Poemas sobre Vozes de Miguel Torga

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Poemas de vozes de Miguel Torga. Leia este e outros poemas de Miguel Torga em Poetris.

Orfeu Rebelde

Orfeu rebelde, canto como sou:
Canto como um possesso
Que na casca do tempo, a canivete,
Gravasse a fĂșria de cada momento;
Canto, a ver se o meu canto compromete
A eternidade do meu sofrimento.

Outros, felizes, sejam os rouxinĂłis…
Eu ergo a voz assim, num desafio:
Que o céu e a terra, pedras conjugadas
Do moinho cruel que me tritura,
Saibam que hĂĄ gritos como hĂĄ nortadas,
ViolĂȘncias famintas de ternura.

Bicho instintivo que adivinha a morte
No corpo dum poeta que a recusa,
Canto como quem usa
Os versos em legĂ­tima defesa.
Canto, sem perguntar Ă  Musa
Se o canto Ă© de terror ou de beleza.

Liberdade

— Liberdade, que estais no cĂ©u…
Rezava o padre-nosso que sabia,
A pedir-te, humildemente,
O pio de cada dia.
Mas a tua bondade omnipotente
Nem me ouvia.

— Liberdade, que estais na terra…
E a minha voz crescia
De emoção.
Mas um silĂȘncio triste sepultava
A fé que ressumava
Da oração.

Até que um dia, corajosamente,
Olhei noutro sentido, e pude, deslumbrado,
Saborear, enfim,
O pĂŁo da minha fome.
— Liberdade, que estais em mim,
Santificado seja o vosso nome.

SĂșplica

Agora que o silĂȘncio Ă© um mar sem ondas,
E que nele posso navegar sem rumo,
NĂŁo respondas
Às urgentes perguntas
Que te fiz.
Deixa-me ser feliz
Assim,
JĂĄ tĂŁo longe de ti, como de mim.

Perde-se a vida, a desejĂĄ-la tanto.
SĂł soubemos sofrer, enquanto
O nosso amor
Durou.
Mas o tempo passou,
HĂĄ calmaria…
NĂŁo perturbes a paz que me foi dada.
Ouvir de novo a tua voz, seria
Matar a sede com ĂĄgua salgada.