrastando com ar de antiga fada,
Pela rama da murta despontada,
A saia transparente de alva seda,
E medito no gozo que promete
A sua boca fresca, pequenina,
E o seio mergulhado em renda fina,
Sob a curva ligeira do corpete;
Pela mente me passa em nuvem densa
Um tropel infinito de desejos:
Quero, Ă s vezes, sorvĂȘ-la, em grandes beijos,
Da luxĂșria febril na chama intensa…
Desejo, num transporte de gigante,
Estreitå-la de rijo entre meus braços,
Até quase esmagar nesses abraços
A sua carne branca e palpitante;
Como, da Ăsia nos bosques tropicais
Apertam, em espiral auriluzente,
Os mĂșsculos hercĂșleos da serpente,
Aos troncos das palmeiras colossais.
Mas, depois, quando o peso do cansaço
A sepulta na morna letargia,
Dormitando, repousa, todo o dia,
Ă sombra da palmeira, o corpo lasso.Assim, quisera eu, exausto, quando,
No delĂrio da gula todo absorto,
Me prostasse, embriagado, semimorto,
O vapor do prazer em sono brando;
Entrever, sobre fundo esvaecido,
Dos fantasmas da febre o incerto mar,
Poemas sobre LuxĂșria
5 resultadosEstou Cansado
Estou cansado, Ă© claro,
Porque, a certa altura, a gente tem que estar cansado.
De que estou cansado, nĂŁo sei:
De nada me serviria sabĂȘ-lo,
Pois o cansaço fica na mesma.
A ferida dĂłi como dĂłi
E não em função da causa que a produziu.
Sim, estou cansado,
E um pouco sorridente
De o cansaço ser sĂł isto â
Uma vontade de sono no corpo,
Um desejo de nĂŁo pensar na alma,
E por cima de tudo uma transparĂȘncia lĂșcida
Do entendimento retrospectivo…
E a luxĂșria Ășnica de nĂŁo ter jĂĄ esperanças?
Sou inteligente; eis tudo.
Tenho visto muito e entendido muito o que tenho visto,
E hå um certo prazer até no cansaço que isto nos då,
Que afinal a cabeça sempre serve para qualquer coisa.
Pequenos Poemas Mentais
Mental: nada, ou quase nada sentimental.
I
Quem nĂŁo sai de sua casa,
nĂŁo atravessa montes nem vales,
nĂŁo vĂȘ eiras
nem mulheres de infusa,
nem homens de mangual em riste, suados,
quem vive como a aranha no seu redondel
cria mil olhos para nada.
Mil olhos!
ImplacĂĄveis.
E hoje diz: odeio.
Ontem diria: amo.
Mas odeia, odeia com indĂŽmitos Ăłdios.
E se se aplaca, como acha o tempo pobre!
E a liberdade inĂștil,
inĂștil e vĂŁ,
riqueza de miserĂĄveis.II
Como sempres, hĂĄ-de-chegar, desde os tempos!
Vozes, cumprimentos, ofegantes entradas.
Mas que vos reunirĂĄ, pensamentos?
Chegais a existir, pensamentos?
Ă provĂĄvel, mas desconfiados e invĂĄlidos,
Rosnando estĂșpidos, com cĂŁes.Ă inĂșteis, aquietai-vos!
Voltai como os cĂŁes das quintas
ao ponto da partida, decepcionados.
E enrolai-vos tristonhos, rabugentos, desinteressados.III
Esse gesto…
Esse desĂąnimo e essa vaidade…
A vaidade ferida comove-me,
comove-me o ser ferido!A vaidade nĂŁo Ă© generosa, Ă© egoĂsta,
Mas chega a ser bela,
SĂĄtira
Besta e mais besta! O positivo Ă© nada…
(Perdoa, se em gramĂĄtica te falo,
Arte que ignoras, como ignoras tudo.)
Besta e mais besta! Na palavra embirro;
Que a besta anexa ao mais teu ser define.DĂĄs-me louvor servil na voz do prelo,
Grande me crĂȘs, proclamas-me famoso,
Excelso, transcendente, incomparĂĄvel,
Confessas que d’Elmano a fĂșria temes…
E, débil estorninho, åguias provocas,
Aves de Jove, que o corisco empunham!Ăs de rĂĄbula vil corrupta imagem;
Tu vendes o louvor, como ele as partes,
Mas ele na enxovia infĂąmias paga,
E tu, com tĂșstios, que aos caloiros pilhas,
Compras gravatas, em que a tromba enorme
Sumas ao dia, que de a ver se embrusca,
Qual em tenra mĂŁozinha esconde a face
Mimoso infante de papÔes vexado.
Ătil descuido aos cĂĄrceres te furta,
à digna habitação de ti saudosa
(Digo, o Castelo), estĂąncia equivalente
Aos méritos morais, que em ti reluzem.De saloios vinténs laråpio sujo,
A glĂłria do teu Ăłdio restitui
A quem no teu louvor desacreditas.
Se honrada pelos sĂĄbios d’Ulisseia
(D’Ulisseia nĂŁo sĂł,
Dia de Natal
Hoje Ă© dia de ser bom.
à dia de passar a mão pelo rosto das crianças,
de falar e de ouvir com mavioso tom,
de abraçar toda a gente e de oferecer lembranças.
Ă dia de pensar nos outros â coitadinhos â nos que padecem,
de lhes darmos coragem para poderem continuar a aceitar a sua miséria,
de perdoar aos nossos inimigos, mesmo aos que nĂŁo merecem,
de meditar sobre a nossa existĂȘncia, tĂŁo efĂ©mera e tĂŁo sĂ©ria.Comove tanta fraternidade universal.
Ă sĂł abrir o rĂĄdio e logo um coro de anjos,
como se de anjos fosse,
numa toada doce,
de violas e banjos,
entoa gravemente um hino ao Criador.
E mal se extinguem os clamores plangentes,
a voz do locutor
anuncia o melhor dos detergentes.De novo a melopeia inunda a Terra e o Céu
e as vozes crescem num fervor patético.
(Vossa excelĂȘncia verificou a hora exacta em que o Menino Jesus nasceu?)
NĂŁo seja estĂșpido! Compre imediatamente um relĂłgio de pulso antimagnĂ©tico.)
Torna-se difĂcil caminhar nas preciosas ruas.
Toda a gente acotovela,