O mal de quem apaga as estrelas é não se lembrar de que não é com candeias que se ilumina a vida.
Frases de Miguel Torga
84 resultadosA intimidade desta vida de aldeia é um espectáculo ao mesmo tempo repugnante e maravilhoso. Estrume da cabeça aos pés. Entre o porco e o dono não há destrinça. Mas, ao cabo, esta animalidade toda, de tão natural, acaba por ser pura e limpa como a bosta de boi.
Em Portugal, as pessoas são imbecis ou por vocação, ou por coacção, ou por devoção.
Muito grande e muito belo é um homem quando se despe e se mostra todo! O que nos degrada, diminui e apouca, não é sermos pequenos; é não termos dos nossos defeitos a consciência inteira. Sermos somíticos e não nos apercebermos disso; sermos burros, e não darmos conta; gostarmos da «Viúva Alegre», e andarmos convencidos de que gostamos de Stravinski.
Em termos absolutos, o homem é um valor imponderável, inteiro e perfeito como um dogma. Mas em termos relativos, sociais, o homem é o que vale para os seus semelhantes. E é na contradição de medida que vai de próximo a próximo que consiste o drama de ninguém conseguir ser ao mesmo tempo amado em Tebas e Atenas.
Liberdade é disciplina, consciência e auto-limitação. (…) Mas vamos juntar-lhe actualidade, técnica, e um conceito mais humano e dialéctico de encarar os problemas. Teremos a nossa ordem, que não há-de precisar de pistolas da ordenança, e teremos as nossas realizações. Desejamos coisas simples e possíveis.
Estes meus contemporâneos lembram-me certos arbustos que nascem no côncavo de uma rocha, onde só uma rasa de terra é o possível pasto de qualquer avidez. Vivem de vagar, cautelosamente, não vá uma raiz mais imprudente consumir numa hora o que há-de ser comido em oitenta anos.
O mal é ninguém ter ainda percebido que o problema para mim consiste apenas em saber de que lado estão os valores da vida. Se os meus valores estivessem trocados, e eu o percebesse, seria eu o primeiro a destrocá-los. Mas não vejo que estejam. E não mudo.
Enchi com frequência uma página de lamúrias, quando na verdade estava cheio de força e de alegria.
A rádio foi para a música o que o jornalismo foi para a literatura. Da mesma maneira que não há Cervantes que resista entre duas colunas de uma gazeta, não há Beethoven que se aguente entre dois fados da Mouraria.
Que belo é ter um amigo! Ontem eram ideias contra ideias. Hoje é este fraterno abraço a afirmar que acima das ideias estão os homens. Um sol tépido a iluminar a paisagem de paz onde esse abraço se deu, forte e repousante. Que belo e que natural é ter um amigo!
O mundo é uma realidade universal, desarticulada em biliões de realidades individuais.
O poeta é um rebelde que sabe que a poesia só subverte porque transfigura.
O que é pena é que neste areal da vida, onde cada um segue o seu caminho, não haja nem tolerância nem humildade para respeitar o norte que o vizinho escolheu.
Como a gente se perde! A linguagem que o meu sangue entende — é esta. A comida que o meu estômago deseja — é esta. O chão que os meus pés sabem pisar — é este. E, contudo, eu não sou já daqui. Pareço uma destas árvores que se transplantam, que têm má saúde no país novo, mas que morrem se voltam à terra natal.
É espantosa a tendência do português para a promiscuidade! Chega a umas termas, senta-se, volta-se para o vizinho da direita e, sem dizer água-vai, conta-lhe a vida.
A vida à beira-mar, para um escritor, tem a desvantagem de o fazer esquecer o mundo. É tão absorvente e tão embalador este ritmo contínuo das ondas, que se perde a memória do resto.
O que sou toda a gente é capaz de ver; Mas o que ninguém é capaz de imaginar é até onde sou e como.
As ideias são como as plantas: têm o seu clima e a sua terra. Por mais que se diga, o eucalipto será sempre exótico na paisagem portuguesa.
Quando um homem tem dentro de si uma verdade que quer ouvidos, até peixes lhe servem para auditório. Santo António que o diga…