Noite
Há na expressão do céu um mágico esplendor
e em ĂŞxtase sensual, a terra está vencida…
– deixa enlaçar-te toda… A sombra nos convida,
e uma noite como esta Ă© feita para o amor…Assim… – Fica em meus braços, trĂŞmula e esquecida,
e dá-me do teu corpo esse estranho calor,
– ao pĂłlen que dá vida, em fruto faz-se a flor,
e o teu corpo Ă© uma flor que nĂŁo conhece a vida…Há sussurros pelo ar… Há sombras nos caminhos…
E à indiscrição da Lua, em seu alto mirante,
encolhem-se aos casais, os pássaros nos ninhos…Astros fogem no cĂ©u… ninguĂ©m mais pode vĂŞ-los…
procuram, para amar, a noite mais distante,
e eu, para amar, procuro a noite em teus cabelos!…
Sonetos sobre Fruto
45 resultadosLavoura
Calma colheita do verbo sereno
Madura mansidĂŁo que se apresenta
Nessa escolha do fruto mais ameno
Servido Ă mesa suado e tĂŁo sedento.Palavras semeadas num terreno
Quintal comum, adubo que se inventa
Na lida da lavoura em plano pleno
De quem se sabe longe da tormenta.O fruto verde envolto nas lianas
Há muito debelado do seu travo
Hoje se escolhe o doce em filigranas.No duro aprendizado fiz-me escravo
Cavalo de um arado em terra plana
Transpirando crepúsculos no estábulo.
Diálogo da Vida e o Tempo
V. Quem chama dentro em mi? – T. O tempo ousado
V. Entraste sem licença? – T. Tenho-a há muito.
V. Que me queres? – T. Que me ouças. – V. Já te escuto.
T. Prometes de me crer? – V. Fala avisado.T. Errada vás. – V. TambĂ©m tu vás errado.
T. Essa Ă© condição minha. – V. Esse Ă© meu fruto.
T. És mulher descuidada. – V. És velho astuto.
T. Erro sem dano meu. – V. Assás tens dado.T. Ai, vida como passas? – V. Perseguida.
T. De quem? – V. De ti. – T. O Tempo o gosto nega.
V. O tempo Ă© ar. – T. A Vida Ă© passatempo.V. Tu já nem Tempo Ă©s. – T. Nem tu Ă©s já Vida.
V. Vai para louco. – T. Vai-te para cega.
– Vedes como se vĂŁo a Vida e o Tempo?
Ă€ Cruz
Se em golfo de sereias proceloso,
Empenho repetido do cuidado,
O sábio grego, ao duro mastro atado,
As sereias escapa cauteloso;Eu, no mar deste mundo tormentoso,
De sirtes e sereias povoado,
À vossa cruz, Senhor, sempre abraçado,
Os perigos escape venturoso.Oh! Livrai-me, meu Deus, de tanto astuto
Labirinto, de tanto cego encanto,
Para que colha desta planta o fruto;Que Ă© justo, doce Amor, em risco tanto,
Se salva a Ulisses um madeiro bruto,
Que a mim me salve este madeiro santo.
Charneca Em Flor
Enche o meu peito, num encanto mago,
O frĂ©mito das coisas dolorosas…
Sob as urzes queimadas nascem rosas…
Nos meus olhos as lágrimas apago…Anseio! Asas abertas! O que trago
Em mim? Eu oiço bocas silenciosas
Murmurar-me as palavras misteriosas
Que perturbam meu ser como um afago!E, nesta febre ansiosa que me invade,
Dispo a minha mortalha, o meu burel,
E já nĂŁo sou, Amor, Soror Saudade…Olhos a arder em ĂŞxtases de amor,
Boca a saber a sol, a fruto, a mel:
Sou a charneca rude a abrir em flor!