Sonetos Exclamativos de Cruz e Souza

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Quando Apareces, Fica-Se Impassível

Quando apareces, fica-se impassível
E mudo e quedo, trêmulo, gelado!…
Quer-se ficar com atenção, calado,
Quer-se falar sem mesmo ser possível!.

Anda-se c’o a alma n’um estado horrível
O coração completamente ervado!…
Quer-se dar palmas, mas sem ser notado,
Quer-se gritar, n’uma explosão temível!…

Sobe-se e desce-se ao país das fadas,
Vaga-se co’as nuvens das mansões douradas
Sob um esforço colossal, titânico!…

E as idéias galopando voam…
Então lá dentro sem parar, ressoam
As indomáveis convulsões do crânio!!…

Réquiem Do Sol

Águia triste do Tédio, sol cansado,
Velho guerreiro das batalhas fortes!
Das ilusões as trêmulas coortes
Buscam a luz do teu clarão magoado…

A tremenda avalanche do Passado
Que arrebatou tantos milhões de mortes
Passa em tropel de trágicos Mavortes
Sobre o teu coração ensangüentado…

Do alto dominas vastidões supremas
Águia do Tédio presa nas algemas
Da Legenda imortal que tudo engelha…

Mas lá, na Eternidade, de onde habitas,
Vagam finas tristezas infinitas,
Todo o mistério da beleza velha!

Único Remédio

Como a chama que sobe e que se apaga
Sobem as vidas a espiral de Inferno.
O desespero é como o fogo eterno
Que o campo quieo em convulções alaga…

Tudo é veneno, tudo cardo e praga!
E al almas que têm sede de falerno
Bebem apenas o licor moderno
Do tédio pessimista que as esmaga.

Mas a Caveira vem se aproximando,
Vem exótica e nua, vem dançando,
No estrambotismo lúgubre vem vindo.

E tudo acaba então no horror insano –
– Desespero do Inferno e tédio humano –
Quando, d’esguelha, a Morte surge, rindo…

Cristo

Cristo morreu, ó tristes criaturas,
Era matéria como vós, morreu;
E quando a noite sepulcral desceu
Gelou com ele o oceano das ternuras.

Nunca outro sol de irradiações mais puras
Subiu tão alto e tanto resplendeu,
Nunca ninguém tão firme combateu
Da humanidade todas as torturas.

Morreu, que se ele, o Deus, ressuscitasse,
Limpa de sangue e lágrimas a face,
Os seus olhos tranqüilos, virginais,

Dons inefáveis, corações piedosos,
Tinham de abrir-se muito dolorosos,
Também chorando quando vós chorais!

To Sleep, To Dream

Dormir, sonhar — o poeta inglês o disse…
Ah! Mas se a gente nunca mais sonhasse
Ah! Mas se a gente nunca mais dormisse
E a ilusões não mais acalentasse?

E o que importava que o futuro risse
De um visionário que tal cousa ideasse;
Se não seria o único que abrisse
Uma exceção da vida humana à face?…

Se os imortais filósofos modernos
Que derrubaram todos os infernos,
Que destruíram toda a teogonia.

Orientando a triste humanidade,
Deixaram, mais e mais, a piedade
Inteiramente desolada e fria?

Colar De Pérolas

A F’licidade é um colar de pérolas,
Pérolas caras, de valor pujante,
Belas estrofes de Petrarca e Dante
Mais cintilantes que as manhãs mais cérulas.

Para que enfim esse colar bendito,
Perdure sempre, inteiramente egrégio,
Como uma tela do pintor Correggio,
Sem resvalar no lodaçal maldito:

Faz-se preciso umas paixões bem retas,
Cheias de uns tons de muito sol — completas…
Faz-se preciso que do amor na febre,

Nos grandes lances de vigor preclaro,
Desse colar esplendoroso e raro,
Nem uma pérola, uma só se quebre!…

Inefável!

Nada há que me domine e que me vença
Quando a minh’alma mudamente acorda…
Ela rebenta em flor, ela transborda
Nos alvoroços da emoção imensa.

Sou como um Réu de celestial Sentença,
Condenado do Amor, que se recorda
Do Amor e sempre no Silêncio borda
D’estrelas todo o céu em que erra e pensa.

Claros, meus olhos tornam-se mais claros
E tudo vejo dos encantos raros
E de outra mais serenas madrugadas!

todas as vozes que procuro e chamo
Ouço-as dentro de mim, porque eu as amo
Na minh’alma volteando arrebatadas!

O Assinalado

Tu és o louco da imortal loucura,
O louco da loucura mais suprema.
A Terra é sempre a tua negra algema,
Prende-te nela a extrema Desventura.

Mas essa mesma algema de amargura,
Mas essa mesma Desventura extrema
Faz que tu’alma suplicando gema
E rebente em estrelas de ternura.

Tu és o Poeta, o grande Assinalado
Que povoas o mundo despovoado,
De belezas etrenas, pouco a pouco…

Na Natureza prodigiosa e rica
Toda a audácia dos nervos justifica
Os teus espasmos imortais de louco!

Asas Abertas

As asas da minh’alma estão abertas!
Podes te agasalhar no meu Carinho,
Abrigar-te de frios no meu Ninho
Com as tuas asas trêmulas, incertas.

Tu’alma lembra vastidões desertas
Onde tudo é gelado e é só espinho.
Mas na minh’alma encontrarás o Vinho
e as graças todas do Conforto certas.

Vem! Há em mim o eterno Amor imenso
Que vai tudo florindo e fecundando
E sobe aos céus como sagrado incenso.

Eis a minh’alma, as asas palpitando
Com a saudade de agitado lenço
o segredo dos longes procurando…

Almas Indecisas

Almas ansiosas, trêmulas, inquietas,
Fugitivas abelhas delicadas
Das colméias de luz das alvoradas,
Almas de melancólicos poetas.

Que dor fatal e que emoções secretas
vos tornam sempre assim desconsoladas,
Na pungência de todas as espadas,
Na dolência de todos os ascetas?!

Nessa esfera em que andais, sempre indecisa,
Que tormento cruel vos nirvaniza,
Que agonias titânicas são estas?!

Por que não vindes, Almas imprevistas,
Para a missão das límpidas Conquistas
E das augustas, imortais Promessas?!

Coração Confiante

O coração que sente vai sozinho,
Arrebatado, sem pavor, sem medo…
Leva dentro de si raro segredo
Que lhe serve de guia no Caminho.

Vai no alvoroço, no celeste vinho
Da luz os bosques acordando cedo,
Quando de cada trêmulo arvoredo
Parte o sonoro e matinal carinho.

E o Coração vai nobre e vai confiante,
Festivo como a flâmula radiante
Agitada bizarra pelos ventos…

Vai palpitando, ardente, emocionado
O velho Coração arrebatado,
Prerso por loucos arrebatamentos!

Triunfo Supremo

Quem anda pelas lágrimas perdido,
Sonâmbulo dos trágicoa flagelos,
É quem deixou para sempre esquecido
O mundo e os fúteis ouropéis mais belos!

É quem ficou no mundo redimido,
Expurgado dos vícios mais singelos
E disse a tudo o adeus indefinido
E desprendeu-se dos carnais anelos!

É quem entrou por todas as batalhas
As mãos e os pés e o flanco ensangüentado,
Amortalhado em todas as mortalhas.

Quem florestas e mares foi rasgando
E entre raios, pedradas e metralhas,
Ficou gemendo mas ficou sonhando!

Campesinas VII

Engrinaldada de rosas,
Surge a manhã pitoresca…
Que linda aquarela fresca
Nas veigas deliciosas!

Que bom gosto e perfumosas
Frutas traz, madrigalesca
A rapariga tudesca
Que vem das searas cheirosas!

Como os rios vão cantando,
Em sons de prata, ondulando,
Abaixo pelos marnéis!

Que carícia nas verduras,
Que vigor pelas culturas,
Que de ouro pelos vergéis!

Claro E Escuro

Dentro — os cristais dos tempos fulgurantes,
Músicas, pompas, fartos esplendores,
Luzes, radiando em prismas multicores,
Jarras formosas, lustres coruscantes,

Púrpuras ricas, galas flamejantes,
Cintilações e cânticos e flores;
Promiscuamente férvidos odores,
Mórbidos, quentes, finos, penetrantes.

Por entre o incenso, em límpida cascata,
Dos siderais turíbulos de prata,
Das sedas raras das mulheres nobres;

Clara explosão fantástica de aurora,
Deslumbramentos, nos altares! — Fora,
Uma falange intérmina de pobres.

Mudez Perversa

Que mudez infernal teus lábios cerra
Que ficas vago, para mim olhando,
Na atitude de pedra, concentrando
No entanto, n’alma, convulsões de guerra!

A mim tal fel essa mudez encerra,
Tais demônios revéis a estão forjando
Que antes te visse morto, desabando
Sobre o teu corpo grossas pás de terra.

Não te quisera nesse atroz e sumo
Mutismo horrível que não gera nada,
Que não diz nada, não tem fundo e rumo.

Mutismo de tal dor desesperada,
Que quando o vou medir com o estranho prumo
Da alma fico com a alma alucinada!

Cogitação

Ah! mas então tudo será baldado?!
Tudo desfeito e tudo consumido?!
No Ergástulo d’ergástulos perdido
Tanto desejo e sonho soluçado?!

Tudo se abismará desesperado,
Do desespero do Viver batido,
Na convulsão de um único Gemido
Nas entranhas da Terra concentrado?!

nas espirais tremendas dos suspiros
A alma congelará nos grandes giros,
Ratejará e rugirá rolando?!

Ou entre estranhas sensações sombrias,
Melancolias e melancolias,
No eixo da alma de Hamlet irá girando?!

Alma Solitária

Ó alma doce e triste e palpitante!
Que cítaras soluçam solitárias
Pelas Regiões longínquas, visionárias
Do teu Sonho secreto e fascinante!

Quantas zonas de luz purificante,
Quantos silêncios, quantas sombras várias
De esferas imortais imaginárias
Falam contigo, ó Alma cativante!

Que chama acende os teus faróis noturnos
E veste os teus mistériosa taciturnos
Dos esplendores do arco de aliança?

Por que és assim, melancolicamente,
Como um arcanjo infante, adolescente,
Esquecido nos vales da Esperança?!

Majestade Caída

Esse cornóide deus funambulesco
Em torno ao qual as Potestades rugem,
Lembra os trovões, que tétricos estrugem,
No riso alvar de truão carnavalesco.

De ironias o momo picaresco
Abre-lhe a boca e uns dentes de ferrugem,
Verdes gengivas de ácida salsugem
Mostra e parece um Sátiro dantesco.

Mas ninguém nota as cóleras horríveis,
Os chascos, os sarcasmos impassíveis
Dessa estranha e tremenda Majestade.

Do torvo deus hediondo, atroz, nefando,
Senil, que embora, rindo, está chorando
Os Noivados em flor da Mocidade!

Vão Arrebatamento

Partes um dia das Curiosidades
Do teu ser singular, partes em busca
De alamas irmãs, cujo esplendor ofusca
As celestes, divinas claridades.

Rasgas terras e céus, imensidades,
Dos perigos da Vida a vaga brusca,
Queima-te o sol que na Amplidão corusca
E consola-te a lua das saudades.

Andas por toda a parte, em toda a parte
A sedução das almas a falar-te,
Como da Terra luminosos marcos.

E a sorrir e a gemer e soluçando
Ah! Sempre em busca de almas vais andando
Mas em vez delas encontrando charcos!

Minh’alma Está Agora Penetrando

Minh’alma está agora penetrando
Lá na etérea plaga, cristalina!
Que música meu Deus febril, divina
Nos páramos azuis vai retumbando!

Além, d’áureo dossel se está rasgando
Custosa, de primor, esmeraldina
Diáfana, sutil, longa cortina
Enquanto céus se vão duplando!

Em grande pedestal marmorizado
De Paiva se divisa o busto enorme
Soberbo como o sol, de luz croado

De um lado o porvir — Antheu disforme
Dos lábios faz soltar pujante brado
Hosanas! não morreu! apenas dorme.