Passagens sobre Sede

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Frases sobre sede, poemas sobre sede e outras passagens sobre sede para ler e compartilhar. Leia as melhores citações em Poetris.

Esta é a Cidade

Esta é a Cidade, e é bela.
Pela ocular da janela
foco o sémen da rua.
Um formigueiro se agita,
se esgueira, freme, crepita,
ziguezagueia e flutua.

Freme como a sede bebe
numa avidez de garganta,
como um cavalo se espanta
ou como um ventre concebe.

Treme e freme, freme e treme,
friorento voo de libélula
sobre o charco imundo e estreme.
Barco de incógnito leme
cada homem, cada célula.
É como um tecido orgânico
que não seca nem coagula,
que a si mesmo se estimula
e vai, num medido pânico.

Aperfeiçoo a focagem.
Olho imagem por imagem
numa comoção crescente.
Enchem-se-me os olhos de água.
Tanto sonho! Tanta mágoa!
Tanta coisa! Tanta gente!
São automóveis, lambretas,
motos, vespas, bicicletas,
carros, carrinhos, carretas,
e gente, sempre mais gente,
gente, gente, gente, gente,
num tumulto permanente
que não cansa nem descança,
um rio que no mar se lança
em caudalosa corrente.

Tanto sonho! Tanta esperança!
Tanta mágoa! Tanta gente!

Nesse mundo, vive-se apenas de prepotência. Se não quiseres ou não a souberes aplicar, os outros hão-de aplicá-la sobre ti. Sede, portanto, prepotentes. O mesmo digo da impostura.

É terrível morrer de sede no mar. Porque haveis então de salgar a vossa verdade de modo a que não – mate já a sede?

Bicarbonato de Soda

Súbita, uma angústia…
Ah, que angústia, que náusea do estômago à alma!
Que amigos que tenho tido!
Que vazias de tudo as cidades que tenho percorrido!
Que esterco metafísico os meus propósitos todos!

Uma angústia,
Uma desconsolação da epiderme da alma,
Um deixar cair os braços ao sol-pôr do esforço…
Renego.
Renego tudo.
Renego mais do que tudo.
Renego a gládio e fim todos os Deuses e a negação deles.
Mas o que é que me falta, que o sinto faltar-me no estômago e na
circulação do sangue?
Que atordoamento vazio me esfalfa no cérebro?

Devo tomar qualquer coisa ou suicidar-me?
Não: vou existir. Arre! Vou existir.
E-xis-tir…
E–xis–tir …

Meu Deus! Que budismo me esfria no sangue!
Renunciar de portas todas abertas,
Perante a paisagem todas as paisagens,

Sem esperança, em liberdade,
Sem nexo,
Acidente da inconsequência da superfície das coisas,
Monótono mas dorminhoco,
E que brisas quando as portas e as janelas estão todas abertas!
Que verão agradável dos outros!

Dêem-me de beber, que não tenho sede!

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Hoje eu queria alguém que me dissesse que eu não precisava me preocupar, um ombro, uma mão. Desculpe tanta sede, tanta insatisfação. Amanhã, amanhã recomeço. Te espero, te gosto, te beijo.

Amigo

1.
Amigo, toma para ti o que quiseres,
passeia o teu olhar pelos meus recantos,
e se assim o desejas, dou-te a alma inteira,
com suas brancas avenidas e canções.

2.
Amigo – faz com que na tarde se desvaneça
este inútil e velho desejo de vencer.

Bebe do meu cântaro se tens sede.

Amigo – faz com que na tarde se desvaneça
este desejo de que todas as roseiras
me pertençam.

Amigo,
se tens fome come do meu pão.

3.
Tudo, amigo, o fiz para ti. Tudo isto
que sem olhares verás na minha casa vazia:
tudo isto que sobe pelo muros direitos
– como o meu coração – sempre buscando altura.

Sorris-te – amigo. Que importa! Ninguém sabe
entregar nas mãos o que se esconde dentro,
mas eu dou-te a alma, ânfora de suaves néctares,
e toda eu ta dou… Menos aquela lembrança…

… Que na minha herdade vazia aquele amor perdido
é uma rosa branca que se abre em silêncio…

Tradução de Rui Lage

Tu Ensinaste-me a Fazer uma Casa

Tu ensinaste-me a fazer uma casa:
com as mãos e os beijos.
Eu morei em ti e em ti meus versos procuraram
voz e abrigo.
E em ti guardei meu fogo e meu desejo. Construí
a minha casa.
Porém não sei já das tuas mãos. Os teus lábios perderam-se
entre palavras duras e precisas
que tornaram a tua boca fria
e a minha boca triste como um cemitério de beijos.

Mas recordo a sede unindo as nossas bocas
mordendo o fruto das manhãs proibidas
quando as nossas mãos surgiam por detrás de tudo
para saudar o vento.

E vejo teu corpo perfumando a erva
e os teus cabelos soltando revoadas de pássaros
que agora se recolhem, quando a noite se move,
nesta casa de versos onde guardo o teu nome.

Da Liberdade

A: Eis uma bateria de canhões que atira junto aos nossos ouvidos; tendes a liberdade de ouvi-la e de a não ouvir?
B: É claro que não posso evitar ouvi-la.
A: Desejaríeis que esse canhão decepasse a vossa cabeça e as da vossa mulher e da vossa filha que estivessem convosco?
B: Que espécie de proposição me fazeis? Eu jamais poderia, no meu são juízo, desejar semelhante coisa. Isso é-me impossível.
A: Muito bem; ouvis necessariamente esse canhão e, também necessariamente, não quereis morrer, vós e a vossa família, de um tiro de canhão; não tendes nem o poder de não o ouvir nem o poder de querer permanecer aqui.
B: Isso é evidente.
A: Em consequência, destes uma trintena de passos a fim de vos colocardes ao abrigo do canhão: tivestes o poder de caminhar comigo estes poucos passos?
B: Nada mais verdadeiro.
A: E se fôsseis paralítico? Não teríeis podido evitar ficar exposto a essa bateria; não teríeis o poder de estar onde agora estais: teríeis então necessariamente ouvido e recebido um tiro de canhão e necessariamente estaríeis morto?
B: Nada mais claro.
A: Em que consiste, pois,

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O amor é uma fonte cristalina de onde brota o líquido que sacia o corpo e energiza a alma. Quem, uma vez, provar a água da paixão, enquanto viver terá sede!

O Verão

Estás no verão,
num fio de repousada água, nos espelhos perdidos sobre
a duna.
Estás em mim,
nas obscuras algas do meu nome e à beira do nome
pensas:
teria sido fogo, teria sido ouro e todavia é pó,
sepultada rosa do desejo, um homem entre as mágoas.
És o esplendor do dia,
os metais incandescentes de cada dia.
Deitas-te no azul onde te contemplo e deitada reconheces
o ardor das maçãs,
as claras noções do pecado.
Ouve a canção dos jovens amantes nas altas colinas dos
meus anos.
Quando me deixas, o sol encerra as suas pérolas, os
rituais que previ.
Uma colmeia explode no sonho, as palmeiras estão em
ti e inclinam-se.
Bebo, na clausura das tuas fontes, uma sede antiquíssima.
Doce e cruel é setembro.
Dolorosamente cego, fechado sobre a tua boca.

Soneto XXI

As Relíquias de S. Cruz de Coimbra

Aquela Águia gentil de vista estranha
A Cristo viu, co’ a mão de estrelas chea,
Solícito, qual anda o que semea
C’os olhos longos no que ao longe apanha.

Lavrador foi no mundo, e com tamanha
Sede que inda de lá fruito granjea.
Mas ai Senhor, em terra e triste area,
Mal estrelas se dão, pouco se ganha.

Bem sabe Cristo o que semea, e onde:
As vivas mortes são de mortas vidas
(Que hoje neste sagrado templo esconde)

Estrelas, que de carne estão vistidas.
A quem semea seu valor responde,
E bem, donde as semea merecidas.

Todo o Amor em Nosso Amor se Encerra

Minha moça selvagem, tivemos
que recuperar o tempo
e caminhar para trás, na distância
das nossas vidas, beijo a beijo,
retirando de um lugar o que demos
sem alegria, descobrindo noutro
o caminho secreto
que aproximava os teus pés dos meus,
e assim tornas a ver
na minha boca a planta insatisfeita
da tua vida estendendo as raízes
para o meu coração que te esperava.
E entre as nossas cidades separadas
as noites, uma a uma,
juntam-se à noite que nos une.
Tirando-as do tempo, entregam-nos
a luz de cada dia,
a sua chama ou o seu repouso,
e assim se desenterra
na sombra ou na luz nosso tesouro,
e assim beijam a vida os nossos beijos:
todo o amor em nosso amor se encerra:
toda a sede termina em nosso abraço.
Aqui estamos agora frente a frente,
encontrámo-nos,
não perdemos nada.
Percorremo-nos lábio a lábio,
mil vezes trocámos
entre nós a morte e a vida,
tudo o que trazíamos
quais mortas medalhas
atirámo-lo ao fundo do mar,
tudo o que aprendemos
de nada serviu:
começámos de novo,

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Quando temos sede parece-nos que poderíamos beber todo um oceano: é a fé; e quando bebemos, bebemos um copo ou dois: é a ciência.

Alma Humana, Formada de Coisa Nenhuma

Anjo:

Alma humana, formada
de nenhüa cousa, feita
mui preciosa,
de corrupção separada,
e esmaltada
naquela frágoa perfeita,
gloriosa;
planta neste vale posta
pera dar celestes flores
olorosas,
e pera serdes tresposta
em a alta costa
onde se criam primores
mais que rosas;

planta sois e caminheira,
que ainda que estais, vos is
donde viestes.
Vossa pátria verdadeira
é ser herdeira
da glória que conseguis:
andai prestes.
Alma bem-aventurada,
dos anjos tanto querida,
não durmais;
um ponto não esteis parada,
que a jornada
muito em breve é fenecida,
se atentais.

(…)

Adianta-se o Anjo, e vem o Diabo a ela [Alma], e diz o Diabo:

Tão depressa, ó delicada,
alva pomba, pera onde is?
Quem vos engana,
e vos leva tão cansada
por estrada,
que somente não sentis
se sois humana?
Não cureis de vos matar,
que ainda estais em idade
de crecer.
Tempo há i pera folgar
e caminhar…
Vivei à vossa vontade,

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