Disputa em FamĂlia
I
Sai das nuvens, levanta a fronte e escuta
O que dizem teus filhos rebelados,
Velho Jeová de longa barba hirsuta,
Solitário em teus Céus acastelados:« — Cessou o império enfim da força bruta!
NĂŁo sofreremos mais, emancipados,
O tirano, de mĂŁo tenaz e astuta,
Que mil anos nos trouxe arrebanhados!Enquanto tu dormias impassĂvel,
Topámos no caminho a liberdade
Que nos sorriu com gesto indefinĂvel…Já provámos os frutos da verdade…
Ă“ Deus grande, Ăł Deus forte, Ăł Deus terrĂvel.
NĂŁo passas d’uma vĂŁ banalidade! — »II
Mas o velho tirano solitário,
De coração austero e endurecido,
Que um dia, de enjoado ou distraido,
Deixou matar seu filho no Calvário,Sorriu com rir estranho, ouvindo o vário
Tumultuoso coro e alarido
Do povo insipiente, que, atrevido,
Erguia a voz em grita ao seu sacrário:« — Vanitas vanitatum! (disse). É certo
Que o homem vão medita mil mudanças,
Sem achar mais do que erro e desacerto.Muito antes de nascerem vossos pais
D’um barro vil,
Sonetos sobre Barba
5 resultadosMarĂlia De Dirceu
Soneto 13
Quando o torcido buço derramava
Terror no aspecto ao portuguĂŞs sisudo,
Quando, sem pĂł nem Ăłleo, o pente agudo,
Duro, intonso, o cabelo em laço atava.Quando contra os irmãos o braço armava
O forte Nuno, apondo escudo a escudo:
Quando a palavra, que prefere a tudo,
Com a barba arrancada JoĂŁo firmava.Quando a mulher Ă sombra do marido
Tremer se via; quando a lei prudente
Zela o sexo do civil ruĂdo;Feliz entĂŁo, entĂŁo sĂł inocente
Era de Luso o reino. Oh! bem perdido!
Ditosa condição, ditosa gente!
A SolidĂŁo e Sua Porta
A Francisco Brennand
Quando mais nada resistir que valha
a pena de viver e a dor de amar
e quando nada mais interessar
(nem o torpor do sono que se espalha),quando, pelo desuso da navalha
a barba livremente caminhar
e até Deus em silêncio se afastar
deixando-te sozinho na batalhaa arquitectar na sombra a despedida
do mundo que te foi contraditĂłrio,
lembra-te que afinal te resta a vidacom tudo que Ă© insolvente e provisĂłrio
e de que ainda tens uma saĂda:
entrar no acaso e amar o transitĂłrio.
O Monge
-“O coração da infância”, eu lhe dizia,
“É manso.” E ele me disse:-“Essas estradas,
Quando, novo Eliseu, as percorria,
As crianças lançavam-me pedradas…”Falei-lhe entĂŁo na glĂłria e na alegria;
E ele-alvas barbas longas derramadas
No burel negro-o olhar somente erguia
Ă€s cĂ©rulas regiões ilimitadas…Quando eu, porĂ©m, falei no amor, um riso
SĂşbito as faces do impassĂvel monge
Iluminou… Era o vislumbre incerto,Era a luz de um crepĂşsculo indeciso
Entre os clarões de um sol que já vai longe
E as sombras de uma noite que vem perto!…
A Teodoro de Banville
De tal modo agarraste a Deusa pela crina,
Com ar dominador, num gesto sacudido
Que se alguém presencia o caso acontecido
Poderia julgar-te um rufiĂŁo de esquina.Com o lĂmpido olhar, — precoce e ardente vista,
Audaz, vais expandido o orgulho de arquitecto
Em nobres produções, de traço tão correcto,
Que deixam futurar um prodigioso artista.O nosso sangue, Poeta, esvai-se dia a dia!…
Acaso, do Centauro, a tĂşnica sombria,
— Que, fúnebres caudais as velas transformava —Três vezes se tingiu com as barbas subtis
D’aqueles infernais, monstruosos, rĂ©pteis,
Que Hércules, em crença, a rir, estrangulava?Tradução de Delfim Guimarães