Poemas sobre Momentos de Ricardo Reis

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Poemas de momentos de Ricardo Reis. Leia este e outros poemas de Ricardo Reis em Poetris.

Nada Nos Falta, porque Nada Somos

Ao longe os montes tĂȘm neve ao sol,
Mas Ă© suave jĂĄ o frio calmo
Que alisa e agudece
Os dardos do sol alto.

Hoje, Neera, nĂŁo nos escondamos,
Nada nos falta, porque nada somos.
NĂŁo esperamos nada
E temos frio ao sol.

Mas tal como Ă©, gozemos o momento,
Solenes na alegria levemente,
E aguardando a morte
Como quem a conhece.

Que Pesa o EscrĂșpulo do Pensamento?

Azuis os montes que estĂŁo longe param.
De eles a mim o vĂĄrio campo ao vento, Ă  brisa,
Ou verde ou amarelo ou variegado,
Ondula incertamente.
DĂ©bil como uma haste de papoila
Me suporta o momento. Nada quero.
Que pesa o escrĂșpulo do pensamento
Na balança da vida?
Como os campos, e vĂĄrio, e como eles,
Exterior a mim, me entrego, filho
Ignorado do Caos e da Noite
Às fĂ©rias em que existo.

Certeza Única Ă© o Mal Presente

Pois que nada que dure, ou que, durando,
Valha, neste confuso mundo obramos,
E o mesmo Ăștil para nĂłs perdemos
Conosco, cedo, cedo.

O prazer do momento anteponhamos
À absurda cura do futuro, cuja
Certeza Ășnica Ă© o mal presente
Com que o seu bem compramos.

AmanhĂŁ nĂŁo existe. Meu somente
É o momento, eu só quem existe
Neste instante, que pode o derradeiro
Ser de quem finjo ser?

Deixai a Vida aos Crentes Mais Antigos

VĂłs que, crentes em Cristos e Marias,
Turvais da minha fonte as claras ĂĄguas
SĂł para me dizerdes
Que hå åguas de outra espécie

Banhando prados com melhores horas
Dessas outras regiÔes pra que falar-me
Se estas ĂĄguas e prados
SĂŁo de aqui e me agradam?

Esta realidade os deuses deram
E para bem real a deram externa.
Que serĂŁo os meus sonhos
Mais que a obra dos deuses?

Deixai-me a Realidade do momento
E os meus deuses tranqĂŒilos e imediatos
Que nĂŁo moram no Vago
Mas nos campos e rios.

Deixai-me a vida ir-se pagĂŁmente
Acompanhada pelas avenas tĂȘnues
Com que os juncos das margens
Se confessam de PĂŁ.

Vivei nos vossos sonhos e deixai-me
O altar imortal onde Ă© meu culto
E a visível presença
Os meus prĂłximos deuses.

InĂșteis procos do melhor que a vida,
Deixai a vida aos crentes mais antigos
Que a Cristo e a sua cruz
E Maria chorando.

Ceres, dona dos campos, me console
E Apolo e VĂȘnus,

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Vem Sentar-te Comigo, LĂ­dia, Ă  Beira do Rio

Vem sentar-te comigo, LĂ­dia, Ă  beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
(Enlacemos as mĂŁos.)

Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e nĂŁo fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,
Mais longe que os deuses.

Desenlacemos as mĂŁos, porque nĂŁo vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer nĂŁo gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente
E sem desassosegos grandes.

Sem amores, nem ódios, nem paixÔes que levantam a voz,
Nem invejas que dĂŁo movimento demais aos olhos,
Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria,
E sempre iria ter ao mar.

Amemo-nos tranquilamente, pensando que podiamos,
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
Ouvindo correr o rio e vendo-o.

Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as
No colo, e que o seu perfume suavize o momento —
Este momento em que sossegadamente nĂŁo cremos em nada,

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Colhe o Dia, porque És Ele

Uns, com os olhos postos no passado,
VĂȘem o que nĂŁo vĂȘem: outros, fitos
Os mesmos olhos no futuro, vĂȘem
O que nĂŁo pode ver-se.

Por que tão longe ir pîr o que está perto —
A segurança nossa? Este é o dia,
Esta Ă© a hora, este o momento, isto
É quem somos, e Ă© tudo.

Perene flui a interminĂĄvel hora
Que nos confessa nulos. No mesmo hausto
Em que vivemos, morreremos. Colhe
O dia, porque Ă©s ele.

Sofro, LĂ­dia, do Medo do Destino

Sofro, LĂ­dia, do medo do destino.
A leve pedra que um momento ergue
As lisas rodas do meu carro, aterra
Meu coração.

Tudo quanto me ameace de mudar-me
Para melhor que seja, odeio e fujo.
Deixem-me os deuses minha vida sempre
Sem renovar

Meus dias, mas que um passe e outro passe
Ficando eu sempre quase o mesmo, indo
Para a velhice como um dia entra
No anoitecer.

Uma ApĂłs Uma as Ondas Apressadas

Uma ApĂłs Uma
Uma apĂłs uma as ondas apressadas
Enrolam o seu verde movimento
E chiam a alva ‘spuma
No moreno das praias.

Uma apĂłs uma as nuvens vagarosas
Rasgam o seu redondo movimento
E o sol aquece o ‘spaço
Do ar entre as nuvens ‘scassas.

Indiferente a mim e eu a ela,
A natureza deste dia calmo
Furta pouco ao meu senso
De se esvair o tempo.

SĂł uma vaga pena inconsequente
PĂĄra um momento Ă  porta da minha alma
E apĂłs fitar-me um pouco
Passa, a sorrir de nada.

Os Grandes Indiferentes

Ouvi contar que outrora, quando a PĂ©rsia
Tinha nĂŁo sei qual guerra,
Quando a invasĂŁo ardia na cidade
E as mulheres gritavam,
Dois jogadores de xadrez jogavam
O seu jogo contĂ­nuo.

À sombra de ampla árvore fitavam
O tabuleiro antigo,
E, ao lado de cada um, esperando os seus
Momentos mais folgados,
Quando havia movido a pedra, e agora
Esperava o adversĂĄrio.
Um pĂșcaro com vinho refrescava
Sobriamente a sua sede.

Ardiam casas, saqueadas eram
As arcas e as paredes,
Violadas, as mulheres eram postas
Contra os muros caĂ­dos,
Traspassadas de lanças, as crianças
Eram sangue nas ruas…
Mas onde estavam, perto da cidade,
E longe do seu ruĂ­do,
Os jogadores de xadrez jogavam
O jogo de xadrez.

Inda que nas mensagens do ermo vento
Lhes viessem os gritos,
E, ao refletir, soubessem desde a alma
Que por certo as mulheres
E as tenras filhas violadas eram
Nessa distĂąncia prĂłxima,
Inda que, no momento que o pensavam,
Uma sombra ligeira
Lhes passasse na fronte alheada e vaga,

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É tão Suave a Fuga deste Dia

É tão suave a fuga deste dia,
LĂ­dia, que nĂŁo parece, que vivemos.
Sem dĂșvida que os deuses
Nos sĂŁo gratos esta hora,

Em paga nobre desta fé que temos
Na exilada verdade dos seus corpos
Nos dĂŁo o alto prĂȘmio
De nos deixarem ser

Convivas lĂșcidos da sua calma,
Herdeiros um momento do seu jeito
De viver toda a vida
Dentro dum sĂł momento,

Dum sĂł momento, LĂ­dia, em que afastados
Das terrenas angĂșstias recebemos
OlĂ­mpicas delĂ­cias
Dentro das nossas almas.

E um sĂł momento nos sentimos deuses
Imortais pela calma que vestimos
E a altiva indiferença
Às coisas passageiras

Como quem guarda a c’roa da vitĂłria
Estes fanados louros de um sĂł dia
Guardemos para termos,
No futuro enrugado,

Perene Ă  nossa vista a certa prova
De que um momento os deuses nos amaram
E nos deram uma hora
NĂŁo nossa, mas do Olimpo.