Sonetos sobre Íntimos

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Sonetos de íntimos escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Ser Dos Seres

No teu ser de silêncio e d’esperança
A doce luz das Amplidões flameja.
Ele sente, ele aspira, ele deseja
A grande zona da imortal Bonança.

Pelos largos espaços se balança
Como a estrela infinita que dardeja,
Sempre isento da Treva que troveja
O clamor inflamado da Vingança.

Por entre enlevos e deslumbramentos
Entra na Força astral dos Sentimentos
E do Poder nos mágicos poderes.

E traz, embora os íntimos cansaços,
Ânsias secretas para abrir os braços
Na generosa comunhão dos Seres!

Amor E Felicidade

Infeliz de quem passa pelo mundo,
Procurando no amor felicidade:
A mais linda ilusão dura um segundo;
E dura, a partir daí, tristeza e saudade.

Repleto é o amor no íntimo mais profundo.
Onde esconde a linda jóia da verdade;
E só depois de vazia, mostra o fundo.
Só depois, embriaga-se a felicidade.

Eis aqui mais um enamorado descontente,
Escutando a palavra confidente
Que o coração murmura, e a voz não diz.

Percebo afinal meu pecado:
Quanto me falta para ser amado.
Quanto me falta para ser feliz.

Felina Mulher

Eu quisera depois das lutas acabadas,
na paz dos vegetais adormecer um dia
e nunca mais volver da santa letargia,
meu corpo dando pasto às plantas delicadas.

Seria belo ouvir nas moitas perfumadas,
enquanto a mesma seiva em mim também corria,
as sãs vegetações, em íntima harmonia,
aos troncos enlaçando as lívidas ossadas!

Ó beleza fatal que há tanto tempo gabo:
se eu volvesse depois feito em jasmins-do-cabo
– gentil metamorfose em que nesta hora penso –

tu, felina mulher, com garras de veludo,
havias de trazer meu espírito, contudo,
envolto muita vez nas dobras do teu lenço!

Adagas Cujas Jóias Velhas Galas

Adagas cujas jóias velhas galas…
Opalesci amar-me entre mãos raras,
E fluido a febres entre um lembrar de aras,
O convés sem ninguém cheio de malas…

O íntimo silêncio das opalas
Conduz orientes até jóias caras,
E o meu anseio vai nas rotas claras
De um grande sonho cheio de ócio e salas…

Passa o cortejo imperial, e ao longe
O povo só pelo cessar das lanças
Sabe que passa o seu tirano, e estruge

Sua ovação, e erguem as crianças
Mas o teclado as tuas mãos pararam
E indefinidamente repousaram…

Redenção

I

Vozes do mar, das árvores, do vento!
Quando às vezes, n’um sonho doloroso,
Me embala o vosso canto poderoso,
Eu julgo igual ao meu vosso tormento…

Verbo crepuscular e íntimo alento
Das cousas mudas; psalmo misterioso;
Não serás tu, queixume vaporoso,
O suspiro do mundo e o seu lamento?

Um espírito habita a imensidade:
Uma ânsia cruel de liberdade
Agita e abala as formas fugitivas.

E eu compreendo a vossa língua estranha,
Vozes do mar, da selva, da montanha…
Almas irmãs da minha, almas cativas!

II

Não choreis, ventos, árvores e mares,
Coro antigo de vozes rumorosas,
Das vozes primitivas, dolorosas
Como um pranto de larvas tumulares…

Da sombra das visões crepusculares
Rompendo, um dia, surgireis radiosas
D’esse sonho e essas ânsias afrontosas,
Que exprimem vossas queixas singulares…

Almas no limbo ainda da existência,
Acordareis um dia na Consciência,
E pairando, já puro pensamento,

Vereis as Formas, filhas da Ilusão,
Cair desfeitas, como um sonho vão…
E acabará por fim vosso tormento.

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Amaritudo

Só por ti, astro ainda e sempre oculto,
Sombra do Amor e sonho da Verdade,
Divago eu pelo mundo e em ansiedade
Meu próprio coração em mim sepulto.

De templo em templo, em vão, levo o meu culto,
Levo as flores d’uma íntima piedade.
Vejo os votos da minha mocidade
Receberem somente escárnio e insulto.

À beira do caminho me assentei…
Escutarei passar o agreste vento,
Exclamando: assim passe quando amei! —

Oh minh’alma, que creste na virtude!
O que será velhice e desalento,
Se isto se chama aurora e juventude?

Elogio da Morte

I

Altas horas da noite, o Inconsciente
Sacode-me com força, e acordo em susto.
Como se o esmagassem de repente,
Assim me pára o coração robusto.

Não que de larvas me povôe a mente
Esse vácuo nocturno, mudo e augusto,
Ou forceje a razão por que afugente
Algum remorso, com que encara a custo…

Nem fantasmas nocturnos visionários,
Nem desfilar de espectros mortuários,
Nem dentro de mim terror de Deus ou Sorte…

Nada! o fundo dum poço, húmido e morno,
Um muro de silêncio e treva em torno,
E ao longe os passos sepulcrais da Morte.

II

Na floresta dos sonhos, dia a dia,
Se interna meu dorido pensamento.
Nas regiões do vago esquecimento
Me conduz, passo a passo, a fantasia.

Atravesso, no escuro, a névoa fria
D’um mundo estranho, que povôa o vento,
E meu queixoso e incerto sentimento
Só das visões da noite se confia.

Que místicos desejos me enlouquecem?
Do Nirvana os abismos aparecem,
A meus olhos, na muda imensidade!

N’esta viagem pelo ermo espaço,

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Justitia Mater

Nas florestas solenes há o culto
Da eterna, íntima força primitiva:
Na serra, o grito audaz da alma cativa,
Do coração, em seu combate inulto:

No espaço constelado passa o vulto
Do inominado Alguém, que os sóis aviva:
No mar ouve-se a voz grave e aflitiva
D’um deus que luta, poderoso e inculto.

Mas nas negras cidades, onde solta
Se ergue, de sangue medida, a revolta,
Como incêndio que um vento bravo atiça,

Há mais alta missão, mais alta glória:
O combater, à grande luz da história,
Os combates eternos da Justiça!

Dor

Há de ser uma estrada de amarguras
a tua vida. E andá-la-ás sozinho,
vendo sempre fugir o que procuras
disse-me um dia um pálido adivinho.

“No entanto, sempre hás de cantar venturas
que jamais encontraste… O teu caminho,
dirás que é cheio de alegrias puras,
de horas boas, de beijos, de carinho…”

E assim tem sido… Escondo os meus lamentos:
É meu destino suportar sorrindo
as desventuras e os padecimentos.

E no mundo hei de andar, neste desgosto,
a mentir ao meu íntimo, cobrindo
os sinais destas lágrimas no rosto!

Lembranças Apagadas

Outros, mais do que o meu, finos olfatos,
Sintam aquele aroma estranho e belo
Que tu, ó Lírio lânguido, singelo,
Guardaste nos teus íntimos recatos.

Que outros se lembrem dos sutis e exatos
Traços, que hoje não lembro e não revelo
E se recordem, com profundo anelo,
Da tua voz de siderais contatos…

Mas eu, para lembrar mortos encantos,
Rosas murchas de graças e quebrantos,
Linhas, perfil e tanta dor saudosa,

Tanto martírio, tanta mágoa e pena,
Precisaria de uma luz serene,
De uma luz imortal maravilhosa!…

Penetrália

Falei tanto de amor!… de galanteio,
Vaidade e brinco, passatempo e graça,
Ou desejo fugaz, que brilha e passa
No relâmpago breve com que veio…

O verdadeiro amor, honra e desgraça,
Gozo ou suplício, no íntimo fechei-o:
Nunca o entreguei ao público recreio,
Nunca o expus indiscreto ao sol da praça.

Não proclamei os nomes, que baixinho,
Rezava… E ainda hoje, tímido, mergulho
Em funda sombra o meu melhor carinho.

Quando amo, amo e deliro sem barulho;
E quando sofro, calo-me, e definho
Na ventura infeliz do meu orgulho.

Em Busca

Ponho os olhos em mim, como se olhasse um estranho,
E choro de me ver tão outro, tão mudado…
Sem desvendar a causa, o íntimo cuidado
Que sofro do meu mal — o mal de que provenho.

Já não sou aquele Eu do tempo que é passado,
Pastor das ilusões perdi o meu rebanho,
Não sei do meu amor, saúde não na tenho,
E a vida sem saúde é um sofrer dobrado.

A minh’alma rasgou-ma o trágico Desgosto
Nas silvas do abandono, à hora do sol-posto,
Quando o azul começa a diluir-se em astros…

E à beira do caminho, até lá muito longe,
Como um mendigo só, como um sombrio monge,
Anda o meu coração em busca dos seus rastros…

Ciúme

Encontro em ti tudo o que imaginara
na mulher, para ser o meu ideal;
– não é só teu olhar, tua voz clara,
e essa expressão que tens, sentimental!…

Nem essa graça ingênua, hoje tão rara,
de quem não sabe onde se encontra o mal,
ou teu riso feliz, que se compara
ao tinir de uma taça de cristal…

É tudo em ti, traço por traço, tudo!
As tuas mãos são rendas de ternura;
teus carinhos, macios, de veludo.

Por isso mesmo é que é maior a dor,
quando amargo a mais íntima tortura
por não ter sido o teu primeiro amor…

Ao Luar

Quando, à noite, o Infinito se levanta
A luz do luar, pelos caminhos quedos
Minha tactil intensidade é tanta
Que eu sinto a alma do Cosmos nos meus dedos!

Quebro a custódia dos sentidos tredos
E a minha mão, dona, por fim, de quanta
Grandeza o Orbe estrangula em seus segredos,
Todas as coisas íntimas suplanta!

Penetro, agarro, ausculto, apreendo, invado,
Nos paroxismos da hiperestesia,
O Infinitésimo e o Indeterminado…

Transponho ousadamente o átomo rude
E, transmudado em rutilância fria,
Encho o Espaço com a minha plenitude!

O Mar

Que nostalgia vem das tuas vagas,
Ó velho mar, ó lutador Oceano!
Tu de saudades íntimas alagas
O mais profundo coração humano.

Sim! Do teu choro enorme e soberano,
Do teu gemer nas desoladas plagas
Sai o quer que é, rude sultão ufano,
Que abre nos peitos verdadeiras chagas.

Ó mar! ó mar! embora esse eletrismo,
Tu tens em ti o gérmen do lirismo,
És um poeta lírico demais.

E eu para rir com humor das tuas
Nevroses colossais, bastam-me as luas
Quando fazem luzir os seus metais…

Meu Céu Interior

Se esses teus olhos, no meu livro, imersos,
encontrarem diversas emoções,
– não tentes decifrar… – mil corações
nós os temos num só, todos diversos…

Os meus poemas aqui, vivem dispersos,
como as estrelas… e as constelações…
– no céu das minhas íntimas visões,
no”meu céu interior…”cheio de versos.

Não procures o poeta compreender…
– Os versos que umas cousas nos desnudam,
Outras cousas, ocultam, sem querer…

Uns, são felizes… Outros, ao contrário…
– No rosário da vida, as contas mudam,
e os versos são contas de um rosário!…

Os Teus Beijos, Meu Bem, Tuas Carícias

Os teus beijos, meu bem, tuas carícias,
Teus afagos, teus íntimos abraços,
São apertados nós que dás nos laços
Que prendem nossas ditas vitalícias.

Deixa gabar os deuses co’as delícias
Que desfrutam nos seus etéreos Paços,
Que estas, que nós gozamos por espaços
São, Marília, reais, não são fictícias.

Ora na tua ideia um pouco finge,
S’um prazer imortal que não se altera
As faces divinais com rosas tinge:

Se o chão que em teus olhos reverbera,
Se a ternura sem par que a mim te cinge
Durasse um dia, o sol sua luz perdera.

Quatro Sonetos De Meditação – I

Mas o instante passou. A carne nova
Sente a primeira fibra enrijecer
E o seu sonho infinito de morrer
Passa a caber no berço de uma cova.

Outra carne virá. A primavera
É carne, o amor é seiva eterna e forte
Quando o ser que viveu unir-se à morte
No mundo uma criança nascerá.

Importará jamais por quê? Adiante
O poema é translúcido, e distante
A palavra que vem do pensamento

Sem saudade. Não ter contentamento.
Ser simples como o grão de poesia
E íntimo como a melancolia.

Êxtase De Mármore

À grande atriz Apolônia.

O mármore profundo e cinzelado
De uma estátua viril, deliciosa;
Essa pedra que geme, anseia e goza
Num misticismo altíssimo e calado;

Essa pedra imortal — campo rasgado
A comoção mais íntima e nervosa
Da alma do artista, de um frescor de rosa,
Feita do azul de um céu muito azulado;

Se te visse o clarão que pelos ombros
Teus, rola, cai, nos múltiplos assombros
Da Arte sonora, plena de harmonia;

O mármore feliz que é muito artista
Também — como tu és — à tua vista
De humildade e ciúme, coraria!

Visão

(A J. M. Eça de Queiroz)

Eu vi o Amor — mas nos seus olhos baços
Nada sorria já: só fixo e lento
Morava agora ali um pensamento
De dor sem trégua e de íntimos cansaços.

Pairava, como espectro, nos espaços,
Todo envolto n’um nimbo pardacento…
Na atitude convulsa do tormento,
Torcia e retorcia os magros braços…

E arrancava das asas destroçadas
A uma e uma as penas maculadas,
Soltando a espaços um soluço fundo,

Soluço de ódio e raiva impenitentes…
E do fantasma as lágrimas ardentes
Caíam lentamente sobre o mundo!