Sonetos sobre Profundos de Cruz e Souza

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Sonetos de profundos de Cruz e Souza. Leia este e outros sonetos de Cruz e Souza em Poetris.

EspĂ­rito Imortal

EspĂ­rito imortal que me fecundas
Com a chama dos viris entusiasmos,
Que transformas em gládios os sarcasmos
Para punir as multidões profundas!

Ă“ alma que transbordas, que me inundas
De brilhos, de ecos, de emoções, de pasmos
E fazes acordar de atros marasmos
Minh’alma, em tĂ©dios por charnecas fundas.

Força genial e sacrossanta e augusta,
Divino Alerta para o Esquecimento,
Voz companheira, carinhosa e justa.

Tens minha MĂŁo, num doce movimento,
Sobre essa Mão angélica e robusta,
EspĂ­rito imortal do Sentimento!

Os Mortos

Ao menos junto dos mortos pode a gente
Crer e esperar n’alguma suavidade:
Crer no doce consolo da saudade
E esperar do descanso eternamente.

Junto aos mortos, por certo, a fé ardente
NĂŁo perde a sua viva claridade;
Cantam as aves do céu na intimidade
Do coração o mais indiferente.

Os mortos dĂŁo-nos paz imensa Ă  vida,
Dão a lembrança vaga, indefinida
Dos seus feitos gentis, nobres, altivos.

Nas lutas vĂŁs do tenebroso mundo
Os mortos sĂŁo ainda o bem profundo
Que nos faz esquecer o horror dos vivos.

VĂŁo-Se De Todo Os Pardacentos Nimbos

VĂŁo-se de todo os pardacentos nimbos…
Chovem da luz as nĂ­tidas faĂ­scas
E no esplendor de irradiações mouriscas,
Abrem-se as flores em gentis corimbos.

Muito mais lestas do que amigos fimbos,
Do Azul cortando as bordaduras priscas,
Pombas do mato esvoaçando, ariscas,
Do céu se perdem nos profundos limbos.

A natureza pulsa como a forja…
Pássaros vibram no clarim da gorja,
As retumbantes, fortes clarinadas.

A grande artĂ©ria dos assombros pula…
E do oxigênio, a força que regula
Enche os pulmões a largas baforadas.

Soneto

A Moreira de Vasconcelos

Na luta dos impossĂ­veis,
do espirito e da matéria,
tu és a águia sidérea
dos pensamentos terrĂ­veis!
(Do Autor)

É um pensar flamejador, dardânico
Uma explosão de rápidas idéias,
Que como um mar de estranhas odisséias
Saem-lhe do crânio escultural, titânico!…

Parece haver um cataclismo enorme
Lá dentro, em ânsia, a rebentar, fremente!…
Parece haver a convulsĂŁo potente,
Dos rubros astros num fragor disforme!…

HĂŁo de ruir na transfusĂŁo dos mundos
Os monumentos colossais profundos,
As cousas vĂŁs da brasileira histĂłria!

Mas o seu vulto, sobre a luz alçado,
Oh! há de erguer-se de arrebĂłis c’roado,
Como Atalaia nos umbrais da glĂłria!!…

VisĂŁo

Noiva de Satanás, Arte maldita,
Mago Fruto letal e proibido,
Sonâmbula do Além, do Indefinido
Das profundas paixões, Dor infinita.

Astro sombrio, luz amarga e aflita,
Das Ilusões tantálico gemido,
Virgem da Noite, do luar dorido,
Com toda a tua Dor oh! sĂŞ bendita!

Seja bendito esse clarĂŁo eterno
De sol, de sangue, de veneno e inferno,
De guerra e amor e ocasos de saudade…

Sejam benditas, imortalizadas
As almas castamente amortalhadas
Na tua estranha e branca Majestade!

Cavador Do Infinito

Com a lâmpada do Sonho desce aflito
E sobe aos mundos mais imponderáveis,
Vai abafando as queixas implacáveis,
Da alma o profundo e soluçado grito.

Ă‚nsias, Desejos, tudo a fogo, escrito
Sente, em redor, nos astros inefáveis.
Cava nas fundas eras insondáveis
O cavador do trágico Infinito.

E quanto mais pelo Infinito cava
mais o Infinito se transforma em lava
E o cavador se perde nas distâncias…

Alto levanta a lâmpada do Sonho.
E como seu vulto pálido e tristonho
Cava os abismos das eternas ânsias!

Fruto Envelhecido

Do coração no envelhecido fruto
É só desolação e é só tortura.
O frio soluçante da amargura
Envolve o coração num fundo luto.

O fantasma da Dor pérfido e astuto
Caminha junto a toda a criatura.
A alma por mais feliz e por mais pura
Tem de sofrer o esmagamento bruto.

É preciso humildade, é necessário
Fazer do coração branco sacrário
E a hĂłstia elevar do Sentimento eterno.

Em tudo derramar o amor profundo,
Derramar o perdĂŁo no caos do mundo,
Sorrir ao céu e bendizer o Inferno!

Spleen De Deuses

Oh! Dá-me o teu sinistro Inferno
Dos desesperos tétricos, violentos,
Onde rugem e bramem como os ventos
Anátemas da Dor, no fogo eterno…

Dá-me o teu fascinante, o teu falerno
Dos falernos das lágrimas sangrentos
Vinhos profundos, venenosos, lentos
Matando o gozo nesse horror do Averno.

Assim o Deus dos Páramos clamava
Ao DemĂ´nio soturno, e o rebelado,
CapricĂłrnio SatĂŁ, ao Deus bradava.

Se és Deus-e já de mim tens triunfado,
Para lavar o Mal do Inferno e a bava
Dá-me o tĂ©dio senil do cĂ©u fechado…

Flores Da Lua

Brancuras imortais da Lua Nova
Frios de nostalgia e sonolĂŞncia…
Sonhos brancos da Lua e viva essĂŞncia
Dos fantasmas noctĂ­vagos da Cova.

Da noite a tarda e taciturna trova
Soluça, numa tremula dormĂŞncia…
Na mais branda, mais leve florescĂŞncia
Tudo em Visões e Imagens se renova.

Mistérios virginais dormem no Espaço,
Dormem o sono das profundas seivas,
MonĂłtono, infinito, estranho e lasso…

E das Origens na luxĂşria forte
Abrem nos astros, nas sidéreas leivas
Flores amargas do palor da Morte.

Clamando

Bárbaros vãos, dementes e terríveis
Bonzos tremendos de ferrenho aspeto,
Ah! deste ser todo o clarĂŁo secreto
Jamais pĂ´de inflamar-vos, ImpassĂ­veis!

Tantas guerras bizarras e incoercĂ­veis
No tempo e tanto, tanto imenso afeto,
SĂŁo para vĂłs menos que um verme e inseto
Na corrente vital pouco sensĂ­veis.

No entanto nessas guerras mais bizarras
De sol, clarins e rĂştilas fanfarras,
Nessas radiantes e profundas guerras…

As minhas carnes se dilaceraram
E vão, das Ilusões que flamejaram,
Com o prĂłprio sangue fecundando as terras…

ĂŠxtase BĂşdico

Abre-me os braços, Solidão profunda,
Reverência do céu, solenidade
Dos astros, tenebrosa majestade,
Ó planetária comunhão fecunda!

Ă“leo da noite, sacrossanto, inunda
Todo o meu ser, dá-me essa castidade,
As azuis florescĂŞncias da saudade,
Graça das graças imortais oriunda!

As estrelas cativas no teu seio
DĂŁo-me um tocante e fugitivo enleio,
Embalam-me na luz consoladora!

Abre-me os braços, Solidão radiante,
Funda, fenomenal e soluçante,
Larga e bĂşdica Noite Redentora!

Alma Mater

Alma da Dor, do Amor e da Bondade,
Alma purificada no Infinito,
PerdĂŁo santo de tudo o que Ă© maldito,
Harpa consoladora da Saudade!

Das estrelas serena virgindade,
Alma sem um soluço e sem um grito,
Da alta Resignação, da alta Piedade!
Tu, que as profundas lágrimas estancas

E sabes levantar Imagens brancas
No silencio e na sombra mais velada…

Derrama os lĂ­rios, os teus lĂ­rios castos,
Em Jordões imortais, vastos e vastos,
No fundo da minh’alma lacerada!

A Morte

Oh! que doce tristeza e que ternura
No olhar ansioso, aflito dos que morrem…
De que âncoras profundas se socorrem
Os que penetram nessa noite escura!

Da vida aos frios véus da sepultura
Vagos momentos trĂŞmulos decorrem…
E dos olhos as lágrimas escorrem
Como farĂłis da humana Desventura.

Descem entĂŁo aos golfos congelados
Os que na terra vagam suspirando,
Com os velhos corações tantalizados.

Tudo negro e sinistro vai rolando
Báratro abaixo, aos ecos soluçados
Do vendaval da Morte ondeando, uivando…

Rir!

Rir! Não parece ao século presente
Que o rir traduza, sempre, uma alegria…
Rir! Mas nĂŁo rir como essa pobre gente
Que ri sem arte e sem filosofia.

Rir! Mas com o rir atroz, o rir tremente,
Com que André Gil eternamente ria.
Rir! Mas com o rir demolidor e quente
Duma profunda e trágica ironia.

Antes chorar! Mais fácil nos parece.
Porque o chorar nos ilumina e nos aquece
Nesta noite gelada do existir.

Antes chorar que rir de modo triste…
Pois que o difĂ­cil do rir bem consiste
SĂł em saber como Henri Heine rir!…

Lembranças Apagadas

Outros, mais do que o meu, finos olfatos,
Sintam aquele aroma estranho e belo
Que tu, ó Lírio lânguido, singelo,
Guardaste nos teus Ă­ntimos recatos.

Que outros se lembrem dos sutis e exatos
Traços, que hoje não lembro e não revelo
E se recordem, com profundo anelo,
Da tua voz de siderais contatos…

Mas eu, para lembrar mortos encantos,
Rosas murchas de graças e quebrantos,
Linhas, perfil e tanta dor saudosa,

Tanto martírio, tanta mágoa e pena,
Precisaria de uma luz serene,
De uma luz imortal maravilhosa!…

Supremo Anseio

Esta profunda e intérmina esperança
Na qual eu tenho o espĂ­rito seguro,
A tão profunda imensidade avança
Como é profunda a idéia do futuro.

Abre-se em mim esse clarĂŁo, mais puro
Que o céu preclaro em matinal bonança:
Esse clarĂŁo, em que eu melhor fulguro,
Em que esta vida uma outra vida alcança.

Sim! Inda espero que no fim da estrada
Desta existência de ilusões cravada
Eu veja sempre refulgir bem perto

Esse clarĂŁo esplendoroso e louro
Do amor de mĂŁe — que Ă© como um fruto de ouro,
Da alma de um filho no eternal deserto.

O Grande Sonho

Sonho profundo, Ăł Sonho doloroso,
Doloroso e profundo Sentimento!
Vai, vai nas harpas trĂŞmula do vento
Chorar o teu mistério tenebroso.

Sobe dos astros ao clarĂŁo radioso,
Aos leves fluidos do luar nevoento,
Ă€s urnas de cristal do firmamento,
Ă“ velho Sonho amargo e majestoso!

Sobe Ă s estrelas rĂştilas e frias,
Brancas e virginais eucaristias
De onde uma luz de eterna paz escorre.

Nessa Amplidão das Amplidões austeras
Chora o Sonho profundo das Esferas
Que nas azuis Melancolias morre…

Campesinas II

De cabelos desmanchados,
Tu, teus olhos luminosos
Recordam-me uns saborosos
E raros frutos de prados.

Assim negros e quebrados,
Profundos, grandes, formosos,
ContĂŞm fluidos vaporosos
SĂŁo como campos mondados.

Quando soltas os cabelos
Repletos de pesadelos
E de perfumes de ervagens;

Teus olhos, flor das violetas,
Lembram certas uvas pretas
Metidas entre folhagens.

Soneto

(Oferecido e dedicado ao llmo. Sr. M. Bernardino A. Varela pelo autor.)
Vir bonus dicendi peritus laudandum est.

Senhor de nobre alma, tĂŁo
D’entre os sábios conhecido,
De pais excelsos nascido,
Aceitai a minha canção.

Probo pai, bom cidadĂŁo,
Sois dos seres melhor ser
Por saber tĂŁo profundo ter,
Sois ilustre qual CatĂŁo.

Recebei esta prova mesquinha
De penhor e de oração,
Produto da pena minha.

Perdoai, mui digno varĂŁo,
Se na mente eu pobre tinha
Cometer-vos indiscrição.

Na Fonte

Bem ao lado da gruta a fonte corre
Trepidamente, as águas encrespando,
Em murmĂşrios crebos, levantando
Uns chamalotes prateados — morre

No monte o sol que a luz no oceano escorre
E ainda eu vejo, as sombras afrontando,
Uma mulher que lava, mesmo quando
O sol mais rubro, mais vermelho jorre.

— É num sĂ­tio afastado, um sĂ­tio ermo…
Pássaros cortam vastidões sem termo,
Borboletas azuis roçam nas águas.

— E a mulher lava, enrubescida a face;
Lava, cantando, como se lavasse
As suas tristes e profundas mágoas.