Poema Final
Ó cores virtuais que jazeis subterrâneas,
_ Fulgurações azuis, vermelhos de hemoptise,
Represados clarões, cromáticas vesânias,
No limbo onde esperais a luz que vos batize,As pálpebras cerrai, ansiosas não veleis.
Abortos que pendeis as frontes cor de cidra,
Tão graves de cismar, nos bocais dos museus,
E escutando o correr da água na clepsidra,Vagamente sorris, resignados e ateus,
Cessai de cogitar, o abismo não sondeis.
Gemebundo arrulhar dos sonhos não sonhados,Que toda a noite errais, doces almas penando,
E as asas lacerais na aresta dos telhados,
E no vento expirais em um queixume brando,
Adormecei. Não suspireis. Não respireis.
Sonetos sobre Aborto
4 resultadosDemônios
A língua vil, ignívoma, purpúrea
Dos pecados mortais bava e braveja,
Com os seres impoluídos mercadeja,
Mordendo-os fundo injúria por injúria.É um grito infernal de atroz luxúria,
Dor de danados, dor do Caos que almeja
A toda alma serena que viceja,
Só fúria, fúria, fúria, fúria, fúria!São pecados mortais feitos hirsutos
Demônios maus que os venenosos frutos
Morderam com volúpia de quem ama…Vermes da Inveja, a lesma verde e oleosa,
Anões da Dor torcida e cancerosa,
Abortos de almas a sangrar na lama!
Revelação
II
Treva e fulguração; sânie e perfume;
Massa palpável e éter; desconforto
E ataraxia feto vivo e aborto. ..
– Tudo a unidade do meu ser resume!Sou eu que, ateando da alma o occíduo lume,
Apreendo, em cisma abismadora absorto,
A potencialidade do que é morto
E a eficácia prolífica do estrume!Ah! Sou eu que, transpondo a escarpa
Dos limites orgânicos estreitos,
Dentro nos quais recalco em vão minha ânsia,Sinto bater na putrescível crusta
Do tegumento que me cobre os peitos
Toda a imortalidade da Substância!
Palavras d’um Certo Morto
Há mil anos, e mais, que aqui estou morto,
Posto sobre um rochedo, à chuva e ao vento:
Não há como eu espectro macilento,
Nem mais disforme que eu nenhum aborto…Só o espírito vive: vela absorto
N’um fixo, inexorável pensamento:
«Morto, enterrado em vida!» o meu tormento
É isto só… do resto não me importo…Que vivi sei-o eu bem… mas foi um dia,
Um dia só — no outro, a Idolatria
Deu-me um altar e um culto… ai! adoraram-me.Como se eu fosse alguém! como se a Vida
Podesse ser alguém! — logo em seguida
Disseram que era um Deus… e amortalharam-me!