Poemas sobre Sempre de Mário de Sá-Carneiro

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Poemas de sempre de Mário de Sá-Carneiro. Leia este e outros poemas de Mário de Sá-Carneiro em Poetris.

O amor

MOTE

Amor Ă© chama que mata,
Sorriso que desfalece,
Madeixa que desata,
Perfume que esvaece.

(popular)

GLOSAS

Amor Ă© chama que mata,
Dizem todos com razĂŁo,
É mal do coração
E com ele se endoidece.
O amor Ă© um sorriso
Sorriso que desfalece.

Madeixa que se desata
Denominam-no também.
O amor nĂŁo Ă© um bem:
Quem ama sempre padece.
O amor Ă© um perfume
Perfume que se esvaece.

DispersĂŁo

Perdi-me dentro de mim
Porque eu era labirinto,
E hoje, quando me sinto,
É com saudades de mim.

Passei pela minha vida
Um astro doido a sonhar.
Na ânsia de ultrapassar,
Nem dei pela minha vida…

Para mim Ă© sempre ontem,
NĂŁo tenho amanhĂŁ nem hoje:
O tempo que aos outros foge
Cai sobre mim feito ontem.

(O Domingo de Paris
Lembra-me o desaparecido
Que sentia comovido
Os Domingos de Paris:

Porque um domingo Ă© familia,
É bem-estar, é singeleza,
E os que olham a beleza
NĂŁo tĂŞm bem-estar nem familia).

O pobre moço das ânsias…
Tu, sim, tu eras alguém!
E foi por isso também
Que te abismaste nas ânsias.

A grande ave dourada
Bateu asas para os céus,
Mas fechou-as saciada
Ao ver que ganhava os céus.

Como se chora um amante,
Assim me choro a mim mesmo:
Eu fui amante inconstante
Que se traĂ­u a si mesmo.

Não sinto o espaço que encerro
Nem as linhas que projecto:
Se me olho a um espelho,

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Torniquete

A tĂ´mbola anda depressa,
Nem sei quando irá parar –
Aonde, pouco me importa;
O importante Ă© que pare…
– A minha vida nĂŁo cessa
De ser sempre a mesma porta
Eternamente a abanar…

Abriu-se agora o salĂŁo
Onde há gente a conversar.
Entrei sem hesitação –
Somente o que se vai dar?
A meio da reuniĂŁo,
Pela certa disparato,
Volvo a mim a todo o pano:

Ă€s cambalhotas desato,
E salto sobre o piano…
– Vai ser bonita a função!
Esfrangalho as partituras,
Quebro toda a caqueirada,
Arrebento Ă  gargalhada,
E fujo pelo saguĂŁo…

Meses depois, as gazetas
DarĂŁo crĂ­ticas completas,
Indecentes e patetas,
Da minha Ăşltima obra…
E eu – prĂ  cama outra vez,
Curtindo febre e revés,
Tocado de Estrela e Cobra…

Campainhada

As duas ou trĂŞs vezes que me abriram
A porta do salão onde está gente,
Eu entrei, triste de mim, contente –
E Ă  entrada sempre me sorriram…

16

Esta inconstancia de mim próprio em vibração
É que me ha de transpôr às zonas intermédias,
E seguirei entre cristais de inquietação,
A retinir, a ondular… Soltas as rĂ©deas,
Meus sonhos, leões de fogo e pasmo domados a tirar
A tĂ´rre d’ouro que era o carro da minh’Alma,
TransviarĂŁo pelo deserto, muribundos de Luar –
E eu sĂł me lembrarei num baloiçar de palma…
Nos oásis, depois, hão de se abismar gumes,
A atmosfera ha de ser outra, noutros planos:
As rĂŁs hĂŁo de coaxar-me em roucos tons humanos
Vomitando a minha carne que comeram entre estrumes…

*       *       *

Há sempre um grande Arco ao fundo dos meus olhos…
A cada passo a minha alma Ă© outra cruz,
E o meu coração gira: Ă© uma roda de cĂ´res…
NĂŁo sei aonde vou, nem vejo o que persigo…
Já nĂŁo Ă© o meu rastro o rastro d’oiro que ainda sigo…
Resvalo em pontes de gelatina e de bolĂ´res…
Hoje, a luz para mim Ă© sempre meia-luz…

. . . . . . . . . . .

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Distante Melodia

Num sonho d’Iris, morto a ouro e brasa,
Vem-me lembranças doutro Tempo azul
Que me oscilava entre vĂ©us de tule –
Um tempo esguio e leve, um tempo-Asa.

EntĂŁo os meus sentidos eram cĂ´res,
Nasciam num jardim as minhas ansias,
Havia na minh’alma Outras distancias –
Distancias que o segui-las era flĂ´res…

CaĂ­a Ouro se pensava Estrelas,
O luar batia sobre o meu alhear-me…
Noites-lagĂ´as, como Ă©reis belas
Sob terraços-liz de recordar-me!…

Idade acorde d’Inter sonho e Lua,
Onde as horas corriam sempre jade,
Onde a neblina era uma saudade,
E a luz – anseios de Princesa nua…

BalaĂşstres de som, arcos de Amar,
Pontes de brilho, ogivas de perfume…
Dominio inexprimivel d’Ă“pio e lume
Que nunca mais, em cĂ´r, hei de habitar…

TapĂŞtes doutras Persias mais Oriente…
Cortinados de Chinas mais marfim…
Aureos Templos de ritos de setim…
Fontes correndo sombra, mansamente…

ZimbĂłrios-panthĂ©ons de nostalgias…
Catedrais de ser-Eu por sobre o mar…
Escadas de honra, escadas sĂł, ao ar…
Novas Byzancios-alma, outras Turquias…

Lembranças fluidas…

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O Recreio

Na minha Alma há um balouço
Que está sempre a balouçar –
Balouço à beira dum poço,
Bem difĂ­cil de montar…

– E um menino de bibe
Sobre ele sempre a brincar…

Se a corda se parte um dia
(E já vai estando esgarçada),
Era uma vez a folia:
Morre a criança afogada…

– Cá por mim nĂŁo mudo a corda,
Seria grande estopada…

Se o indez morre, deixá-lo…
Mais vale morrer de bibe
Que de casaca… Deixá-lo
Balouçar-se enquanto vive…

– Mudar a corda era fácil…
Tal ideia nunca tive…