Sonetos sobre Amargos de Cruz e Souza

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Sonetos de amargos de Cruz e Souza. Leia este e outros sonetos de Cruz e Souza em Poetris.

Exilada

Bela viajante dos paĂ­ses frios
NĂŁo te seduzam nunca estes aspectos
Destas paisagens tropicais — secretos,
— Os teus receios devem ser sombrios.

És branca e Ă©s loura e tens os amavios
Os incĂłgnitos filtros prediletos
Que podem produzir ondas de afetos
Nos mais sensíveis coraçÔes doentios.

Loura Visão, Ofélia desmaiada,
Deixa esta febre de ouro, a febre ansiada
Que nos venenos deste sol consiste.

Emigra destes cĂĄlidos paĂ­ses,
Foge de amargas, fundas cicatrizes,
Das alucinaçÔes de um vinho triste…

VisĂŁo

Noiva de SatanĂĄs, Arte maldita,
Mago Fruto letal e proibido,
Sonùmbula do Além, do Indefinido
Das profundas paixÔes, Dor infinita.

Astro sombrio, luz amarga e aflita,
Das IlusÔes tantålico gemido,
Virgem da Noite, do luar dorido,
Com toda a tua Dor oh! sĂȘ bendita!

Seja bendito esse clarĂŁo eterno
De sol, de sangue, de veneno e inferno,
De guerra e amor e ocasos de saudade…

Sejam benditas, imortalizadas
As almas castamente amortalhadas
Na tua estranha e branca Majestade!

Flores Da Lua

Brancuras imortais da Lua Nova
Frios de nostalgia e sonolĂȘncia…
Sonhos brancos da Lua e viva essĂȘncia
Dos fantasmas noctĂ­vagos da Cova.

Da noite a tarda e taciturna trova
Soluça, numa tremula dormĂȘncia…
Na mais branda, mais leve florescĂȘncia
Tudo em VisÔes e Imagens se renova.

Mistérios virginais dormem no Espaço,
Dormem o sono das profundas seivas,
MonĂłtono, infinito, estranho e lasso…

E das Origens na luxĂșria forte
Abrem nos astros, nas sidéreas leivas
Flores amargas do palor da Morte.

MĂșsica Da Morte

A musica da Morte, a nebulosa,
Estranha, imensa musica sombria,
Passa a tremer pela minh’alma e fria
Gela, fica a tremer, maravilhosa…

Onda nervosa e atroz, onda nervosa,
Letes sinistro e torvo da agonia,
Recresce a lancinante sinfonia,
Sobe, numa volĂșpia dolorosa…

Sobe, recresce, tumultuando e amarga,
Tremenda, absurda, imponderada e larga,
De pavores e trevas alucina…

E alucinando e em trevas delirando,
Como um Ópio letal, vertiginando,
Os meus nervos, letĂĄrgica, fascina…

O Grande Sonho

Sonho profundo, Ăł Sonho doloroso,
Doloroso e profundo Sentimento!
Vai, vai nas harpas trĂȘmula do vento
Chorar o teu mistério tenebroso.

Sobe dos astros ao clarĂŁo radioso,
Aos leves fluidos do luar nevoento,
Às urnas de cristal do firmamento,
Ó velho Sonho amargo e majestoso!

Sobe Ă s estrelas rĂștilas e frias,
Brancas e virginais eucaristias
De onde uma luz de eterna paz escorre.

Nessa Amplidão das AmplidÔes austeras
Chora o Sonho profundo das Esferas
Que nas azuis Melancolias morre…

Ocasos

Morrem no Azul saudades infinitas
MistĂ©rios e segredos inefĂĄveis…
Ah! Vagas ilusÔes imponderåveis,
Esperanças acerbas e benditas.

Ânsias das horas místicas e aflitas,
De horas amargas das interminĂĄveis
CogitaçÔes e agruras insondåveis
De febres tredas, trĂĄgicas, malditas.

CogitaçÔes de horas de assombro e espanto
Quando das almas num relevo santo
Fulgem de outrora os sonhos apagados.

E os bracos brancos e tentaculosos
Da Morte, frios, ĂĄlgidos, nervosos,
Abrem-se pare mim torporizados.

Piedade

O coração de todo o ser humano
Foi concebido para ter piedade,
Para olhar e sentir com caridade
Ficar mais doce o eterno desengano.

Para da vida em cada rude oceano
Arrojar, através da imensidade,
Tåbuas de salvação, de suavidade,
De consolo e de afeto soberano.

Sim! Que não ter um coração profundo
É os olhos fechar à dor do mundo,
ficar inĂștil nos amargos trilhos.

É como se o meu ser campadecido
Não tivesse um soluço comovido
Para sentir e para amar meus filhos!

LĂ©sbia

CrĂłton selvagem, tinhorĂŁo lascivo,
Planta mortal, carnĂ­vora, sangrenta,
Da tua carne bĂĄquica rebenta
A vermelha explosĂŁo de um sangue vivo.

Nesse lĂĄbio mordente e convulsivo,
Ri, ri risadas de expressĂŁo violenta
O Amor, trĂĄgico e triste, e passe, lenta,
A morte, o espasmo gĂ©lido, aflitivo…

LĂ©sbia nervosa, fascinante e doente,
Cruel e demonĂ­aca serpente
Das flamejantes atracÔes do gozo.

Dos teus seios acĂ­dulos, amargos,
Fluem capros aromas e os letargos,
Os Ăłpios de um luar tuberculoso…

Beleza Morta

De leve, louro e enlanguescido helianto
Tens a flĂłrea dolĂȘncia contristada…
HĂĄ no teu riso amargo um certo encanto
De antiga formosura destronada.

No corpo, de um letĂĄrgico quebranto,
Corpo de essĂȘncia fina, delicada,
Sente-se ainda o harmonioso canto
Da carne virginal, clara e rosada.

Sente-se o canto errante, as harmonias
Quase apagadas, vagas, fugidias
E uns restos de clarĂŁo de Estrela acesa…

Como que ainda os derradeiros haustos
De opulĂȘncias, de pompas e de faustos,
As relĂ­quias saudosas da beleza.

Consolo Amargo

Mortos e mortos, tudo vai passando,
Tudo pelos abismos se sumindo…
Enquanto sobre a Terra ficam rindo
Uns, e jĂĄ outros, pĂĄlidos, chorando…

Todos vĂŁo trĂȘmulos finalizando,
Para os gelados tĂșmulos partindo,
Descendo ao tremedal eterno, infindo,
Mortos e mortos, num sinistro bando.

Tudo passa espectral e doloroso,
Pulverulentamente nebuloso
Como num sonho, num fatal letargo…

Mas, de quem chora os mortos, entretanto,
O Esquecimento vem e enxuga o pranto,
E Ă© esse apenas o consolo amargo!