Soneto de amor
Não me peças palavras, nem baladas,
Nem expressões, nem alma… Abre-me o seio,
Deixa cair as pálpebras pesadas,
E entre os seios me apertes sem receio.Na tua boca sob a minha, ao meio,
Nossas lĂnguas se busquem, desvairadas…
E que os meus flancos nus vibrem no enleio
Das tuas pernas ágeis e delgadas.E em duas bocas uma lĂngua…, — unidos,
NĂłs trocaremos beijos e gemidos,
Sentindo o nosso sangue misturar-se.Depois… — abre os teus olhos, minha amada!
Enterra-os bem nos meus; nĂŁo digas nada…
Deixa a Vida exprimir-se sem disfarce!
Sonetos sobre Disfarce
6 resultadosA Floresta
Em vĂŁo com o mundo da floresta privas!…
– Todas as hermenĂŞuticas sondagens,
Ante o hierĂłglifo e o enigma das folhagens,
São absolutamente negativas!Araucárias, traçando arcos de ogivas,
Bracejamentos de álamos selvagens,
Como um convite para estranhas viagens,
Tornam todas as almas pensativas!Há uma força vencida nesse mundo!
Todo o organismo florestal profundo
É dor viva, trancada num disfarce…Vivem sĂł, nele, os elementos broncos,
– As ambições que se fizeram troncos,
Porque nunca puderam realizar-se!
Como uma Voz de Fonte que Cessasse
Como uma voz de fonte que cessasse
(E uns para os outros nossos vĂŁos olhares
Se admiraram), p’ra além dos meus palmares
De sonho, a voz que do meu tĂ©dio nasceParou… Apareceu já sem disfarce
De mĂşsica longĂnqua, asas nos ares,
O mistério silente como os mares,
Quando morreu o vento e a calma pasce…A paisagem longĂnqua sĂł existe
Para haver nela um silĂŞncio em descida
P’ra o mistĂ©rio, silĂŞncio a que a hora assiste…E, perto ou longe, grande lago mudo,
O mundo, o informe mundo onde há a vida…
E Deus, a Grande Ogiva ao fim de tudo…
A um Poeta
Longe do estéril turbilhão da rua,
Beneditino, escreve! No aconchego
Do claustro, na paciĂŞncia e no sossego,
Trabalha, e teima, e lima, e sofre, e sua!Mas que na forma de disfarce o emprego
Do esforço; e a trama viva se construa
De tal modo, que a imagem fique nua,
Rica mas sĂłbria, como um templo grego.NĂŁo se mostre na fábrica o suplĂcio
Do mestre. E, natural, o efeito agrade,
Sem lembrar os andaimes do edifĂcio:Porque a Beleza, gĂŞmea da Verdade,
Arte pura, inimiga do artifĂcio,
É a força e a graça na simplicidade.
Tecido
O texto tem sua face
de avesso na superfĂcie:
Ă© dia e noite, sintaxe
do que se pensa, ou se disse.Tudo no texto Ă© disfarce,
ritual de voz e artifĂcio,
como se tudo falasse
por si mesmo, na planĂcie.Seja por dentro ou por fora,
seja de lado ou durante,
o texto Ă© sempre demora:o descompasso da escrita
e da leitura no grande
intervalo dos sentidos.
Os Parceiros
Sonhar Ă© acordar-se para dentro:
de sĂşbito me vejo em pleno sonho
e no jogo em que todo me concentro
mais uma carta sobre a mesa ponho.Mais outra! É o jogo atroz do Tudo ou Nada!
E quase que escurece a chama triste…
E, a cada parada uma pancada,
o coração, exausto, ainda insiste.Insiste em quê?Ganhar o quê? De quem?
O meu parceiro…eu vejo que ele tem
um riso silencioso a desenhar-senuma velha caveira carcomida.
Mas eu bem sei que a morte Ă© seu disfarce…
Como também disfarce é a minha vida!