Sonetos sobre ExistĂȘncia

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Sonetos de existĂȘncia escritos por poetas consagrados, filĂłsofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

A Rua Dos Cataventos – XII – Para Erico Verissimo

O dia abriu seu pĂĄra-sol bordado
De nuvens e de verde ramaria.
E estava até um fumo, que subia,
Mi-nu-ci-o-sa-men-te desenhado.

Depois surgiu, no céu azul arqueado,
A Lua – a Lua! – em pleno meio-dia.
Na rua, um menininho que seguia
Parou, ficou a olhĂĄ-la admirado…

Pus meus sapatos na janela alta,
Sobre o rebordo… CĂ©u Ă© que lhes falta
Pra suportarem a existĂȘncia rude!

E eles sonham, imĂłveis, deslumbrados,
Que sĂŁo dois velhos barcos, encalhados
Sobre a margem tranqĂŒila de um açude…

Quantas vezes, Amor, me tens ferido?

Quantas vezes, Amor, me tens ferido?
Quantas vezes, RazĂŁo, me tens curado?
QuĂŁo fĂĄcil de um estado a outro estado
O mortal sem querer Ă© conduzido!

Tal, que em grau venerando, alto e luzido,
Como que até regia a mão do fado,
Onde o Sol, bem de todos, lhe Ă© vedado,
Depois com ferros vis se vĂȘ cingido:

Para que o nosso orgulho as asas corte,
Que variedade inclui esta medida,
Este intervalo da existĂȘncia Ă  morte!

Travam-se gosto, e dor; sossego e lida;
É lei da natureza, Ă© lei da sorte,
Que seja o mal e o bem matiz da vida.

Horas De Sombra

Horas de sombra, de silĂȘncio amigo
Quando hĂĄ em tudo o encanto da humildade
E que o anjo branco e belo da saudade
Roga por nĂłs o seu perfil antigo.

Horas que o coração nĂŁo vĂȘ perigo
De gozar, de sentir com liberdade…
Horas da asa imortal da Eternidade
Aberta sobre tumular jazigo.

Horas da compaixĂŁo e da clemĂȘncia,
Dos segredos sagrados da existĂȘncia,
De sombras de perdĂŁo sempre benditas.

Horas fecundas, de mistério casto,
Quando dos céus desce, profundo e vasto,
O repouso das almas infinitas.

MĂĄgoas

Quando nasci, num mĂȘs de tantas flores,
Todas murcharam, tristes, langorosas,
Tristes fanaram redolentes rosas,
Morreram todas, todas sem olores.

Mais tarde da existĂȘncia nos verdores
Da infĂąncia nunca tive as venturosas
Alegrias que passam bonançosas,
Oh! Minha infĂąncia nunca teve flores!

Volvendo Ă  quadra azul da mocidade,
Minh’alma levo aflita Ă  Eternidade,
Quando a morte matar meus dissabores.

Cansado de chorar pelas estradas,
Exausto de pisar mĂĄgoas pisadas,
Hoje eu carrego a cruz das minhas dores!

Infeliz

Alma viĂșva das paixĂ”es da vida,
Tu que, na estrada da existĂȘncia em fora,
Cantaste e riste, e na existĂȘncia agora
Triste soluças a ilusão peerdida;

Oh! Tu, que na grinalda emurchecida
De teu passado de felicidade
Foste juntar os goivos da Saudade
Às flores da Esperança enlanguescida;

Se nada te aniquila o desalento
Que te invade, e o pesar negro e profundo,
Esconde Ă  Natureza o sofrimento,

E fica no teu ermo entristecida,
Alma arrancada do prazer do mundo,
Alma viĂșva das paixĂ”es da vida.

O Poeta Do Hediondo

Sofro aceleradĂ­ssimas pancadas
No coração. Ataca-me a existĂȘncia
A mortificadora coalescĂȘncia
Das desgraças humanas congregadas!

Em alucinatĂłrias cavalgadas,
Eu sinto, entĂŁo, sondando-me a consciĂȘncia
A ultra-inquisitorial clarividĂȘncia
De todas as neuronas acordadas!

Quanto me dói no cérebro esta sonda!
Ah! Certamente eu sou a mais hedionda
Generalização do Desconforto…

Eu sou aquele que ficou sozinho
Cantando sobre os ossos do caminho
A poesia de tudo quanto Ă© morto!

Ó tu, consolador dos malfadados

Ó tu, consolador dos malfadados,
Ó tu, benigno dom da mão divina,
Das mĂĄgoas saborosa medicina,
Tranquilo esquecimento dos cuidados:

Aos olhos meus, de prantear cansados,
Cansados de velar, teu voo inclina;
E vĂłs, sonhos d’amor, trazei-me Alcina,
Dai-me a doce visĂŁo de seus agrados:

Filha das trevas, frouxa sonolĂȘncia,
Dos gostos entre o férvido transporte
Quanto me foi suave a tua ausĂȘncia!

Ah!, findou para mim tĂŁo leda sorte;
Agora Ă© sĂł feliz minha existĂȘncia
No mudo estado, que arremeda a morte.

A Carolina

Querida, ao pé do leito derradeiro
Em que descansas dessa longa vida,
Aqui venho e virei, pobre querida,
Trazer-te o coração do companheiro.

Pulsa-lhe aquele afeto verdadeiro
Que, a despeito de toda a humana lida,
Fez a nossa existĂȘncia apetecida
E num recanto pĂŽs um mundo inteiro.

Trago-te flores, – restos arrancados
Da terra que nos viu passar unidos
E ora mortos nos deixa e separados.

Que eu, se tenho nos olhos malferidos
Pensamentos de vida formulados,
SĂŁo pensamentos idos e vividos.

Redenção

I

Vozes do mar, das ĂĄrvores, do vento!
Quando Ă s vezes, n’um sonho doloroso,
Me embala o vosso canto poderoso,
Eu julgo igual ao meu vosso tormento…

Verbo crepuscular e Ă­ntimo alento
Das cousas mudas; psalmo misterioso;
NĂŁo serĂĄs tu, queixume vaporoso,
O suspiro do mundo e o seu lamento?

Um espĂ­rito habita a imensidade:
Uma Ăąnsia cruel de liberdade
Agita e abala as formas fugitivas.

E eu compreendo a vossa lĂ­ngua estranha,
Vozes do mar, da selva, da montanha…
Almas irmĂŁs da minha, almas cativas!

II

NĂŁo choreis, ventos, ĂĄrvores e mares,
Coro antigo de vozes rumorosas,
Das vozes primitivas, dolorosas
Como um pranto de larvas tumulares…

Da sombra das visÔes crepusculares
Rompendo, um dia, surgireis radiosas
D’esse sonho e essas Ăąnsias afrontosas,
Que exprimem vossas queixas singulares…

Almas no limbo ainda da existĂȘncia,
Acordareis um dia na ConsciĂȘncia,
E pairando, jĂĄ puro pensamento,

Vereis as Formas, filhas da IlusĂŁo,
Cair desfeitas, como um sonho vĂŁo…
E acabarĂĄ por fim vosso tormento.

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Neste HorrĂ­vel Sepulcro Da ExistĂȘncia

Neste horrĂ­vel sepulcro da existĂȘncia
O triste coração de dor se parte;
A mesquinha razĂŁo se vĂȘ sem arte,
Com que dome a frenĂ©tica impaciĂȘncia:

Aqui pela opressĂŁo, pela violĂȘncia
Que em todos os sentidos se reparte,
TransitĂłrio poder que imitar-te,
Eterna, vingadora omnipotĂȘncia!

Aqui onde o peito abrange, e sente,
Na mais ampla expressĂŁo acha estreiteza,
Negra idéia do abismo assombra a mente.

Difere acaso da infernal tristeza
Não ver terra, nem céu, nem mar, nem gente,
Ser vivo, e nĂŁo gozar da Natureza ?

A Ingaia CiĂȘncia

A madureza, essa terrĂ­vel prenda
que alguém nos då, raptando-nos, com ela,
todo sabor gratuito de oferenda
sob a glacialidade de uma estela,

a madureza vĂȘ, posto que a venda
interrompa a surpresa da janela,
o cĂ­rculo vazio, onde se estenda,
e que o mundo converte noma cela.

A madureza sabe o preço exato
dos amores, dos Ăłcios, dos quebrantos,
e nada pode contra sua ciĂȘncia

e nem contra si mesma. O agudo olfato,
o agudo olhar, a mĂŁo, livre de encantos,
se destroem no sonho da existĂȘncia.

Estranha Encruzilhada

NĂŁo sei por que cruzou com a tua a minha estrada,
o destino Ă© inconsciente e nĂŁo sabe o que faz…
– Encontro-te, e afinal, jĂĄ sei que tu Ă©s amada,
encontras-me, e afinal, jĂĄ Ă© bem tarde demais…

JĂĄ nĂŁo posso esquecer a existĂȘncia passada,
perdi meu coração – o amor nĂŁo tenho mais…
– jĂĄ nĂŁo tens coração, e a tua alma, coitada,
sofrendo hĂĄ de ficar sem me esquecer jamais…

Até hoje nesse amor não tínhamos pensado:
Ă© por isso talvez que em silĂȘncio tu choras,
e em silĂȘncio tambĂ©m meu pranto Ă© derramado

Eu cheguei… Tu chegaste… Estranha encruzilhada:
se eu tenho que partir depois que tu me adoras,
se, tu tens que ficar sabendo-te adorada!…

Supremo Anseio

Esta profunda e intérmina esperança
Na qual eu tenho o espĂ­rito seguro,
A tão profunda imensidade avança
Como é profunda a idéia do futuro.

Abre-se em mim esse clarĂŁo, mais puro
Que o céu preclaro em matinal bonança:
Esse clarĂŁo, em que eu melhor fulguro,
Em que esta vida uma outra vida alcança.

Sim! Inda espero que no fim da estrada
Desta existĂȘncia de ilusĂ”es cravada
Eu veja sempre refulgir bem perto

Esse clarĂŁo esplendoroso e louro
Do amor de mĂŁe — que Ă© como um fruto de ouro,
Da alma de um filho no eternal deserto.

Espiritualismo

I

Como um vento de morte e de ruĂ­na,
A DĂșvida soprou sobre o Universo.
Fez-se noite de sĂșbito, imerso
O mundo em densa e algida neblina.

Nem astro jĂĄ reluz, nem ave trina,
Nem flor sorri no seu aéreo berço.
Um veneno subtil, vago, disperso,
Empeçonhou a criação divina.

E, no meio da noite monstruosa,
Do silĂȘncio glacial, que paira e estende
O seu sudĂĄrio, d’onde a morte pende,

SĂł uma flor humilde, misteriosa,
Como um vago protesto da existĂȘncia,
Desabroxa no fundo da ConsciĂȘncia.

II

Dorme entre os gelos, flor imaculada!
Luta, pedindo um ultimo clarĂŁo
Aos sĂłis que ruem pela imensidĂŁo,
Arrastando uma aurĂ©ola apagada…

Em vĂŁo! Do abismo a boca escancarada
Chama por ti na gĂ©lida amplidĂŁo…
Sobe do poço eterno, em turbilhão,
A treva primitiva conglobada…

Tu morrerås também. Um ai supremo,
Na noite universal que envolve o mundo,
Ha-de ecoar, e teu perfume extremo

No vĂĄcuo eterno se esvairĂĄ disperso,
Como o alento final d’um moribundo,
Como o Ășltimo suspiro do Universo.

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Ar

Vivificante ar, pai da existĂȘncia,
Assopro animador do Autor Divino,
Deste nosso subtil moto contino
Composto, onde um Deus pĂŽs sua ciĂȘncia!

Tu tens, Ăł ar, a excelsa preeminĂȘncia
De ser exalação do bafo Trino,
Tu susténs, sem cair, o home a pino:
Sem ti tem sempre pronta a decadĂȘncia.

Tu as ardentes febres lhe mitigas
Nesta, do mundo, trabalhosa lida,
Nestas da Terra (sem cessar) fadigas.

Tu és o sustentåculo da vida,
Porém, quando do corpo te desligas,
Lhe dĂĄs, com dor, eterna despedida.

Ó Páginas Da Vida Que Eu Amava

Ó páginas da vida que eu amava,
Rompei-vos! nunca mais! tĂŁo desgraçado!…
Ardei, lembranças doces do passado!
Quero rir-me de tudo que eu amava!

E que doido que eu fui! como eu pensava
Em mĂŁo, amor de irmĂŁ! em sossegado
Adormecer na vida acalentado
Pelos lĂĄbios que eu tĂ­mido beijava!

Embora – Ă© meu destino. Em treva densa
Dentro do peito a existĂȘncia finda…
Pressinto a morte na fatal doença!…

A mim a solidĂŁo da noite infinda!
Possa dormir o trovador sem crença…
Perdoa, minha mĂŁo – eu te amo ainda!

Soneto

NOTA: Tradução do poema de Félix Anvers

Segredo d’alma, da existĂȘncia arcano,
Eterno amor num instante concebido,
Mal sem esperança, oculto a ente humano,
E nunca de quem fĂȘ-lo conhecido.

Ai! Perto dela desapercebido
Sempre a seu lado, e sĂł, cruel engano,
Na terra gastarei meu ser insano
Nada ousando pedir e havendo tido!

Se Deus a fez tĂŁo doce e carinhosa,
Contudo anda inatenta e descuidosa
Do murmĂșrio de amor que a tem seguido.

Piamente ao cru dever sempre fiel
DirĂĄ lendo a poesia, seu painel:
“Que mulher Ă©?” Sem tĂȘ-lo compreendido.

Soneto

Se eu fosse Deus seria a vida um sonho,
Nossa existĂȘncia um jĂșbilo perene!
Nenhum pesar que o espĂ­rito envenene
Empanaria a luz do céu risonho!

NĂŁo haveria mais: o adeus solene,
A vingança, a maldade, o ódio medonho,
E o maior mal, que a todos anteponho,
A sede, a fome da cobiça infrene!

Eu exterminaria a enfermidade,
Todas as dores da senilidade,
E os pecados mortais seriam dez…

A criação inteira alteraria,
Porém, se eu fosse Deus, te deixaria
Exatamente a mesma que tu és!

Velho Tema I

Só a leve esperança, em toda a vida,
Disfarça a pena de viver, mais nada;
Nem Ă© mais a existĂȘncia, resumida,
Que uma grande esperança malograda.

O eterno sonho da alma desterrada,
Sonho que a traz ansiosa e embevecida,
É uma hora feliz, sempre adiada
E que nĂŁo chega nunca em toda a vida.

Essa felicidade que supomos,
Árvore milagrosa que sonhamos
Toda arreada de dourados pomos,

Existe, sim: mas nós não a alcançamos
Porque estĂĄ sempre apenas onde a pomos
E nunca a pomos onde nĂłs estamos.

No Circo

(A JoĂŁo de Deus)

Muito longe d’aqui, nem eu sei quando,
Nem onde era esse mundo, em que eu vivia…
Mas tĂŁo longe… que atĂ© dizer podia
Que enquanto lĂĄ andei, andei sonhando…

Porque era tudo ali aéreo e brando,
E lĂșcida a existĂȘncia amanhecia…
E eu… leve como a luz… atĂ© que um dia
Um vento me tomou, e vim rolando…

CaĂ­ e achei-me, de repente, involto
Em luta bestial, na arena fera,
Onde um bruto furor bramia solto.

Senti um monstro em mim nascer n’essa hora,
E achei-me de improviso feito fera…
— É assim que rujo entre leĂ”es agora!