Poemas sobre Sentidos de Miguel Torga

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Poemas de sentidos de Miguel Torga. Leia este e outros poemas de Miguel Torga em Poetris.

Requiem por Mim

Aproxima-se o fim.
E tenho pena de acabar assim,
Em vez de natureza consumada,
RuĆ­na humana.
InvƔlido do corpo
E tolhido da alma.
Morto em todos os Ć³rgĆ£os e sentidos.
Longo foi o caminho e desmedidos
Os sonhos que nele tive.
Mas ninguƩm vive
Contra as leis do destino.
E o destino nĆ£o quis
Que eu me cumprisse como porfiei,
E caƭsse de pƩ, num desafio.
Rio feliz a ir de encontro ao mar
Desaguar,
E, em largo oceano, eternizar
O seu esplendor torrencial de rio.

Liberdade

ā€” Liberdade, que estais no cĆ©u…
Rezava o padre-nosso que sabia,
A pedir-te, humildemente,
O pio de cada dia.
Mas a tua bondade omnipotente
Nem me ouvia.

ā€” Liberdade, que estais na terra…
E a minha voz crescia
De emoĆ§Ć£o.
Mas um silĆŖncio triste sepultava
A fƩ que ressumava
Da oraĆ§Ć£o.

AtƩ que um dia, corajosamente,
Olhei noutro sentido, e pude, deslumbrado,
Saborear, enfim,
O pĆ£o da minha fome.
ā€” Liberdade, que estais em mim,
Santificado seja o vosso nome.

Identidade

Matei a lua e o luar difuso.
Quero os versos de ferro e de cimento.
E em vez de rimas, uso
As consonĆ¢ncias que hĆ” no sofrimento.

Universal e aberto, o meu instinto acode
A todo o coraĆ§Ć£o que se debate aflito.
E luta como sabe e como pode:
DĆ” beleza e sentido a cada grito.

Mas como as inscriƧƵes nas penedias
TĆŖm maior duraĆ§Ć£o,
Gasto as horas e os dias
A endurecer a forma da emoĆ§Ć£o.

Vendaval

Meu coraĆ§Ć£o quebrou.
Era um cedro perfeito;
Mas o vento da vida levantou,
E aquele prumo do cƩu caiu direito.

Nos bons tempos felizes
Em que ele batia, erguido,
Desde a rama Ć s raĆ­zes
Era seiva e sentido.

Agora jaz no chĆ£o.
Palpita ainda, e tem
Vida de coraĆ§Ć£o…
Mas nĆ£o ama ninguĆ©m.