Sonetos sobre Ferro

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Sonetos de ferro escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Benedicite

Bendito o que na terra o fogo fez, e o teto
E o que uniu Ă  charrua o boi paciente e amigo;
E o que encontrou a enxada; e o que do chĂŁo abjeto,
Fez aos beijos do sol, o oiro brotar, do trigo;

E o que o ferro forjou; e o piedoso arquiteto
Que ideou, depois do berço e do lar, o jazigo;
E o que os fios urdiu e o que achou o alfabeto;
E o que deu uma esmola ao primeiro mendigo;

E o que soltou ao mar a quilha, e ao vento o pano,
E o que inventou o canto e o que criou a lira,
E o que domou o raio e o que alçou o aeroplano…

Mas bendito entre os mais o que no dĂł profundo,
Descobriu a Esperança, a divina mentira,
Dando ao homem o dom de suportar o mundo!

Em Prisões Baixas Fui Um Tempo Atado

Em prisões baixas fui um tempo atado,
vergonhoso castigo de meus erros;
inda agora arrojando levo os ferros
que a Morte, a meu pesar, tem já quebrado.

Sacrifiquei a vida a meu cuidado,
que Amor nĂŁo quer cordeiros, nem bezerros;
vi mágoas, vi misérias, vi desterros:
parece me que estava assi ordenado.

Contentei me com pouco, conhecendo
que era o contentamento vergonhoso,
sĂł por ver que cousa era viver ledo.

Mas minha estrela, que eu já’gora entendo,
a Morte cega, e o Caso duvidoso,
me fizeram de gostos haver medo.

Aquela Que, De Pura Castidade

Aquela que, de pura castidade,
de si mesma tomou cruel vingança
por üa breve e súbita mudança,
contrária a sua honra e qualidade

(venceu Ă  fermosura a honestidade,
venceu no fim da vida a esperança
porque ficasse viva tal lembrança,
tal amor, tanta fé, tanta verdade!),

de si, da gente e do mundo esquecida,
feriu com duro ferro o brando peito,
banhando em sangue a força do tirano.

[Oh!] estranha ousadia ! estranho feito !
Que, dando breve morte ao corpo humano,
tenha sua memĂłria larga vida!

Canção da Partida

Ao meu coração um peso de ferro
Eu hei de prender na volta do mar.
Ao meu coração um peso de ferro… Lançá-lo ao mar.
Quem vai embarcar, que vai degredado,

As penas do amor nĂŁo queira levar…
Marujos, erguei o cofre pesado, Lançai-o ao mar.
E hei de mercar um fecho de prata.
O meu coração é o cofre selado.

A sete chaves: tem dentro uma carta…
_ A Ăşltima, de antes do teu noivado.
A sete chaves, _ a carta encantada!

E um lenço bordado… Esse hei de o levar,
Que é para o molhar na água salgada
No dia em que enfim deixar de chorar.

A Casa Da Rua AbĂ­lio

A casa que foi minha, hoje Ă© casa de Deus.
Traz no topo uma cruz. Ali vivi com os meus,
Ali nasceu meu filho; ali, sĂł, na orfandade
Fiquei de um grande amor. Às vezes a cidade

Deixo e vou vĂŞ-la em meio aos altos muros seus.
Sai de lá uma prece, elevando-se aos céus;
SĂŁo as freiras rezando. Entre os ferros da grade,
Espreitando o interior, olha a minha saudade.

Um sussurro também, como esse, em sons dispersos,
Ouvia não há muito a casa. Eram meus versos.
De alguns talvez ainda os ecos falaram,

E em seu surto, a buscar o eternamente belo,
Misturados Ă  voz das monjas do Carmelo,
Subirão até Deus nas asas da oração.

Quantas vezes, Amor, me tens ferido?

Quantas vezes, Amor, me tens ferido?
Quantas vezes, RazĂŁo, me tens curado?
Quão fácil de um estado a outro estado
O mortal sem querer Ă© conduzido!

Tal, que em grau venerando, alto e luzido,
Como que até regia a mão do fado,
Onde o Sol, bem de todos, lhe Ă© vedado,
Depois com ferros vis se vĂŞ cingido:

Para que o nosso orgulho as asas corte,
Que variedade inclui esta medida,
Este intervalo da existĂŞncia Ă  morte!

Travam-se gosto, e dor; sossego e lida;
É lei da natureza, é lei da sorte,
Que seja o mal e o bem matiz da vida.

Na Tebaida

Chegas, com os olhos Ăşmidos, tremente
A voz, os seios nus, como a rainha
Que ao ermo frio da Tebaida vinha
Trazer a tentação do amor ardente.

Luto: porém teu corpo se avizinha
Do meu, e o enlaça como uma serpente..
Fujo: porém a boca prendes, quente,
Cheia de beijos, palpitante, Ă  minha…

Beija mais, que o teu beijo me incendeia!
Aperta os braços mais! que eu tenha a morte,
Preso nos laços de prisão tão doce!

Aperta os braços mais, frágil cadeia
Que tanta força tem não sendo forte,
E prende mais que se de ferro fosse!

Ă€ Vaidade do Mundo

É a vaidade, Fábio, desta vida
Rosa que na manhĂŁ lisonjeada
Púrpuras mil com ambição coroada
Airosa rompe, arrasta presumida;

É planta que de Abril favorecida
Por mares de soberba desatada,
Florida galera empavezada,
Surca ufana, navega destemida;

É nau, enfim, que em breve ligeireza,
Com presunção de fénix generosa,
Galhardias apresta, alentos preza.

Mas ser planta, rosa e nau vistosa
De que importa, se aguarda sem defesa
Penha a nau, ferro a planta, tarde a rosa?

A um Corpo Perfeito

Nenhum corpo mais lacteo e sem defeito
Mais roseo, esculptural e femenino,
Pode igualar-se ao seu, branco e divino
Immovel, nĂą, sobre o comprido leito! –

Nada te eguala! O ferro do assassino
Podia, hoje, matal-a, que o meu peito
Seria o esquife embalsamado e fino
D’aquelle corpo sem rival, perfeito.

Por isso Ă© muito altiva e apetecida; –
E o goso sensual de a vĂŞr vencida
Ha de ser forte, extranho e singular…

Como o das cousas dignas de castigo;
– Ou d’um amante sacerdote antigo,
Derrubando uma deusa d’um altar.