Sonetos sobre Calma de Fernando Pessoa

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Sonetos de calma de Fernando Pessoa. Leia este e outros sonetos de Fernando Pessoa em Poetris.

Ah, Mas Aqui, Onde Irreais Erramos

Ah, mas aqui, onde irreais erramos,
Dormimos o que somos, e a verdade,
Inda que enfim em sonhos a vejamos,
Vemo-la, porque em sonho, em falsidade.

Sombras buscando corpos, se os achamos
Como sentir a sua realidade?
Com mãos de sombra, Sombras, que tocamos?
Nosso toque é ausência e vacuidade.

Quem desta Alma fechada nos liberta?
Sem ver, ouvimos para além da sala
De ser: mas como, aqui, a porta aberta?

Calmo na falsa morte a nós exposto,
O Livro ocluso contra o peito posto,
Nosso Pai Roseacruz conhece e cala.

Barrow-On-Furness V

Há quanto tempo, Portugal, há quanto
Vivemos separados! Ah, mas a alma,
Esta alma incerta, nunca forte ou calma,
Não se distrai de ti, nem bem nem tanto.

Sonho, histérico oculto, um vão recanto…
O rio Furness, que é o que aqui banha,
Só ironicamente me acompanha,
Que estou parado e ele correndo tanto …

Tanto? Sim, tanto relativamente…
Arre, acabemos com as distinções,
As subtilezas, o interstício, o entre,
A metafísica das sensações –

Acabemos com isto e tudo mais …
Ah, que ânsia humana de ser rio ou cais!

Como uma Voz de Fonte que Cessasse

Como uma voz de fonte que cessasse
(E uns para os outros nossos vãos olhares
Se admiraram), p’ra além dos meus palmares
De sonho, a voz que do meu tédio nasce

Parou… Apareceu já sem disfarce
De música longínqua, asas nos ares,
O mistério silente como os mares,
Quando morreu o vento e a calma pasce…

A paisagem longínqua só existe
Para haver nela um silêncio em descida
P’ra o mistério, silêncio a que a hora assiste…

E, perto ou longe, grande lago mudo,
O mundo, o informe mundo onde há a vida…
E Deus, a Grande Ogiva ao fim de tudo…