Sonetos sobre Alma de J. G. de Araújo Jorge

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Sonetos de alma de J. G. de Araújo Jorge. Leia este e outros sonetos de J. G. de Araújo Jorge em Poetris.

Pensando Nela

Neste instante em que escrevo, estou pensando nela,
longe de mim, no entanto, em que estará pensando ?
– quem sabe se a sonhar, debruçada à janela
recorda nosso amor, a sorrir, vez em quando…

Ou terá tal como eu, esse ar de alguém que vela
um sonho que estivesse em nosso olhar flutuando ?
Ou quem sabe se dorme, e adormecida e bela
o luar lhe vai beijar os lábios, suave e brando…

Invejaria o luar… É tarde, estou sozinho,
ela dorme talvez, e não sabe que ao lado
do seu leito, a minha alma ronda de mansinho…

Nem vê meu pensamento entrar pela janela
e ir na ponta dos pés murmurar ajoelhado
este verso de amor que fiz, pensando nela!

Depois

Há de ser desta vez… Dir-lhe-ei contente
todo este amor que no meu Ser se abriga,
e tomando-lhe as mãos bem docemente
relembrarei a nossa infância antiga…

E a dúvida que guardo e que a alma sente
hei de acabar dizendo:”minha amiga,
quero ouvi-la afinal sinceramente
sem recear ferir com o que me diga…”

Penso assim… E no entanto, quantas vezes
tenho-a encontrado, e inutilmente os meses
e os anos vão passando entre nós dois…

Basta vê-la… e em minha alma acovardada,
– já não sei nada, nem me lembro nada
e deixo tudo pra dizer depois!

Piano De Bairro

Na rua sossegada onde moro, – à tardinha,
quando em sombras o céu lentamente escure,
– um piano solitário, em surdina, – parece
acompanhar ao longe a tarde que definha…

Nessa hora, em que de manso a noite se avizinha,
seus acordes pelo ar tem murmúrios de prece…
– Ah! Quem não traz como eu também, na alma sozinha,
um piano evocativo que nos entristece?

Há sempre um velho piano de bairro, esquecido
na memória da gente, – e que nas tardes mansas
sonoriza visões de outrora ao nosso ouvido.

Seus monótonos sons, seus estudos sem cor,
repetem no teclado branco das lembranças
o inconcluso prelúdio de um longínquo amor!

A Luz

Ela veio…( E a minha alma tinha a porta
aberta, e ela entrou…Casa vazia
e estranha, esta que em plena luz do dia
lembrava a tumba de uma noite morta…)

Que ela havia chegado, eu nem sabia…
Mas, pouco a pouco, e a data não importa,
minha alma, por encanto, se conforta,
e há risos pela casa…E há alegria…

Quem abrira as janelas? Quem levara
o fantasma da dor sempre ao meu lado?
Os antigos retratos, quem rasgara?

E acabei por fazer a descoberta:
– ela espantara as sombras do passado
e a luz entrara pela porta aberta!

Soneto À Tua Volta

Voltaste, meu amor… enfim voltaste!
Como fez frio aqui sem teu carinho….
A flor de outrora refloresce na haste
que pendia sem vida em meu caminho.

Obrigado… Eu vivia tão sozinho…
Que infinita alegria, e que contraste!
-Volta a antiga embriaguez porque voltaste
e é doce o amor, porque é mais velho o vinho!

Voltaste… E dou-te logo este poema
simples e humilde repetindo um tema
da alma humana esgotada e envelhecida…

Mil poetas outras voltas celebraram,
mas, que importa? se tantas já voltaram
só tu voltaste para a minha vida…

Caminheiro

Eu ando pela vida à procura de alguém
que saiba compreender minha alma incompreendida,
alguém que queira dar-me a sua própria vida
como eu lhe dar pretendo o meu viver também…

Caminheiro do ideal – seguindo para o além
vou traçando uma rota estranha e indefinida,
– não sei se em minha estrada hei de encontrar guarida,
ou se eterno hei de andar, sem rumo e sem ninguém.. .

Já me sinto cansado… E em vão ainda caminho
na ilusão de encontrar um dia a companheira
que me ajude na vida a construir meu ninho…

Boemia do destino!… Hei de andar… hei de andar…
até que esta minha alma errante e aventureira
descanse numa cruz cansada de sonhar!…

Amo!

Amo a terra! Amo o sol! Amo o céu! Amo o mar!
Amo a vida! Amo a luz! Amo as árvores! Amo
a poesia que escrevo e entusiasta declamo
aos que sentem como eu a alegria de amar!

Amo a noite! Amo a antiga palidez do luar!
A flor presa aos cabelos soltos de algum ramo!
Uma folha que cai! Um perfume no ar
onde um desejo extinto sem querer inflamo!

Amo os rios! E a estranha solidão em festa,
dessa alma que possuo multiforme e inquieta
como a alma multiforme e inquieta da floresta!

Amo a cor que há nos sons! Amo os sons que há na cor!
E em mim mesmo – amo a glória de sentir-me um Poeta
e amar imensamente o meu imenso amor!.

Colegial

Gosto de vê-la, assim… Quando à tarde ela vem
fisionomia suave, ingenuamente franca…
Toda a rua se alegra, e eu me alegro também
com o seu vulto feliz: saia azul, blusa branca…

Quantos nadas de sonho o seu olhar contém!
A luz viva do olhar ninguém talvez lhe arranca.
– Gosto de ve-la, sim… E ficam-lhe tão bem
aquela saia azul, e aquela blusa branca…

Azul: – azul é a cor da vida que ela sonha!
E branca: – branca é a cor da sua alma de criança
onde ela própria se olha irrequieta e risonha

Feliz… Não tem presente e ainda nem tem passado…
Só o futuro, – e o futuro é uma imensa esperança
um mundo que ainda fica oculto do outro lado!

Sorrio

Ah! vieste me falar de antigamente
desse tempo em que fui sentimental,
quando o amor era um sonho puro e ardente
vestido em véu de espumas, nupcial…

Quando me dava, perdulariamente,
vivendo o mal sem conhecer o mal,
a levar a alma inquieta de quem sente
e de quem busca uma conquista ideal…

Era sestro da idade essa existência…
Sinal de pouca vida e muito sonho,
de muito sonho… e pouca experiência…

Hoje, no entanto, se a pensar me ponho:
– sorrio… Um vão sorriso de indulgência…
…Sinal de muita vida… e pouco sonho…

É Assim A Vida

Poderias ter sido tudo em minha vida
se ao menos tu tivesses desejado ser…
Dei-te a minha emoção mais profunda e sentida
e o mais profundo amor que concebeu meu Ser!

Por esse amor que em vão tentei te oferecer
eu fui poeta, eu fui criança… e tive a alma iludida!
Traí meu ceticismo, e sonhei… e quis crer…
– hoje… volto ao que fui, – a crença perdida…

Poderias ter sido tudo em meu destino:
– o meu lar, o meu filho, o meu rumo, o meu hino,
o meu próprio futuro… a obra que ainda não fiz…

Tudo terias sido… E não quiseste nada…
No entanto, ( a vida é assim), – sei de uma outra, coitada,
que se um olhar dou… é a mulher mais feliz!

Classicismo

Longínquo descendente dos helenos
pelo espírito claro, a alma panteísta,
– amo a beleza esplêndida de Vênus
com uma alegria singular de artista!

Amo a aventura e o belo, amo a conquista!
Nem receio os traidores e os venenos…
– Trago na alma engastada uma ametista,
– meus olhos de esmeraldas são serenos!

Com os pés na terra tenho o olhar no céu;
a alma, pura e irrequieta como as linfas
soltas no chão; nos lábios, tenho mel…

Meu culto é a liberdade e a vida sã.
E ainda hoje sigo e persigo as ninfas
com a minha flauta mágica de Pã!

Esquecimento

Mais tarde em tua vida, um dia, hás de tentar
revolver da memória este tempo de agora…
– Mas o mundo é uma praia, onde as ondas do mar
apagam quase sempre as lembranças de outrora…

Hás de em vão, ao teu Deus, esse Dom suplicar
sem conseguires nunca o que a tua alma implora…
– É que a vida é uma fonte, a correr sem parar
e a seguir, sem voltar, por este mundo afora…

Não se vive outra vez… O que chamas presente,
há de ser, amanhã, um romance apagado
que em vão procurarás reler, inutilmente…

O tempo tudo vence… Tudo ele consome…
E se um dia, talvez, lembrares teu passado
não mais hás de sequer reconhecer meu nome!…

Gata Angorá

Sobre a almofada rica e em veludo estofada
caprichosa e indolente como uma odalisca
ela estira seu corpo de pelúcia, – e risca
um estranho bordado ao centro da almofada…

Mal eu chego, ela vem… ( nunca a encontrei arisca)
-sempre essa ar de amorosa; a cauda abandonada
como uma pluma solta, pelo chão deixada,
e o olhar, feito uma brasa acesa que faísca!

Mal eu chego, ela vem… lânguida, preguiçosa,
roçar pelos meus pés a pelúcia prata,
como a implorar carícias, tímida e medrosa…

E tem tal expressão, e um tal jeito qualquer,
– que às vezes, chego mesmo a pensar que essa gata
traz no corpo escondida uma alma de mulher!

Caminho Monótono

E por que hei de negar?…Ah! o encanto da estrada
abrindo em cada curva um leque de paisagem,
e o mistério da casa escondida e encantada
que mora sob a sombra amiga da folhagem

E por que hei de negar? Se isso é a vida passada;
se o fastio espantou o encanto da miragem
Hoje – o olhar distraído, e a alma já cansada
repetem todo dia e sempre a mesma viagem

E por que hei de negar? Ah! Aquelas ânsias loucas
dos beijos que cantavam sempre em nossas bocas
e das mãos, não sabendo nunca onde pousar…

Hoje… por mais que venhas, sempre estou sozinho…
E por que hei de negar? Se teu corpo é um caminho
onde de olhos fechados posso caminhar?…

Bom O tempo Que Ficou

Bom o tempo que ficou, – amei-te na alegria
de uma tarde azulada e linda de Setembro,
– disso tudo hoje triste eu muita vez me lembro
enquanto uma saudade o peito crucia…

Amei-te, como nunca outro alguém te amaria,
eras o meu sonhar de Janeiro à Dezembro…
Depois… Tu me deixas-te, e ainda hoje se relembro,
Amargo a mesma dor cruel daquele dia…

Agora sem viver, – sou um corpo sem alma,-
conformo-me com tudo, e vou chegando ao fim
– como a tarde que cai bem suavemente em calma.

Já não sinto… não sofro… já nem vivo até.
– Se a vida ainda era vida ao ter-te junto à mim
hoje, longe de ti, – nem vida ao menos é!

Sensual

Ainda sinto o teu corpo ao meu corpo colado;
nos lábios, a volúpia ardente do teu beijo;
no quarto a solidão, desnuda, ainda te vejo,
a olhar-me com olhar nervoso e apaixonado…

Partiste!… Mas no peito ainda sinto a ânsia e o latejo
daquele último abraço inquieto e demorado…
– Na quentura do espaço a transpirar pecado,
Ainda baila a figura estranha do desejo…

Não posso mais viver sem ter-te nos meus braços!
– Quando longe tu estás, minha alma se alvoroça
julgando ouvir no quarto o ruído dos teus passos…

Na lembrança revejo os momentos felizes,
e chego a acredita que a minha carne moça
na tua carne moça até criou raízes!…

Canto Efêmero

Feliz no mundo eu só!… Ninguém mais é feliz!
Ninguém mais é feliz!… Eu só, sorrio e canto!
Enfim o teu amor!… Quanta coisa! Quem diz,
– quem poderia crer que eu merecesse tanto!

Esplendor! a paisagem mudou por encanto!
No negro da minha alma há rabiscos de giz
traçando ante meus olhos trêmulos de espanto.
-“Feliz no mundo, eu só!… Ninguém mais é feliz!”

Certo do teu amor, tudo ao redor se anima,
em ouro se transforma a fuligem do pó
e a minha alma, a beleza das coisas sublima!

Enfim o teu amor!… E o teu amor primeiro!
Meu Deus! eu sou feliz!… Feliz no mundo eu só!
Ninguém mais é feliz, ninguém!… no mundo inteiro!

Dualidade

Sei que é Amor, meu amor…porque o desejo
o meu próprio desejo tão violento,
dir-se-ia ter pudor, ter sentimento,
quando estás junto a mim, quando te vejo.

É um clarim a vibrar como um harpejo,
misto de impulso e de deslumbramento.
Sei que é Amor, meu amor…porque o desejo
é desejo e ternura a um só momento.

Beijo-te a boca, as mãos, e hei de beijar-te
nessa dupla emoção, (violento e terno)
em que a minha alma inteira se reparte,

– e a perceber em meu estranho ardor,
que há uma luta entre o efêmero e o eterno,
entre um demônio e um anjo em todo Amor!

Romantismo

Quisera repousar desta vida de agora,
e esquecer no silêncio a dor que me lacera…
– não posso ter em mim o ardor da primavera,
– na casa de meu peito uma saudade chora…

E há sempre uma lembrança a recordar de outrora
que me faz sonhador… E há sempre uma quimera,
que ainda vive em minha alma à semelhança da hera
pregada sobre o muro em ruínas que a vigora…

Quisera me afastar do mundo, e a alma selvagem
repousar bem distante à beira de um remanso
entre o beijo do vento e o choro da folhagem…

E esperar sem ninguém o prosseguir da vida…
Depois… chegando a morte, em preito ao meu descanso
deixar a minha cruz na solidão perdida!…

Milagre De Amor

Que mimporta, meu amor, a poesia que tanto
te preocupa porque a fiz antes de ti ?
Hoje… para não ver os teus olhos em pranto
por Deus que eu rasgaria os versos que escrevi…

Hoje, já não são meus… Como que por encanto
estes poemas que fiz, que sonhei, que vivi,
são estranhos que seguem cantando o meu canto
a falarem de um velho mundo, que esqueci…

De repente a mudança é tão grande, é tamanha,
que o passado se esvai numa sombra perdida,
e a minha própria voz soa falsa e estranha…

Óh Milagre de Amor… ( Que por louco me tomem!)
Mas sinto uma alma nova em mim… tenho oura vida!!
E um novo coração no peito… e sou outro homem!