Sonetos sobre CĂ©u de Vasco Mouzinho de Quebedo

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Sonetos de céu de Vasco Mouzinho de Quebedo. Leia este e outros sonetos de Vasco Mouzinho de Quebedo em Poetris.

Soneto II

A D. Manuel de Lencastre.

Na tenebrosa noite o caminhante,
Quando o ar se engrossa e o mundo todo atroa,
O tronco busca donde se coroa
Da fugitiva Dafne o brando amante.

Ali nĂŁo teme o raio fulminante,
Por mais que na vizinha árvore soa,
E seu louvor por onde vai pregoa
Tanto que a cerração c’o sol levante.

Trabalha o CĂ©u em minha fim, trabalha
A terra em minha fim, com fĂşria imensa
Cada hora espero pela derradeira.

Onde me acolherei que alguém me valha?
A vĂłs, a quem nĂŁo quer fazer ofensa
O CĂ©u, nem pode a terra, inda que queira.

Soneto III

A D. FernĂŁo Martins Mascarenhas quando o fizeram Bispo.

Espanta crecer tanto o Crocodilo
SĂł por seu acanhado nascimento,
Que se maior nascera, mais isento
Estivera d’espanto o pátrio Nilo.

Em vão levantará meu baixo estilo
Vosso Pontifical novo ornamento,
Pois no ventre o imortal merecimento
Vo-lo talhou, para despois visti-lo.

Tardou, mas veio, que a quem mais merece
Muito mais tarde vir o prémio é certo,
E sempre tarda, inda que venha cedo.

Os CĂ©us, que do primeiro estĂŁo mais perto,
Mais devagar se movem; quem soubesse
Trás d’aquele segredo, este segredo?

Soneto XXXXIIII

Do fundo sobe do mar Indo acima
A recolher o orvalho a concha, e nela,
Despois que pouco a pouco se congela,
A pérola nos dá de tanta estima.

Hoje, despois que o CĂ©u choveu de cima
O rico orvalho, aquela concha, aquela
Divina humana, mais que todas bela,
O mundo pobre com seu parto anima.

Mas ai que a concha aberta o orvalho fino
Recebe, e em pedra dá; porém, Maria,
De outra invenção e modo extraordinário.

E como vem tĂŁo pobre este minino?
Vem tosca pedra, e seu preço e valia
Só conhece o discreto lapidário.

Soneto I

Ao Duque

A glĂłria do edifĂ­cio, o louvor alto
Do que a última mão lhe põe, se dobra
Em desgraça daquele, e mágoa da obra,
Que no melhor lhe foi escasso e falto.

Este de letras, com que ao CĂ©u me exalto
E que em mim vossa mĂŁo levanta e obra,
Se sua perfeição por vós não cobra,
A todos causa mágoa e sobressalto.

Já que os andames da esperança minha
Não há quem desarmá-los hoje possa,
Fazei com que este meu trabalho monte.

VĂłs sereis minha glĂłria, eu glĂłria vossa,
Ficando Ă  vista as que eu já n’alma tinha,
Vossas armas reais em minha fronte.

Soneto VIII

Da virtude que move os CĂ©us depende
Todo o bem, toda a glĂłria e ser da terra,
E se u’hora faltasse, o vale, a serra,
A flor, o fruito, a fonte, o rio ofende.

Esse braço que amor de longe estende
Para esta alma, meu ser e vida encerra,
E se algu’hora Amor dela o desterra,
Que glĂłria mais que vida ou ser pretende.

Mas nem há-de faltar essa virtude
Se nĂŁo c’o mundo, nem faltar-me agora;
Vosso Amor até morte me assigura.

EntĂŁo para que nunca mais se mude,
Se mudará, e mudar-se Amor nessa hora,
Será para outro Amor que sempre dura.

Soneto XXXXVII

Como depois de tanta idade de ano
Agora o Céu vos dá, Jacinto, à terra?
Esta tardança algua culpa encerra
Ou mistério, que passa o ser humano.

Foi descuido do CĂ©u, ou foi engano
Da terra, que sem CĂ©u mil vezes erra?
Ou pouco merecer, que este desterra
De tanta glória o prémio soberano?

Nem foi erro da terra, nem foi vosso,
Nem do Céu foi, mas foi mistério seu
Que Ă  CatĂłlica Igreja se aparelha.

Filhos na mocidade o CĂ©u lhe deu:
Guardou-vos, por vos dar filho mais moço
Para consolação desta Mãe velha.

Soneto X

Quais no soberbo mar Ă  nao, que cansa
Lidando c’os assaltos da onda e vento,
Os Ebálios irmãos do Etéreo assento
Lhe confirmam do porto a esperança,

Tal vossa vista ao tempo, que se alcança
Desta, que nĂŁo tem mor contentamento,
No mar de meu cuidado e meu tormento
Mil esperanças cria de bonança.

Comparação, conforme a causa, ufana,
Pois quando um me aparece, outro se esconde,
Como no CĂ©u faz ua, e outra estrela.

Iguais também no Amor, que em vós responde
Também no desamor da Irmã Troiana,
Que ambos vos conjurais em Ăłdio dela.

Soneto V

Qual Hércules estrela já mudado,
Que quando se quer pĂ´r ao tempo certo,
Cabeça e corpo todo já coberto,
Fica só pelos pés dependurado,

Tal c’ua grave dor, grave cuidado
Que o coração me tem de todo aberto,
Perdida a razão já, de meu fim perto
Me vejo agora em semelhante estado.

Mas ai! paixão penosa, que além passas,
Que este, enfim, nĂŁo Ă© sempre no CĂ©u visto,
Ainda que dos pés se ponha tarde.

E tu, como meu mal e morte traças,
És qual a mão do filho de Calisto,
Que em todo [o] tempo ao mar cintila e arde.