Bem Mostrou o Pintor Estilo Agudo
Bem mostrou o pintor estilo agudo
No retrato, senhora, que vos mando,
Pois nĂŁo sĂł o parecer foi retratando,
Mas os efeitos com mais alto estudo.Se vai mudo ante vĂłs, eu fico mudo;
Se surdo, e cego, bem cego, e surdo ando;
Se morto, a vida vai-se-me acabando;
Em fim que vai conforme a mim em tudo.Mas na ventura fica avantajado,
Que vai (com gosto vosso) Ă vossa mĂŁo,
Onde será melhor visto, e tratado:Mercês, que se deviam por razão
Ao prĂłprio original, porque o traslado
Não vê, nem sente de que preço são.
Sonetos de Diogo Bernardes
4 resultadosRetrato da Beleza Nova e Pura
Retrato da beleza nova e pura
Que com divina mĂŁo, divino engenho,
Amor retratou na alma, onde vos tenho
Das injĂşrias do tempo mais segura,NĂŁo mostreis aspereza em tal brandura,
Por vos vingar de mim, vendo que venho
a tanta confiança, que detenho
Os olhos em tamanha formosura.O resplendor do Céu, sem dar mais pena
A quem olha seus raios em direito,
A vista só por breve espaço assombra,Mas vossa luz mais clara, mais serena,
Juntamente me cega, e abrasa o peito:
Vede o Sol que fará, de que sois sombra!
Da Vossa Vista a Minha Vida Pende
Da vossa vista a minha vida pende,
Maior bem para mim nĂŁo pode ser
Que ver-vos, mas nĂŁo ouso de vos ver;
Que vosso alto respeito mo defende.O meu amor, que o vosso sĂł pretende,
Receio que se venha a conhecer,
Nos olhos, que mal podem esconder
O desejo, dum peito que se rende.Por vós a tal estremo d’Amor venho,
Que com força resisto a meu desejo,
Porque nada de mim vos descontente.Mas neste mal, senhora, este bem tenho,
Que sempre tal, qual sois, n’alma vos pinto
Sem dar que ver, nem que falar Ă gente.
Onde Porei Meus Olhos que nĂŁo Veja
Onde porei meus olhos que nĂŁo veja
A causa, donde nasce meu tormento?
A que parte irei co pensamento
Que pera descansar parte me seja?já sei como s’engana quem deseja,
Em vĂŁo amor firme contentamento,
De que, nos gostos seus, que sĂŁo de vento,
Sempre falta seu bem, seu mal sobeja.Mas inda, sobre claro desengano,
Assim me traz est’alma sogigada,
Que dele está pendendo o meu desejo;E vou de dia em dia, de ano em ano,
ApĂłs um nĂŁo sei quĂŞ, apĂłs um nada,
Que, quanto mais me chego, menos vejo.