Sonetos sobre Aborto

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Sonetos de aborto escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Poema Final

Ó cores virtuais que jazeis subterrâneas,
_ Fulgurações azuis, vermelhos de hemoptise,
Represados clarões, cromáticas vesânias,
No limbo onde esperais a luz que vos batize,

As pálpebras cerrai, ansiosas não veleis.
Abortos que pendeis as frontes cor de cidra,
TĂŁo graves de cismar, nos bocais dos museus,
E escutando o correr da água na clepsidra,

Vagamente sorris, resignados e ateus,
Cessai de cogitar, o abismo nĂŁo sondeis.
Gemebundo arrulhar dos sonhos nĂŁo sonhados,

Que toda a noite errais, doces almas penando,
E as asas lacerais na aresta dos telhados,
E no vento expirais em um queixume brando,
Adormecei. NĂŁo suspireis. NĂŁo respireis.

DemĂ´nios

A lĂ­ngua vil, ignĂ­voma, purpĂşrea
Dos pecados mortais bava e braveja,
Com os seres impoluĂ­dos mercadeja,
Mordendo-os fundo injĂşria por injĂşria.

É um grito infernal de atroz luxúria,
Dor de danados, dor do Caos que almeja
A toda alma serena que viceja,
SĂł fĂşria, fĂşria, fĂşria, fĂşria, fĂşria!

SĂŁo pecados mortais feitos hirsutos
DemĂ´nios maus que os venenosos frutos
Morderam com volĂşpia de quem ama…

Vermes da Inveja, a lesma verde e oleosa,
Anões da Dor torcida e cancerosa,
Abortos de almas a sangrar na lama!

Revelação

II

Treva e fulguração; sânie e perfume;
Massa palpável e éter; desconforto
E ataraxia feto vivo e aborto. ..
– Tudo a unidade do meu ser resume!

Sou eu que, ateando da alma o occĂ­duo lume,
Apreendo, em cisma abismadora absorto,
A potencialidade do que Ă© morto
E a eficácia prolífica do estrume!

Ah! Sou eu que, transpondo a escarpa
Dos limites orgânicos estreitos,
Dentro nos quais recalco em vão minha ânsia,

Sinto bater na putrescĂ­vel crusta
Do tegumento que me cobre os peitos
Toda a imortalidade da Substância!

Palavras d’um Certo Morto

Há mil anos, e mais, que aqui estou morto,
Posto sobre um rochedo, Ă  chuva e ao vento:
Não há como eu espectro macilento,
Nem mais disforme que eu nenhum aborto…

SĂł o espĂ­rito vive: vela absorto
N’um fixo, inexorável pensamento:
«Morto, enterrado em vida!» o meu tormento
É isto sĂł… do resto nĂŁo me importo…

Que vivi sei-o eu bem… mas foi um dia,
Um dia só — no outro, a Idolatria
Deu-me um altar e um culto… ai! adoraram-me.

Como se eu fosse alguém! como se a Vida
Podesse ser alguém! — logo em seguida
Disseram que era um Deus… e amortalharam-me!