Sonetos sobre Ă‚nsia de Fernando Pessoa

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Sonetos de ânsia de Fernando Pessoa. Leia este e outros sonetos de Fernando Pessoa em Poetris.

Como Te Amo

Como te amo? Não sei de quantos modos vários
Eu te adoro, mulher de olhos azuis e castos;
Amo-te com o fervor dos meus sentidos gastos;
Amo-te com o fervor dos meus preitos diários.

É puro o meu amor, como os puros sacrários;
É nobre o meu amor, como os mais nobres fastos;
É grande como os mares altisonos e vastos;
É suave como o odor de lírios solitários.

Amor que rompe enfim os laços crus do Ser;
Um tĂŁo singelo amor, que aumenta na ventura;
Um amor tĂŁo leal que aumenta no sofrer;

Amor de tal feição que se na vida escura
É tão grande e nas mais vis ânsias do viver,
Muito maior será na paz da sepultura!

(dream)

Qualquer coisa de obscuro permanece
No centro do meu ser. Se me conheço,
É até onde, por fim mal, tropeço
No que de mim em mim de si se esquece.

Aranha absurda que uma teia tece
Feita de solidão e de começo
Fruste, meu ser anĂłnimo confesso
PrĂłprio e em mim mesmo a externa treva desce.

Mas, vinda dos vestígios da distância
Ninguém trouxe ao meu pálio por ter gente
Sob ele, um rasgo de saudade ou ânsia.

Remiu-se o pecador impenitente
À sombra e cisma. Teve a eterna infância,
Em que comigo forma um mesmo ente.

Barrow-On-Furness V

Há quanto tempo, Portugal, há quanto
Vivemos separados! Ah, mas a alma,
Esta alma incerta, nunca forte ou calma,
NĂŁo se distrai de ti, nem bem nem tanto.

Sonho, histĂ©rico oculto, um vĂŁo recanto…
O rio Furness, que Ă© o que aqui banha,
SĂł ironicamente me acompanha,
Que estou parado e ele correndo tanto …

Tanto? Sim, tanto relativamente…
Arre, acabemos com as distinções,
As subtilezas, o interstĂ­cio, o entre,
A metafĂ­sica das sensações –

Acabemos com isto e tudo mais …
Ah, que ânsia humana de ser rio ou cais!

Em Busca da Beleza

Soam vĂŁos, dolorido epicurista,
Os versos teus, que a minha dor despreza;
Já tive a alma sem descrença presa
Desse teu sonho, que perturba a vista.

Da Perfeição segui em vã conquista,
Mas vi depressa, já sem a alma acesa,
Que a própria idéia em nós dessa beleza
Um infinito de nĂłs mesmos dista.

Nem Ă  nossa alma definir podemos
A Perfeição em cuja estrada a vida,
Achando-a intérmina, a chorar perdemos.

O mar tem fim, o céu talvez o tenha,
Mas não a ânsia da Coisa indefinida
Que o ser indefinida faz tamanha.

Esqueço-Me Das Horas Transviadas

Esqueço-me das horas transviadas
o Outono mora mágoas nos outeiros
E põe um roxo vago nos ribeiros…
HĂłstia de assombro a alma, e toda estradas…

Aconteceu-me esta paisagem, fadas
De sepulcros a orgĂ­aco… Trigueiros
Os céus da tua face, e os derradeiros
Tons do poente segredam nas arcadas…

No claustro seqĂĽestrando a lucidez
Um espasmo apagado em ódio à ânsia
Põe dias de ilhas vistas do convés

No meu cansaço perdido entre os gelos
E a cor do outono Ă© um funeral de apelos
Pela estrada da minha dissonância…

Paira No AmbĂ­guo Destinar-Se

Paira no ambĂ­guo destinar-se
Entre longĂ­nquos precipĂ­cios,
A ânsia de dar-se preste a dar-se
Na sombra vaga entre suplĂ­cios,

Roda dolente do parar-se
Para, velados sacrifĂ­cios,
Não ter terraços sobre errar-se
Nem ilusões com interstícios,

Tudo velado, e o Ăłcio a ter-se
De leque em leque, a aragem fina
Com consciĂŞncia de perder-se…

Tamanha a flama e pequenina
Pensar na mágoa japonesa
Que ilude as sirtes da Certeza.