Sonetos sobre Dúvida

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Sonetos de dúvida escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Soneto do Cativo

Se é sem dúvida Amor esta explosão
de tantas sensações contraditórias;
a sórdida mistura das memórias,
tão longe da verdade e da invenção;

o espelho deformante; a profusão
de frases insensatas, incensórias;
a cúmplice partilha nas histórias
do que os outros dirão ou não dirão;

se é sem dúvida Amor a cobardia
de buscar nos lençóis a mais sombria
razão de encantamento e de desprezo;

não há dúvida, Amor, que te não fujo
e que, por ti, tão cego, surdo e sujo,
tenho vivido eternamente preso!

Soneto de um Céptico

Febo há muito desceu no Ocidente
Por trás dos montes de rosa tingidos;
Eu, sofrendo, cerro os olhos doridos
Olhando o mundo que ante mim se estende.

Pois pela noite o rio silente desce,
Oculto no escuro já voa o morcego;
Mas, nocturna, a alma não tem sossego,
É na escuridão que meu horror cresce.

Odeio a noite que a mim se assemelha,
Só que em mim, nem astro ou centelha
Dispersa as nuvens da alma e da mente.

Mas como a noite em seu manto sombrio,
Calado e escondido me quedo no frio,
Envolto em dúvidas e delas temente.

Remorso

Às vezes uma dor me desespera…
Nestas ânsias e dúvidas em que ando,
Cismo e padeço, neste outono, quando
Calculo o que perdi na primavera.

Versos e amores sufoquei calando,
Sem os gozar numa explosão sincera…
Ah ! Mais cem vidas ! com que ardor quisera
Mais viver, mais penar e amar cantando !

Sinto o que desperdicei na juventude;
Choro neste começo de velhice,
Mártir da hipocrisia ou da virtude.

Os beijos que não tive por tolice,
Por timidez o que sofrer não pude,
E por pudor os versos que não disse!

VI

Em mim também, que descuidado vistes,
Encantado e aumentando o próprio encanto,
Tereis notado que outras cousas canto
Muito diversas das que outrora ouvistes.

Mas amastes, sem dúvida … Portanto,
Meditai nas tristezas que sentistes:
Que eu, por mim, não conheço cousas tristes,
Que mais aflijam, que torturem tanto.

Quem ama inventa as penas em que vive;
E, em lugar de acalmar as penas, antes
Busca novo pesar com que as avive.

Pois sabei que é por isso que assim ando:
Que é dos loucos somente e dos amantes
Na maior alegria andar chorando.

O Que Diz A Morte

Deixai-os vir a mim, os que lidaram;
Deixai-os vir a mim, os que padecem;
E os que cheios de mágoa e tédio encaram
As próprias obras vãs, de que escarnecem…

Em mim, os Sofrimentos que não saram,
Paixão, Dúvida e Mal, se desvanecem.
As torrentes da Dor, que nunca param,
Como num mar, em mim desaparecem. –

Assim a Morte diz. Verbo velado,
Silencioso intérprete sagrado
Das cousas invisíveis, muda e fria,

É, na sua mudez, mais retumbante
Que o clamoroso mar; mais rutilante,
Na sua noite, do que a luz do dia.

Sustenta Meu Viver Üa Esperança

Sustenta meu viver üa esperança
derivada de um bem tão desejado
que, quando nela estou mais confiado,
mor dúvida me põe qualquer mudança.

E quando inda este bem na mor pujança
de seus gostos me tem mais enlevado,
me atormenta então ver eu que, alcançado
será por quem de vós não tem lembrança.

Assi, que nestas redes enlaçado,
a penas dou a vida , sustentando
üa nova matéria a meu cuidado .

Suspiros d’alma tristes arrancando,
dos silvos de ua pedra acompanhado,
estou matérias tristes lamentando.

Ceticismo

Desci um dia ao tenebroso abismo,
Onde a dúvida ergueu altar profano;
Cansado de lutar no mundo insano,
Fraco que sou, volvi ao ceticismo.

Da Igreja – a Grande Mãe – o exorcismo
Terrível me feriu, e então sereno,
De joelhos aos pés do Nazareno
Baixo rezei, em fundo misticismo:

– Oh! Deus, eu creio em ti, mas me perdoa!
Se esta dúvida cruel qual me magoa
Me torna ínfimo, desgraçado réu.

Ah, entre o medo que o meu Ser aterra,
Não sei se viva p’ra morrer na terra,
Não sei se morra p’ra viver no Céu!

Espiritualismo

I

Como um vento de morte e de ruína,
A Dúvida soprou sobre o Universo.
Fez-se noite de súbito, imerso
O mundo em densa e algida neblina.

Nem astro já reluz, nem ave trina,
Nem flor sorri no seu aéreo berço.
Um veneno subtil, vago, disperso,
Empeçonhou a criação divina.

E, no meio da noite monstruosa,
Do silêncio glacial, que paira e estende
O seu sudário, d’onde a morte pende,

Só uma flor humilde, misteriosa,
Como um vago protesto da existência,
Desabroxa no fundo da Consciência.

II

Dorme entre os gelos, flor imaculada!
Luta, pedindo um ultimo clarão
Aos sóis que ruem pela imensidão,
Arrastando uma auréola apagada…

Em vão! Do abismo a boca escancarada
Chama por ti na gélida amplidão…
Sobe do poço eterno, em turbilhão,
A treva primitiva conglobada…

Tu morrerás também. Um ai supremo,
Na noite universal que envolve o mundo,
Ha-de ecoar, e teu perfume extremo

No vácuo eterno se esvairá disperso,
Como o alento final d’um moribundo,
Como o último suspiro do Universo.

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Sonhos

Cada dia que passa faz-me pensar
E reflectir sobre quem ele traiu,
Que enquanto viveu nada fui ganhar
Com a lama vil onde a alma caiu.

Até de meus sonhos a vida me deixa
Na maré nu, na areia, em solidão,
Desolado que, inda vivo, não esteja
Seguindo veloz no barco da acção.

Há uma beleza no mundo exterior,
No monte ou planície onde chega a vista
Que já é consolo à dúvida e à dor,
Mas, Oh! A beleza que o mundo conquista

Nem Palavra ou verso a pode imaginar
Nem a mente humana, só por si, forjar!

Depois

Há de ser desta vez… Dir-lhe-ei contente
todo este amor que no meu Ser se abriga,
e tomando-lhe as mãos bem docemente
relembrarei a nossa infância antiga…

E a dúvida que guardo e que a alma sente
hei de acabar dizendo:”minha amiga,
quero ouvi-la afinal sinceramente
sem recear ferir com o que me diga…”

Penso assim… E no entanto, quantas vezes
tenho-a encontrado, e inutilmente os meses
e os anos vão passando entre nós dois…

Basta vê-la… e em minha alma acovardada,
– já não sei nada, nem me lembro nada
e deixo tudo pra dizer depois!

Cega

Parece-me que a luz imaculada
Que vem do teu olhar, todo doçuras,
Não verte no meu ser aquelas puras
Delícias de outra era já passada.

Eu creio que essa pálpebra adorada
Não mais um flóreo empíreo de venturas
Descobre-me — na noite de amarguras,
De dúvidas intérminas cortada.

Não olhas como olhavas, rindo, outrora,
Não abres a pupila, como a aurora
Nascendo, abre, feliz, radiosa e calma.

A sombra, nos teus olhos, funda, existe!…
Tu’alma deve ser bem negra e triste
Se os olhos são, decerto, o espelho d’alma.

Soneto Na Morte De José Arthur Da Frota Moreira

Cantamos ao nascer o mesmo canto
De alegria, de súplica e de horror
E a mulher nos surgiu no mesmo encanto
Na mesma dúvida e na mesma dor.

Criamos toda a sedução, e tanto
Que de nós seduzido, o sedutor
Morreu nas mesmas lágrimas de amor
Ao milagre maior do amor em pranto.

Fui um pouco teu cão e teu mendigo
E tu, como eu, mendigo de outro pão
Sempre guardaste o pão do teu amigo

Meu misterioso irmão, sigo contigo
Há tanto, tanto tempo, mão na mão…
Ouve como chora o coração.

Linda

Intimamente sinto uma grande vontade
de não mais duvidar do que você me diz,
– de acreditar enfim na sua falsidade
e fingir que me iludo em me julgar feliz…

Quero crer… na inconstância e volubilidade
dos seus olhos azuis ou verdes, não sei bem,
e tentar convencer-me da felicidade
de que é meu o seu amor, só meu… de mais ninguém…

Quero nessa ilusão – minha íntima esperança
transformar na feliz e invejável certeza
dos que sabem gostar e podem ter confiança…

Mas é inútil, bem sei… A dúvida não finda!
E ao sentir seu olhar e ao ver sua beleza
não sei como confiar em quem nasceu tão linda!

Lacrimae Rerum

Noite, irmã da Razão e irmã da Morte,
Quantas vezes tenho eu interrogado
Teu verbo, teu oráculo sagrado,
Confidente e intérprete da Sorte!

Aonde são teus sóis, como corte
De almas inquietas, que conduz o Fado?
E o homem porque vaga desolado
E em vão busca a certeza que o conforte?

Mas, na pompa de imenso funeral,
Muda, a noite, sinistra e triunfal,
Passa volvendo as horas vagarosas…

É tudo, em torno a mim, dúvida e luto;
E, perdido num sonho imenso, escuto
O suspiro das coisas tenebrosas…

Fetichismo

Homem, da vida as sombras inclementes
Interrogas em vão: – Que céus habita
Deus? Onde essa região de luz bendita,
Paraíso dos justos e dos crentes?…

Em vão tateiam tuas mãos trementes
As entranhas da noite erma, infinita,
Onde a dúvida atroz blasfema e grita,
E onde há só queixas e ranger de dentes…

A essa abóbada escura, em vão elevas
Os braços para o Deus sonhado, e lutas
Por abarcá-lo; é tudo em torno trevas…

Somente o vácuo estreitas em teus braços;
E apenas, pávido, um ruído escutas,
Que é o ruído dos teus próprios passos!…

Otelo

Quem minha angústia suportar, prefira
a morte, redentora, à desventura
de não poder, nas vascas da loucura,
distinguir a verdade da mentira.

Infrene dúvida, implacável ira,
esta que me alucina e me tortura!
– Ter ciúmes da luz, formosa e pura,
do chão, da sombra e do ar que se respira!

Invejo a veste que te esconde! a espuma
que, beijando teu corpo, linha a linha,
toda do teu aroma se perfuma!

Amo! E o delírio desta dor mesquinha,
faz que eu deseje ser tu mesma, em suma,
para ter a certeza de que és minha!