O Poeta

Este grave ofĂ­cio de poeta
que exerço enquanto o tempo vai
dando mais terra Ă  minha sombra,
nĂŁo o aprendi com meu pai.

Este meu alibi de cantar
para ausentar-me do que sou,
de minha mĂŁe nĂŁo o herdou
o filho rebelde e sem lar.

Este ritmo que celebrei
no contraponto com a viola,
jamais o aprendi na escola
e a mim mesmo o ensinei.

Sou o inventor do que sou
e, embora neto de avĂłs,
tenho de prĂłprio a minha voz,
bĂşssola do Norte aonde vou.

Entre Ă­caro e Prometeu
viajo e tenho o céu e o chão.
Comando as pedras de AnfiĂŁo.
Faço a segunda voz de Orfeu.

E nem me pergunteis se gosto
de ocupação menos errática:
meu verso é a minha vida prática,
salário e suor do meu rosto.

Deixai-me sĂł com minhas lavras,
e com Hamlet, meu porta-voz,
e esta verdade entre nĂłs:
palavras palavras palavras.