Chegou Enfim, E O Desembarque Dela
Chegou enfim, e o desembarque dela
Causou-me logo uma impressĂŁo divina!
Ă meiga, pura como sĂŁ bonina,
Nos olhos vivos doce luz revela!Ă graciosa, sacudida e bela,
NĂŁo tem os gestos de qualquer menina:
Parece um gĂȘnio que seduz, fascina,
TĂŁo atraente, singular Ă© ela!Chegou, enfim! eu murmurei contente!
Fez-se em minh’alma purpurina aurora,
O entusiasmo me brotou fervente!Vimos-lhe apenas a construção sonora,
Vimos a larva, nada mais, somente
Falta-nos ver a borboleta agora!
Sonetos sobre Belos de Cruz e Souza
29 resultadosDe Alma Em Alma
Tu andas de alma em alma errando, errando,
como de santuĂĄrio em santuĂĄrio.
Ăs o secreto e mĂstico templĂĄrio
As almas, em silĂȘncio, contemplando.NĂŁo sei que de harpas hĂĄ em ti vibrando,
que sons de peregrino estradivĂĄrio
Que lembras reverĂȘncias de sacrĂĄrio
E de vozes celestes murmurando.Mas sei que de alma em alma andas perdido
AtrĂĄs de um belo mundo indefinido
De silĂȘncio, de Amor, de Maravilha.Vai! Sonhador das nobres reverĂȘncias!
A alma da FĂ© tem dessas florescĂȘncias,
Mesmo da Morte ressuscita e brilha!
DelĂrio Do Som
O Boabdil mais doce que um carinho,
O teu piano ebĂșrneo soluçava,
E cada nota, amor, que ele vibrava,
Era-me n’alma um sol desfeito em vinho.Me parecia a mĂșsica do arminho,
O perfume do lĂrio que cantava,
A estrela-d’alva que nos cĂ©us entoava
Uma canção dulcĂssima baixinho.IncomparĂĄvel, teu piano — e eu cria
Ver-te no espaço, em fluidos de harmonia,
Bela, serena, vaporosa e nua;Como as visĂ”es olĂmpicas do Reno,
Cantando ao ar um delicioso treno
Vago e dolente, com uns tons de lua.
VisionĂĄrios
Armam batalhas pelo mundo adiante
Os que vagam no mundos visionĂĄrios,
Abrindo as ĂĄureas portas de sacrĂĄrios
Do Mistério soturno e palpitante.O coração flameja a cada instante
Com brilho estranho, com fervores vĂĄrios,
Sente a febre dos bons missionĂĄrios
Da ardente catequese fecundante.Os visionĂĄrios vĂŁo buscar frescura
De ĂĄgua celeste na cisterna pura
Da Esperança, por horas nebulosas…Buscam frescura, um outro novo encanto…
E livres, belos através do pranto,
Falam baixo com as almas misteriosas!
O Seu Boné
Ă atriz Adelina Castro
à um boné ideal, de feltros e de plumas,
Que ela usa agora, assim como um turbante
Turco, aveludado, doce como algumas
Nuvens matinais que rolam no levante.Lembro quando ao vĂȘ-lo a rubra marselhesa,
Lembro sensaçÔes e cousas de prodĂgio
E penso que ele tem a mĂĄscula grandeza
Desse sedutor, vital barrete frĂgio!…Ăs vezes meu olhar medindo-lhe o contorno
E a flĂĄcida plumagem que serve-lhe d’adorno,
— satĂąnico, voraz, esplĂȘndido de fĂ©!Exclama num idĂlio cĂąndido e singelo,
Por entre as convulsĂ”es artĂsticas do Belo; —
Oh! tem coração e alma, esse bonĂ©!…
Sonhador
Por sĂłis, por belos sĂłis alvissareiros,
Nos troféus do teu Sonho irås cantando
As pĂșrpuras romanas arrastando,
Engrinaldado de imortais loureiros.Nobre guerreiro audaz entre os guerreiros,
Das Idéias as lanças sopesando,
VerĂĄs, a pouco e pouco, desfilando
Todos os teus desejos condoreiros…Imaculado, sobre o lodo imundo,
HĂĄ de subir, com as vivas castidades,
Das tuas glórias o clarão profundo.Hå de subir, além de eternidades,
Diante do torvo crocitar do mundo,
Para o branco SacrĂĄrio das Saudades!
Ave! Maria
Ave! Maria das Estrelas, Ave!
Cheia de graça do luar, Maria!
Harmonia de cĂąntico suave,
Das harpas celestiais branda harmonia…Nuvem d’incensos atravĂ©s da nave
Quando o templo de pompas irradia
E em prantos o ĂłrgĂŁo vai plangendo grave
A profunda e gemente litania…Seja bendito o fruto do teu ventre,
Jesus, mais belo dentre os astros e entre
As mulheres judaicas mais amado…Ă Luz! Eucaristia da beleza,
Chama sagrada no Evangelho acesa,
Maravilha do Amor e do Pecado!
Celeste
Vi-te crescer! tu eras a criança
Mais linda, mais gentil, mais delicada:
Tinhas no rosto as cores da alvorada
E o sol disperso pela loira trança.Asas tinhas tambĂ©m, as da esperança…
E de tal sorte eras sutil e alada
Que parecias ave arrebatada
Na luz do Espaço onde a razão descansa!Depois, então, fizeste-te menina,
VisĂŁo de amor, purĂssima, divina,
Perante a qual ainda hoje me ajoelho.Cresceste mais! Ăs bela e moça agora…
Mas eu, que acompanhei toda essa aurora,
Sinto bem quanto estou ficando velho.
O Soneto
Nas formas voluptuosas o soneto
Tem fascinante, cĂĄlida fragrĂąncia
E as leves, langues curvas de elegĂąncia
De extravagante e mórbido esqueleto.A graça nobre e grave do quarteto
Recebe a original intolerĂąncia,
Toda a sutil, secreta extravagĂąncia
Que transborda terceto por terceto.E como um singular polichinelo
Ondula, ondeia, curioso e belo,
O Soneto , nas formas caprichosas.As rimas dĂŁo-lhe a pĂșrpura vetusta
E nas mais rara procissĂŁo augusta
Surge o Sonho das almas dolorosas…