Sonetos sobre Asas de Augusto dos Anjos

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Sonetos de asas de Augusto dos Anjos. Leia este e outros sonetos de Augusto dos Anjos em Poetris.

Aos Meus Filhos

Na intermitĂȘncia da vital canseira,
Sois vĂłs que sustentais ( Força Alta exige-o … )
Com o vosso catalĂ­tico prestĂ­gio,
Meu fantasma de carne passageira!

VulcĂŁo da bioquĂ­mica fogueira
Destruiu-me todo o orgĂąnico fastĂ­gio …
Dai-me asas, pois, para o Ășltimo remĂ­gio,
Dai-me alma, pois, para a hora derradeira!

CulminĂąncias humanas ainda obscuras,
ExpressÔes do universo radioativo,
Ions emanados do meu prĂłprio ideal,

Benditos vós, que, em épocas futuras,
Haveis de ser no mundo subjetivo,
Minha continuidade emocional!

Ave Dolorosa

Ave perdida para sempre – crença
Perdida – segue a trilha que te traça
O Destino, ave negra da Desgraça,
GĂȘmea da MĂĄgoa e nĂșncia da Descrença!

Dos sonhos meus na Catedral imensa
Que nunca pouses. Lå, na névoa baça
Onde o teu vulto lĂșrido esvoaça,
Seja-te a vida uma agonia intensa!

Vives de crenças mortas e te nutres,
Empenhada na sanha dos abutres,
Num desespero rĂĄbido, assassino…

E hĂĄs de tombar um dia em mĂĄgoas lentas,
Negrejadas das asas lutulentas
Que te emprestar o corvo do Destino!

Asa De Corvo

Asa de corvos carniceiros, asa
De mau agouro que, nos doze meses,
Cobre às vezes o espaço e cobre às vezes
O telhado de nossa prĂłpria casa…

Perseguido por todos os reveses,
É meu destino viver junto a essa asa,
Como a cinza que vive junto Ă  brasa,
Como os Goncourts, como os irmĂŁos siameses!

É com essa asa que eu faço este soneto
E a indĂșstria humana faz o pano preto
Que as famĂ­lias de luto martiriza…

É ainda com essa asa extraordinária
Que a Morte – a costureira funerĂĄria –
Cose para o homem a Ășltima camisa!

Aurora Morta, Foge! Eu Busco A Virgem Loura

Aurora morta, foge! Eu busco a virgem loura
Que fugiu-me do peito ao teu clarĂŁo de morte
E Ela era a minha estrela, o meu Ășnico Norte,
O grande Sol de afeto – o Sol que as almas doura!

Fugiu… e em si a Luz consoladora
Do amor – esse clarĂŁo eterno d’alma forte –
Astro da minha Paz, SĂ­rius da minha Sorte
E da Noute da vida a VĂȘnus Redentora.

Agora, oh! Minha MĂĄgoa, agita as tuas asas,
Vem! Rasga deste peito as nebulosas gazas
E, num PĂĄlio auroral de Luz deslumbradora,

Ascende Ă  Claridade. Adeus oh! Dia escuro,
Dia do meu Passado! Irrompe, meu Futuro;
Aurora morta, foge – eu busco a virgem loura!

A Esperança

A Esperança não murcha, ela não cansa,
Também como ela não sucumbe a Crença.
Vão-se sonhos nas asas da Descrença,
Voltam sonhos nas asas da Esperança.

Muita gente infeliz assim nĂŁo pensa;
No entanto o mundo Ă© uma ilusĂŁo completa,
E não é a Esperança por sentença
Este laço que ao mundo nos manieta?

Mocidade, portanto, ergue o teu grito,
Sirva-te a crença de fanal bendito,
Salve-te a glĂłria no futuro – avança!

E eu, que vivo atrelado ao desalento,
Também espero o fim do meu tormento,
Na voz da morte a me bradar: descansa!

GĂȘnio Das Trevas LĂșgubres, Acolhe-me

GĂȘnio das trevas lĂșgubres, acolhe-me,
Leva-me o esp’rito dessa luz que mata,
E a alma me ofusca e o peito me maltrata,
E o viver calmo e sossegado tolhe-me!

Leva-me, obumbra-me em teu seio, acolhe-me
N’asa da Morte redentora, e Ă  ingrata
Luz deste mundo em breve me arrebata
E num pallium de tĂȘnebras recolhe-me!

Aqui hĂĄ muita luz e muita aurora,
HĂĄ perfumes d’amor – venenos d’alma –
E eu busco a plaga onde o repouso mora,

E as trevas moram, e, onde d’ĂĄgua raso
O olhar nĂŁo trago, nem me turba a calma
A aurora deste amor que Ă© o meu ocaso!