Os Mortos
Ao menos junto dos mortos pode a gente
Crer e esperar n’alguma suavidade:
Crer no doce consolo da saudade
E esperar do descanso eternamente.Junto aos mortos, por certo, a fé ardente
NĂŁo perde a sua viva claridade;
Cantam as aves do céu na intimidade
Do coração o mais indiferente.Os mortos dão-nos paz imensa à vida,
Dão a lembrança vaga, indefinida
Dos seus feitos gentis, nobres, altivos.Nas lutas vĂŁs do tenebroso mundo
Os mortos sĂŁo ainda o bem profundo
Que nos faz esquecer o horror dos vivos.
Sonetos sobre Gente de Cruz e Souza
6 resultadosTriste
Vai-se extinguindo a viva labareda
Que te abrasava o coração ridente…
Passas magoada pela rua e a gente
Umas converses funerais segreda.NĂŁo tens no olhar o sangue q’embebeda,
Foram-se as rosas do viver contente…
Segues, agora, pobre flor — somente
Da sepultura a essencial vereda.E vem chegando o tenebroso inverno…
Mas nesse mal devorador e eterno,
Teu organismo já nĂŁo mais resisteĂ€s punhaladas da estação de gelo…
E acabará como eu nem sei dizê-lo,
Triste, bem triste, pesarosa, triste!
Rir!
Rir! Não parece ao século presente
Que o rir traduza, sempre, uma alegria…
Rir! Mas nĂŁo rir como essa pobre gente
Que ri sem arte e sem filosofia.Rir! Mas com o rir atroz, o rir tremente,
Com que André Gil eternamente ria.
Rir! Mas com o rir demolidor e quente
Duma profunda e trágica ironia.Antes chorar! Mais fácil nos parece.
Porque o chorar nos ilumina e nos aquece
Nesta noite gelada do existir.Antes chorar que rir de modo triste…
Pois que o difĂcil do rir bem consiste
SĂł em saber como Henri Heine rir!…
Alçando O Livro Colossal Ardente
Alçando o livro colossal ardente
Traças no crânio um sulco luminoso,
E vais seguindo o remontar garboso
Do sol fagueiro lá no espaço ingente!Ergues a fronte juvenil potente
Já como herói ou lutador famoso
E c’uma forma de pensar honroso
Fazes-te esperança da brasĂlea gente!Seis vezes astro de maior grandeza
Enfim lá surges nos exames belos
Enfim triunfas na brilhante empresa!Seis vezes quebras da ignorância os elos,
Seis vezes vives com mais sĂŁ firmeza,
Gemem seis vezes a louvar-te os prelos!…
Os Dois
Aos pobres
— Minha mĂŁe, minha mĂŁe, quanta grandeza
Nesses plácidos, quanta majestade;
Como essa gente há de viver, como há de
Ser grande sempre na feliz riqueza.Nem uma lágrima sequer — e Ă mesa
D’entre as baixelas, d’entre a imensidade
Da prata e do ouro — a azul felicidade
Dos bons manjares de Ăłtima surpresa.Nem um instante os olhos rasos d’água,
Nem a ligeira oscilação da mágoa
Na vida farta de prazer, sonora.— Como o teu louco pensamento expandes
Filho — a ventura nĂŁo Ă© sĂł dos grandes
Porque, olha, o mar tambĂ©m Ă© grande e… chore!
To Sleep, To Dream
Dormir, sonhar — o poeta inglĂŞs o disse…
Ah! Mas se a gente nunca mais sonhasse
Ah! Mas se a gente nunca mais dormisse
E a ilusões não mais acalentasse?E o que importava que o futuro risse
De um visionário que tal cousa ideasse;
Se nĂŁo seria o Ăşnico que abrisse
Uma exceção da vida humana Ă face?…Se os imortais filĂłsofos modernos
Que derrubaram todos os infernos,
Que destruĂram toda a teogonia.Orientando a triste humanidade,
Deixaram, mais e mais, a piedade
Inteiramente desolada e fria?