Nerah
(Inspirado no elegante conto de Virgílio Várzea)
A Vítor LobatoNerah não brinca mais, não dança mais. — E agora
Que vão-se apropinquando os tempos invernosos,
Nerah traz uns receios tímidos, nervosos,
De quem teme mudar-se em noite, sendo aurora.Seus sonhos de cristal, translúcidos, antigos
Se vão embora, embora à vinda dos invernos,
Seguindo em debandada os úmidos galernos —
— lembrando um roto bando informe de mendigos.Não canta o sabiá que triste na gaiola,
Parece, com o olhar, pedir-lhe a casta esmola
De um riso — aquela flor que esvai-se, branca e fria.Em tudo a fina seta aguda de aflições!
Na própria atmosfera um caos de interjeições!
Em tudo uma mortalha, em tudo uma agonia.
Sonetos sobre Gaiola
3 resultadosO Corrupião
Escaveirado corrupião idiota,
Olha a atmosfera livre, o amplo éter belo,
E a alga criptógama e a úsnea e o cogumelo,
Que do fundo do chão todo o ano brota!Mas a ânsia de alto voar, de à antiga rota
Voar, não tens mais! E pois, preto e amarelo,
Pões-te a assobiar, bruto, sem cerebelo
A gargalhada da última derrota!A gaiola aboliu tua vontade.
Tu nunca mais verás a liberdade! …
Ah! Tu somente ainda és igual a mim.Continua a comer teu milho alpiste.
Foi este mundo que me fez tão triste,
Foi a gaiola que te pôs assim!
Soneto IX
Nessa tua janela, solitário,
entre as grades douradas da gaiola,
teu amigo de exílio, teu canário
canta, e eu sei que esse canto te consola.E, lá na rua, o povo tumultuário
ouvindo o canto que daqui se evola
crê que é o nosso romance extraordinário
que naquela canção se desenrola.Mas, cedo ou tarde, encontrarás, um dia,
calado e frio, na gaiola fria,
o teu canário que cantava tanto.E eu chorarei. Teu pobre confidente
ensinou-me a chorar tão docemente,
que todo mundo pensará que eu canto.