Sonetos sobre Cio

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Sonetos de cio escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Múmia

Múmia de sangue e lama e terra e treva,
Podridão feita deusa de granito,
Que surges dos mistérios do Infinito
Amamentada na lascívia de Eva.

Tua boca voraz se farta e ceva
Na carne e espalhas o terror maldito,
O grito humano, o doloroso grito
Que um vento estranho para és limbos leva.

Báratros, criptas, dédalos atrozes
Escancaram-se aos tétricos, ferozes
Uivos tremendos com luxúria e cio…

Ris a punhais de frígidos sarcasmos
E deve dar congélidos espasmos
O teu beijo de pedra horrendo e frio!…

Não Digo do Natal

Não digo do Natal – digo da nata
do tempo que se coalha com o frio
e nos fica branquíssima e exacta
nas mãos que não sabem de que cio

nasceu esta semente; mas que invade
esses tempos relíquidos e pardos
e faz assim que o coração se agrade
de terrenos de pedras e de cardos

por dezembros cobertos. Só então
é que descobre dias de brancura
esta nova pupila, outra visão,

e as cores da terra são feroz loucura
moídas numa só, e feitas pão
com que a vida resiste, e anda, e dura.

Nos Teus Gestos

Nos teus gestos há animais em liberdade
e o brilho doce que só têm as cerejas.
É neles que adormeço, e dos teus dedos
retiro a luz azul dos arquipélagos.

Os teus gestos são letras, sílabas, poemas.
Os teus gestos são páginas inteiras. São
a tua boca a namorar na minha boca,
o cio dos séculos a saudar o tempo.

São os teus gestos que me acordam. Gestos
que vestem o silêncio fundo das ravinas
e assinalam a água dos desertos.

Os teus gestos são música. São lume.
São a respiração do teu olhar. A seara
de espigas que ondula no meu corpo.

Estio

Saí da Primavera, entrei no Estio
Das fogosas funções da mocidade.
Nesta estação louçã da minha idade,
Entreguei-me às paixões, com desvario.

Qual cavalo rinchão, solto com cio,
Saltei desenfreado em liberdade:
Fui escravo da cega divindade
Que tem do cego mundo o senhorio.

Largos anos servi tão falso Nume;
Consagrei-lhe, servil, os sons da lira
Acesa em labaredas do seu lume.

Em câmbio de o cantar, deu-me a Mentira,
O engano, a ingratidão, o vil ciúme:
Que paga de o servir o homem tira!

Soneto Das Alturas

As minhas esquivanças vão no vento
alto do céu, para um lugar sombrio
onde me punge o descontentamento
que no mar não deságua, nem no rio.

Às mudanças me fio, sempre atento
ao que muda e perece, e ardente e frio,
e novamente ardente é no momento
em que luz o desejo, poldro em cio.

Meu corpo nada quer, mas a minh’alma
em fogos de amplidão deseja tudo
o que ultrapassa o humano entendimento.

E embora nada atinja, não se acalma
e, sendo alma, transpõe meu corpo mudo,
e aos céus pede o inefável e não o vento.