Com a Fortuna não Perde o Ser de Besta
Na carreira veloz, a deusa cega
Lança às vezes a mão a um feio mono
E o sobe, num instante, a um coche, a um trono,
Onde a Virtude com trabalho chega.Porém se, louca, num jumento pega,
Por mais que o erga não lhe dá abono:
Bem se vê que foi sonho de seu sono,
Quando a vara ou bastão ela lhe entrega.Pouco importa adornar asno casmurro
Com jaezes reais, mantas de festa,
Se a conhecer se dá no rouco zurro.Quem, no berço, por vil se manifesta,
Quem nele baixo foi, quem nace burro,
Co’a Fortuna não perde o ser de besta.
Sonetos sobre Carreira de Francisco Joaquim Bingre
3 resultadosMorte não é a Esquálida Caveira
Morte não é a esquálida caveira
Dura, disforme, seca e carcomida:
Ela um destroço é, uma caída
Da abreviada, racional carreira.De ossos e carne envernizada, inteira,
Por vida tem a nossa própria vida.
Come, bebe, passeia, está vestida
E, até morrer, é nossa companheira.E sombra que sentimos e não vemos,
Segue-nos sempre aonde quer que vamos,
Só nos deixa nos últimos extremos.A Morte é sempre a vida que logramos,
Pois morte são os dias que vivemos
E, vida, só o instante que expiramos.
Aquela que Cantei na Doce Lira
Aquela que cantei na doce lira,
Que já do Tempo estragos tem sentido,
Inda veio, com seu garbo fingido,
Tentar meu coração, que em paz respira.Mas, qual duro rochedo que não vira,
Por mais que o bata o mar enfurecido,
Assim firme fiquei, no meu sentido,
Vendo o cepo enfeitado da Mentira.Encarei-o com dor, mas sem transporte,
Pois de meus longos anos na carreira
Já do Tempo sofri, também, o corte.Pensando na minha hora derradeira,
Eu vi só entre nós sentada a Morte,
E ao pé de uma caveira, outra caveira.