Sonetos sobre Corpo de Cruz e Souza

20 resultados
Sonetos de corpo de Cruz e Souza. Leia este e outros sonetos de Cruz e Souza em Poetris.

Exortação

Corpo crivado de sangrentas chagas,
Que atravessas o mundo soluçando,
Que as carnes vais ferindo e vais rasgando
Do fundo d’Ilusões velhas e vagas.

Grande isolado das terrestres plagas,
Que vives as Esferas contemplando,
Braços erguidos, olhos no ar, olhando
A etérea chama das Conquistas magas.

Se é de silêncio e sombra passageira,
De cinza, desengano e de poeira
Este mundo feroz que te condena,

Embora ansiosamente, amargamente
Revela tudo o que tu’alma sente
Para ela então poder ficar serena!

Anda-Me A Alma

Anda-me a alma inteira de tal sorte,
Meus gozos, meu pesar, nos dela unidos
Que os dela são também os meus sentidos,
Que o meu é também dela o mesmo norte.

Unidos corpo a corpo — um elo forte
Nos prende eternamente — e nos ouvidos
Sentimos sons iguais. Vemos floridos
Os sons do porvir, em azul coorte…

O mesmo diapasão musicaliza
Os seres de nos dois — um sol irisa
Os nossos corações — dá luz, constela…

Anda esta vida, espiritualizada
Por este amor — anda-me assim — ligada
A minha sombra com a sombra dela.

Lubricidade

Quisera ser a serpe venenosa
Que dá-te medo e dá-te pesadelos
Para envolverem, ó Flor maravilhosa,
Nos flavos turbilhões dos teus cabelos.

Quisera ser a serpe veludosa
Para, enroscada em múltiplos novelos,
Saltar-te aos seios de fluidez cheirosa
E babujá-los e depois mordê-los…

Talvez que o sangue impuro e flamejante
Do teu lânguido corpo de bacante,
Da langue ondulação de águas do Reno

Estranhamente se purificasse…
Pois que um veneno de áspide vorace
Deve ser morto com igual veneno…

Campesinas I

Camponesa, camponesa,
Ah! quem contigo vivesse
Dia e noite e amanhecesse
Ao sol da tua beleza.

Quem livre, na natureza,
Pelos campos se perdesse
E apenas em ti só cresse
E em nada mais, camponesa.

Quem contigo andasse à toa
Nas margens duma lagoa,
Por vergéis e por desertos,

Beijando-te o corpo airoso,
Tão fresco e tão perfumoso,
Cheirando a figos abertos.

Tulipa Real

Carne opulenta, majestosa, fina,
Do sol gerada nos febris carinhos,
Há músicas, há cânticos, há vinhos
Na tua estranha boca sulferina.

A forma delicada e alabastrina
Do teu corpo de límpidos arminhos
Tem a frescura virginal dos linhos
E da neve polar e cristalina.

Deslumbramento de luxúria e gozo,
Vem dessa carne o travo aciduloso
De um fruto aberto aos tropicais mormaços.

Teu coração lembra a orgia dos triclínios…
E os reis dormem bizarros e sangüíneos
Na seda branca e pulcra dos teus braços.

Ironia De Lágrimas

Junto da Morte é que floresce a Vida!
Andamos rindo junto à sepultura.
A boca aberta, escancarada, escura
Da cova é como flor apodrecida.

A Morte lembra a estranha Margarida
Do nosso corpo, Fausto sem ventura…
Ela anda em torno a toda a criatura
Numa dança macabra indefinida.

Vem revestida em suas negras sedas
E a marteladas lúgubrees e tredas
Das ilusões o eterno esquife prega.

E adeus caminhos vãos, mundos risonhos,
Lá vem a loba que devora os sonhos,
Faminta, absconsa, imponderada, cega!

Pássaro Marinho

Manhã de maio, rosas pelo prado,
Gorjeios, pelas matas verdurosas
E a luz cantando o idílio de um noivado
Por entre as matas e por entre as rosas.

Uma toilette matinal que o alado
Corpo te enflora em graças vaporosas,
Mergulhas, como um pássaro rosado,
Nas cristalinas águas murmurosas.

Dás o bom dia ao Mar nesse mergulho
E das águas salgadas ao marulho
Sais, no esplendor dos límpidos espaços.

Trazes na carne um reflorir de vinhas,
Auroras, virgens músicas marinhas,
Acres aromas de algas e sargaços!

Enclausurada

Ó Monja dos estranhos sacrifícios,
Meu amor imortal, Ave de garras
E asas gloriosas, triunfais, bizarras,
Alquebradas ao peso dos cilícios.

Reclusa flor que os mais revéis flagícios
Abalaram com as trágicas fanfarras,
Quando em formas exóticas de jarras
Teu corpo tinha a embriaguez dos vícios.

Para onde foste, ó graça das mulheres,
Graça viçosa dos vergéis de Ceres
Sem que o meu pensamento te persiga?!

Por onde eternamente enclausuraste
Aquela ideal delicadeza de haste,
De esbelta e fina ateniense antiga?!

Vinho Negro

O vinho negro do imortal pecado
Envenenou nossas humanas veias
Como fascinações de atras sereias
E um inferno sinistro e perfumado.

O sangue canta, o sol maravilhado
Do nosso corpo, em ondas fartas, cheias.
como que quer rasgar essas cadeias
Em que a carne o retém acorrentado.

E o sangue chama o vinho negro e quente
Do pecado letal, impenitente,
O vinho negro do pecado inquieto.

E tudo nesse vinho mais se apura,
Ganha outra graça, forma e formosura,
Grave beleza d’esplendor secreto.

Incensos

Dentre o chorar dos trêmulos violinos,
Por entre os sons dos órgãos soluçantes
Sobem nas catedrais os neblinantes
Incensos vagos, que recordam hinos…

Rolos d’incensos alvadios, finos
E transparentes, fulgidos, radiantes,
Que elevam-se aos espaços, ondulantes,
Em Quimeras e Sonhos diamantinos.

Relembrando turíbulos de prata
Incensos aromáticos desata
Teu corpo ebúrneo, de sedosos flancos.

Claros incensos imortais que exalam,
Que lânguidas e límpidas trescalam
As luas virgens dos teus seios brancos.

Roma Pagã

Na antiga Roma, quando a saturnal fremente
Exerceu sobre tudo o báquico domínio,
Não era raro ver nos gozos do triclínio
A nudez feminina imperiosa e quente.

O corpo de alabastro, olímpico e fulgente,
Lascivamente nu, correto e retilínio,
Num doce tom de cor, esplêndido e sangüíneo,
Tinha o assombro da came e a forma da serpente.

A luz atravessava em frocos d’oiro e rosa
Pela fresca epiderme, ebúrnea e setinosa,
Macia, da maciez dulcíssima de arminhos.

Menos raro, porém, do que a nudez romana
Era ver borbulhar, em férvida espadana
A púrpura do sangue e a púrpura dos vinhos.

Aspiração

Quisera ser a serpe astuciosa
Que te dá medo e faz-te pesadelos
Para esconder-me, ó flor luxuriosa,
Na floresta ideal dos teus cabelos.

Quisera ser a serpe venenosa
Para enroscar-me em múltiplos novelos,
Para saltar-te aos seios cor-de-rosa.
E bajulá-los e depois mordê-los.

Talvez que o sangue impuro e rutilante
Do teu divino corpo de bacante,
Sangue febril como um licor do Reno

Completamente se purificasse
Pois que um veneno orgânico e vorace
Para ser morto é bom outro veneno.

Em Sonhos

Nos Santos óleos do luar, floria
Teu corpo ideal, com o resplendor da Helade…
E em toda a etérea, branda claridade
Como que erravam fluidos de harmonia…

As Águias imortais da Fantasia
Deram-te as asas e a serenidade
Para galgar, subir a Imensidade
Onde o clarão de tantos sóis radia.

Do espaço pelos límpidos velinos
Os Astros vieram claros, cristalinos,
Com chamas, vibrações, do alto, cantando…

Nos santos óleos do luar envolto
Teu corpo era o Astro nas esferas solto,
Mais Sóis e mais Estrelas fecundando!

Serpente De Cabelos

A tua trança negra e desmanchada
Por sobre o corpo nu, torso inteiriço,
Claro, radiante de esplendor e viço,
Ah! lembra a noite de astros apagada.

Luxúria deslumbrante e aveludada
Através desse mármore maciço
Da carne, o meu olhar nela espreguiço
Felinamente, nessa trance ondeada.

E fico absorto, num torpor de coma,
Na sensação narcótica do aroma,
Dentre a vertigem túrbida dos zeros.

És a origem do Mal, és a nervosa
Serpente tentadora e tenebrosa,
Tenebrosa serpente de cabelos!…

Entre Chamas

Sonhei que de astros no Infinito presa
Vagavas, brandamente adormecida,
Nas chamas siderais resplandecida,
A carne, em chamas, no Infinito, acesa…

E eu pasmava de encanto e de surpresa
Vendo a constelação indefinida
Da tua carne flamejando vida,
Dentre os íris radiantes da beleza…

E o teu corpo, nas chamas palpitando,
Os astros em redor maravilhando,
Por entre a auréola dos clarões cantava…

Então, de sonho em sonho, absorto, mudo,
Eu senti alastrar, vibrar por tudo
Toda a infinita sensação da lava!…

Deusa Serena

Espiritualizante Formosura
Gerada nas Estrelas impassíveis,
Deusa de formas bíblicas, flexíveis,
Dos eflúvios da graça e da ternura.

Açucena dos vales da Escritura,
Da alvura das magnólias marcessíveis,
Branca Via-Láctea das indefiníveis
Brancuras, fonte da imortal brancura.

Não veio, é certo, dos pauis da terra
Tanta beleza que o teu corpo encerra,
Tanta luz de luar e paz saudosa…

Vem das constelações, do Azul do Oriente,
Para triunfar maravilhosamente
Da beleza mortal e dolorosa!

Mudez Perversa

Que mudez infernal teus lábios cerra
Que ficas vago, para mim olhando,
Na atitude de pedra, concentrando
No entanto, n’alma, convulsões de guerra!

A mim tal fel essa mudez encerra,
Tais demônios revéis a estão forjando
Que antes te visse morto, desabando
Sobre o teu corpo grossas pás de terra.

Não te quisera nesse atroz e sumo
Mutismo horrível que não gera nada,
Que não diz nada, não tem fundo e rumo.

Mutismo de tal dor desesperada,
Que quando o vou medir com o estranho prumo
Da alma fico com a alma alucinada!

Beleza Morta

De leve, louro e enlanguescido helianto
Tens a flórea dolência contristada…
Há no teu riso amargo um certo encanto
De antiga formosura destronada.

No corpo, de um letárgico quebranto,
Corpo de essência fina, delicada,
Sente-se ainda o harmonioso canto
Da carne virginal, clara e rosada.

Sente-se o canto errante, as harmonias
Quase apagadas, vagas, fugidias
E uns restos de clarão de Estrela acesa…

Como que ainda os derradeiros haustos
De opulências, de pompas e de faustos,
As relíquias saudosas da beleza.

Metempsicose

Agora, já que apodreceu a argila
Do teu corpo divino e sacrossanto;
Que embalsamaram de magoado pranto
A tua carne, na mudez tranqüila,

Agora, que nos Céus, talvez, se asila
Aquela graça e luminoso encanto
De virginal e pálido amaranto
Entre a Harmonia que nos Céus desfila.

Que da morte o estupor macabro e feio
Congelou as magnólias do teu seio,
Por entre catalépticas visões…

Surge, Bela das Belas, na Beleza
Do transcendentalismo da Pureza,
Nas brancas, imortais Ressurreições!

Corpo

VII

Pompas e pompas, pompas soberanas
Majestade serene da escultura
A chama da suprema formosura,
A opulência das púrpuras romanas.

As formas imortais, claras e ufanas,
Da graça grega, da beleza pura,
Resplendem na arcangélica brancura
Desse teu corpo de emoções profanas.

Cantam as infinitas nostalgias,
Os mistérios do Amor, melancolias,
Todo o perfume de eras apagadas…

E as águias da paixão, brancas, radiantes,
Voam, revoam, de asas palpitantes,
No esplendor do teu corpo arrebatadas!