Sonetos de Florbela Espanca

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Sonetos de Florbela Espanca. Conheça este e outros autores famosos em Poetris.

Tarde De MĂşsica

SĂł Schumann, meu Amor! Serenidade…
NĂŁo assustes os sonhos…Ah! nĂŁo varras
As quimeras…Amor, senĂŁo esbarras
Na minha vaga imaterialidade…

Liszt, agora o brilhante; o piano arde…
Beijos alados…ecos de fanfarras…
PĂ©talas dos teus dedos feitos garras…
Como cai em pĂł de oiro o ar da tarde!

Eu olhava para ti…”Ă© lindo! Ideal!”
Gemeram nossas vozes confundidas.
— Havia rosas cor-de-rosa aos molhos —

Falavas de Liszt e eu…da musical
Harmonia das pálpebras descidas,
Do ritmo dos teus cĂ­lios sobre os olhos…

Frémito do Meu Corpo a Procurar-te

Frémito do meu corpo a procurar-te,
Febre das minhas mĂŁos na tua pele
Que cheira a âmbar, a baunilha e a mel,
Doído anseio dos meus braços a abraçar-te,

Olhos buscando os teus por toda a parte,
Sede de beijos, amargor de fel,
Estonteante fome, áspera e cruel,
Que nada existe que a mitigue e a farte!

E vejo-te tĂŁo longe! Sinto tua alma
Junto da minha, uma lagoa calma,
A dizer-me, a cantar que nĂŁo me amas…

E o meu coração que tu não sentes,
Vai boiando ao acaso das correntes,
Esquife negro sobre um mar de chamas…

A Maior Tortura

A um grande poeta de Portugal

Na vida, para mim, não há deleite.
Ando a chorar convulsa noite e dia…
E nĂŁo tenho uma sombra fugidia
Onde poise a cabeça, onde me deite!

E nem flor de lilás tenho que enfeite
A minha atroz, imensa nostalgia! …
A minha pobre MĂŁe tĂŁo branca e fria
Deu-me a beber a Mágoa no seu leite!

Poeta, eu sou um cardo desprezado,
A urze que se pisa sob os pés.
Sou, como tu, um riso desgraçado!

Mas a minha tortura inda Ă© maior:
Não ser poeta assim como tu és
Para gritar num verso a minha Dor!…

Eu

Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida nĂŁo tem norte,
Sou a irmĂŁ do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada… a dolorida…

Sombra de névoa ténue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!…

Sou aquela que passa e ninguĂ©m vĂŞ…
Sou a que chamam triste sem o ser…
Sou a que chora sem saber porquĂŞ…

Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver
E que nunca na vida me encontrou!

Os Meus Versos

Rasga esses versos que te fiz, Amor!
Deita-os ao nada, ao pĂł, ao esquecimento,
Que a cinza os cubra, que os arraste o vento,
Que a tempestade os leve aonde for!

Rasga-os na mente, se os souberes de cor,
Que volte ao nada o nada de um momento!
Julguei-me grande pelo sentimento,
E pelo orgulho ainda sou maior!…

Tanto verso já disse o que eu sonhei!
Tantos penaram já o que eu penei!
Asas que passam, todo o mundo as sente…

Rasga os meus versos…Pobre endoidecida!
Como se um grande amor cá nesta vida
NĂŁo fosse o mesmo amor de toda a gente!…