Sonetos sobre Disfarce

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Sonetos de disfarce escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Soneto de amor

Não me peças palavras, nem baladas,
Nem expressões, nem alma… Abre-me o seio,
Deixa cair as pálpebras pesadas,
E entre os seios me apertes sem receio.

Na tua boca sob a minha, ao meio,
Nossas lĂ­nguas se busquem, desvairadas…
E que os meus flancos nus vibrem no enleio
Das tuas pernas ágeis e delgadas.

E em duas bocas uma lĂ­ngua…, — unidos,
NĂłs trocaremos beijos e gemidos,
Sentindo o nosso sangue misturar-se.

Depois… — abre os teus olhos, minha amada!
Enterra-os bem nos meus; nĂŁo digas nada…
Deixa a Vida exprimir-se sem disfarce!

A Floresta

Em vĂŁo com o mundo da floresta privas!…
– Todas as hermenĂŞuticas sondagens,
Ante o hierĂłglifo e o enigma das folhagens,
SĂŁo absolutamente negativas!

Araucárias, traçando arcos de ogivas,
Bracejamentos de álamos selvagens,
Como um convite para estranhas viagens,
Tornam todas as almas pensativas!

Há uma força vencida nesse mundo!
Todo o organismo florestal profundo
É dor viva, trancada num disfarce…

Vivem sĂł, nele, os elementos broncos,
– As ambições que se fizeram troncos,
Porque nunca puderam realizar-se!

Como uma Voz de Fonte que Cessasse

Como uma voz de fonte que cessasse
(E uns para os outros nossos vĂŁos olhares
Se admiraram), p’ra além dos meus palmares
De sonho, a voz que do meu tédio nasce

Parou… Apareceu já sem disfarce
De mĂşsica longĂ­nqua, asas nos ares,
O mistério silente como os mares,
Quando morreu o vento e a calma pasce…

A paisagem longĂ­nqua sĂł existe
Para haver nela um silĂŞncio em descida
P’ra o mistĂ©rio, silĂŞncio a que a hora assiste…

E, perto ou longe, grande lago mudo,
O mundo, o informe mundo onde há a vida…
E Deus, a Grande Ogiva ao fim de tudo…

A um Poeta

Longe do estéril turbilhão da rua,
Beneditino, escreve! No aconchego
Do claustro, na paciĂŞncia e no sossego,
Trabalha, e teima, e lima, e sofre, e sua!

Mas que na forma de disfarce o emprego
Do esforço; e a trama viva se construa
De tal modo, que a imagem fique nua,
Rica mas sĂłbria, como um templo grego.

Não se mostre na fábrica o suplício
Do mestre. E, natural, o efeito agrade,
Sem lembrar os andaimes do edifĂ­cio:

Porque a Beleza, gĂŞmea da Verdade,
Arte pura, inimiga do artifĂ­cio,
É a força e a graça na simplicidade.

Tecido

O texto tem sua face
de avesso na superfĂ­cie:
Ă© dia e noite, sintaxe
do que se pensa, ou se disse.

Tudo no texto Ă© disfarce,
ritual de voz e artifĂ­cio,
como se tudo falasse
por si mesmo, na planĂ­cie.

Seja por dentro ou por fora,
seja de lado ou durante,
o texto Ă© sempre demora:

o descompasso da escrita
e da leitura no grande
intervalo dos sentidos.

Os Parceiros

Sonhar Ă© acordar-se para dentro:
de sĂşbito me vejo em pleno sonho
e no jogo em que todo me concentro
mais uma carta sobre a mesa ponho.

Mais outra! É o jogo atroz do Tudo ou Nada!
E quase que escurece a chama triste…
E, a cada parada uma pancada,
o coração, exausto, ainda insiste.

Insiste em quĂŞ?Ganhar o quĂŞ? De quem?
O meu parceiro…eu vejo que ele tem
um riso silencioso a desenhar-se

numa velha caveira carcomida.
Mas eu bem sei que a morte Ă© seu disfarce…
Como também disfarce é a minha vida!