Sonetos sobre Anos de J. G. de Araújo Jorge

5 resultados
Sonetos de anos de J. G. de Araújo Jorge. Leia este e outros sonetos de J. G. de Araújo Jorge em Poetris.

Descida

O que tinha de ser já foi… E está perdida
aquela ânsia de espera, de desejo e fé,
e tudo o que virá será cópia esbatida
da Vida que foi Vida e hoje Vida não é…

Muito pouco de tudo ainda resta de pé…
Agora, nunca mais estréias… Repetida
a alma se reverá um desespero, até
que a vida já não valha a pena ser vivida…

Do que foi canto e flor restam só as raízes,
e ao tédio que envenena os dias mais risonhos
repito: nunca mais estréias… só reprises…

E que importa o que vier? Sejam anos ou meses?
– Nunca mais a beleza dos primeiros sonhos!
– Nunca mais a surpresa das primeiras vezes!

Depois

Há de ser desta vez… Dir-lhe-ei contente
todo este amor que no meu Ser se abriga,
e tomando-lhe as mãos bem docemente
relembrarei a nossa infância antiga…

E a dúvida que guardo e que a alma sente
hei de acabar dizendo:”minha amiga,
quero ouvi-la afinal sinceramente
sem recear ferir com o que me diga…”

Penso assim… E no entanto, quantas vezes
tenho-a encontrado, e inutilmente os meses
e os anos vão passando entre nós dois…

Basta vê-la… e em minha alma acovardada,
– já não sei nada, nem me lembro nada
e deixo tudo pra dizer depois!

Uma Resposta

Não sabes a alegria em que fiquei
ao ler o que escreveste – o teu cartão
veio um pouco aquecer meu coração,
que de há muito na sombra sepultei…

A tristeza tornou-se-me uma lei
neste estranho pais da solidão…
– já nem sei como vais, nem como vão
aqueles que há mil anos já deixei…

Não penses mais em mim… Sou como um monge,
– não voltarei jamais para a cidade
e o tempo em que me falas vai bem longe…

Fizeste bem em não me acompanhar…
Tinhas toda razão… Felicidade
só eu mesmo encontrei neste lugar!…

Último Vestígio

Tu deves te lembrar: aquela casa antiga
entre o verde bambual e a frondosa mangueira,
– a varanda, a esconder-se sob a trepadeira,
e o riacho a marulhar sua velha cantiga…

As flores… o jardim… a estrada, uma alva esteira
onde nós a sonhar andamos sem fadiga
olhando para o céu – tudo isto, minha amiga,
mudou… A nossa vida é mesmo passageira…

As paisagens de outrora, estranhos transformaram:
– o jardim… o bambual… a estrada, e até nem sei
se as águas do regato os anos não pararam…

Uma cousa, porém, existe, eu vi depois:
– é aquele coração com os nomes que gravei
no tronco da mangueira a relembrar nós dois!…

Tarde Demais

Crescemos sempre assim, unidos – desde crianças
vivemos como irmãos, e, afinal, só depois
que o tempo nos mudou, é que eu e tu, nós dois,
descobrimos no amor as nossas esperanças…

Mas foi tarde demais… Eu já tinha tomado
um rumo diferente – e o meu caminho e o teu
cada qual do princípio um dia se esqueceu,
e seguiu, cada qual, um rumo inesperado…

Quantos anos!… Meu Deus!… É esquisita esta vida…
Depois que a nossa estrada em duas foi partida
em uma novamente, o mundo as quis juntar.. .

Mas de nada serviu… De que serviu nos vermos
se o presente tornou os nossos sonhos ermos,
– se não podes me amar!… se não posso te amar!…