Nocturno a Duas Vozes

— Que posso eu fazer
senĂŁo beber-te os olhos
enquanto a noite
nĂŁo cessa de crescer?

— Repara como sou jovem,
como nada em mim
encontrou o seu cume,
como nenhuma ave
poisou ainda nos meus ramos,
e amo-te,
bosque, mar, constelação.

— Não tenhas medo:
nenhum rumor,
mesmo o do teu coração,
anunciarĂĄ a morte;
a morte
vem sempre doutra maneira,
alheia
aos longos, brancos
corredores da madrugada.

— NĂŁo Ă© de medo
que tremem os meus lĂĄbios,
tremo por um fruto de lume
e solidĂŁo
que Ă© todo o oiro dos teus olhos,
toda a luz
que meus dedos tĂȘm
para colher na noite.

— VĂȘ como brilha
a estrela da manhĂŁ,
como a terra
Ă© sĂł um cheiro de eucaliptos,
e um rumor de ĂĄgua
vem no vento.

— Tu Ă©s a ĂĄgua, a terra, o vento,
a estrela da manhĂŁ Ă©s tu ainda.

— Cala-te, as palavras doem.
Como dĂłi um barco,
como dĂłi um pĂĄssaro
ferido
no limiar do dia.

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