Sonetos sobre Abandono de Augusto dos Anjos

3 resultados
Sonetos de abandono de Augusto dos Anjos. Leia este e outros sonetos de Augusto dos Anjos em Poetris.

O Lamento Das Coisas

Triste, a escutar, pancada por pancada,
A sucessividade dos segundos,
Ouço, em sons subterrùneos, do Orbe oriundos,
O choro da Energia abandonada!

É a dor da Força desaproveitada
– O cantochĂŁo dos dĂ­namos profundos,
Que, podendo mover milhÔes de mundos,
jazem ainda na estĂĄtica do Nada!

É o soluço da forma ainda imprecisa…
Da transcendĂȘncia que se nĂŁo realiza…
Da luz que nĂŁo chegou a ser lampejo…

E Ă© em suma, o subconsciente ai formidando
Da Natureza que parou, chorando,
No rudimentarismo do Desejo!

O Último NĂșmero

Hora da minha morte. Hirta, ao meu lado,
A idĂ©ia estertorava-se… No fundo
Do meu entendimento moribundo
jazia o Ășltimo nĂșmero cansado.

Era de vĂȘ-lo, imĂłvel, resignado,
Tragicamente de si mesmo oriundo,
Fora da sucessĂŁo, estranho ao mundo,
Com o reflexo fĂșnebre do Increado:

Bradei: – Que fazes ainda no meu crĂąnio?
E o Ășltimo nĂșmero, atro e subterrĂąneo,
Parecia dizer-me: “É tarde, amigo!

Pois que a minha ontogĂȘnica Grandeza
Nunca vibrou em tua lĂ­ngua presa,
NĂŁo te abandono mais! Morro contigo!”

Ariana

Ela Ă© o tipo perfeito da ariana,
Branca, nevada, pĂșbere, mimosa,
A carne exuberante e capitosa
Trescala a essĂȘncia que de si dimana.

As nĂ­veas pomas do candor da rosa,
Rendilhando-lhe o colo de sultana,
Emergem da camisa cetinosa
Entre as rendas sutis de filigrana.

Dorme talvez. Em flĂĄcido abandono
Lembra formosa no seu casto sono
A languidez dormente da indiana,

Enquanto o amante pĂĄlido, a seu lado
Medita, a fronte triste, o olhar velado
No Mistério da Carne Soberana