Sonetos sobre Céu de Cruz e Souza

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Sonetos de céu de Cruz e Souza. Leia este e outros sonetos de Cruz e Souza em Poetris.

InefĂĄvel!

Nada hå que me domine e que me vença
Quando a minh’alma mudamente acorda…
Ela rebenta em flor, ela transborda
Nos alvoroços da emoção imensa.

Sou como um Réu de celestial Sentença,
Condenado do Amor, que se recorda
Do Amor e sempre no SilĂȘncio borda
D’estrelas todo o cĂ©u em que erra e pensa.

Claros, meus olhos tornam-se mais claros
E tudo vejo dos encantos raros
E de outra mais serenas madrugadas!

todas as vozes que procuro e chamo
Ouço-as dentro de mim, porque eu as amo
Na minh’alma volteando arrebatadas!

Asas Abertas

As asas da minh’alma estĂŁo abertas!
Podes te agasalhar no meu Carinho,
Abrigar-te de frios no meu Ninho
Com as tuas asas trĂȘmulas, incertas.

Tu’alma lembra vastidĂ”es desertas
Onde tudo Ă© gelado e Ă© sĂł espinho.
Mas na minh’alma encontrarĂĄs o Vinho
e as graças todas do Conforto certas.

Vem! HĂĄ em mim o eterno Amor imenso
Que vai tudo florindo e fecundando
E sobe aos céus como sagrado incenso.

Eis a minh’alma, as asas palpitando
Com a saudade de agitado lenço
o segredo dos longes procurando…

VĂŁo Arrebatamento

Partes um dia das Curiosidades
Do teu ser singular, partes em busca
De alamas irmĂŁs, cujo esplendor ofusca
As celestes, divinas claridades.

Rasgas terras e céus, imensidades,
Dos perigos da Vida a vaga brusca,
Queima-te o sol que na AmplidĂŁo corusca
E consola-te a lua das saudades.

Andas por toda a parte, em toda a parte
A sedução das almas a falar-te,
Como da Terra luminosos marcos.

E a sorrir e a gemer e soluçando
Ah! Sempre em busca de almas vais andando
Mas em vez delas encontrando charcos!

Minh’alma EstĂĄ Agora Penetrando

Minh’alma estĂĄ agora penetrando
Lå na etérea plaga, cristalina!
Que mĂșsica meu Deus febril, divina
Nos pĂĄramos azuis vai retumbando!

AlĂ©m, d’ĂĄureo dossel se estĂĄ rasgando
Custosa, de primor, esmeraldina
DiĂĄfana, sutil, longa cortina
Enquanto céus se vão duplando!

Em grande pedestal marmorizado
De Paiva se divisa o busto enorme
Soberbo como o sol, de luz croado

De um lado o porvir — Antheu disforme
Dos lĂĄbios faz soltar pujante brado
Hosanas! nĂŁo morreu! apenas dorme.

Alucinação

Ó solidão do Mar, ó amargor das vagas,
Ondas em convulsÔes, ondas em rebeldia,
Desespero do Mar, furiosa ventania,
Boca em fel dos tritÔes engasgada de pragas.

Velhas chagas do sol, ensangĂŒentadas chagas
De ocasos purpurais de atroz melancolia,
Luas tristes, fatais, da atra mudez sombria
Da trågica ruína em vastidÔes pressagas.

Para onde tudo vai, para onde tudo voa,
Sumido, confundido, esboroado, Ă -toa,
No caos tremendo e nu dos tempo a rolar?

Que Nirvana genial hĂĄ de engolir tudo isto –
– Mundos de Inferno e CĂ©u, de Judas e de cristo,
Luas, chagas do sol e turbilhÔes do Mar?!

Horas De Sombra

Horas de sombra, de silĂȘncio amigo
Quando hĂĄ em tudo o encanto da humildade
E que o anjo branco e belo da saudade
Roga por nĂłs o seu perfil antigo.

Horas que o coração nĂŁo vĂȘ perigo
De gozar, de sentir com liberdade…
Horas da asa imortal da Eternidade
Aberta sobre tumular jazigo.

Horas da compaixĂŁo e da clemĂȘncia,
Dos segredos sagrados da existĂȘncia,
De sombras de perdĂŁo sempre benditas.

Horas fecundas, de mistério casto,
Quando dos céus desce, profundo e vasto,
O repouso das almas infinitas.

Metempsicose

Agora, jĂĄ que apodreceu a argila
Do teu corpo divino e sacrossanto;
Que embalsamaram de magoado pranto
A tua carne, na mudez tranqĂŒila,

Agora, que nos Céus, talvez, se asila
Aquela graça e luminoso encanto
De virginal e pĂĄlido amaranto
Entre a Harmonia que nos Céus desfila.

Que da morte o estupor macabro e feio
Congelou as magnĂłlias do teu seio,
Por entre catalĂ©pticas visĂ”es…

Surge, Bela das Belas, na Beleza
Do transcendentalismo da Pureza,
Nas brancas, imortais RessurreiçÔes!

No Egito

Sob os ardentes sĂłis do fulvo Egito
De areia estuosa, de candente argila,
Dos sonhos da alma o turbilhĂŁo desfila,
Abre as asas no pĂĄramo infinito.

O Egito Ă© sempre o amigo, o velho rito
Onde um mistério singular se asila
E onde, talvez mais calma, mais tranqĂŒila
A alma descansa do sofrer prescrito.

Sobre as ruĂ­nas d’ouro do passado,
No céu cavo, remoto, ermo e sagrado,
Torva morte espectral pairou ufana…

E no aspecto de tudo em torno, em tudo,
Árido, pétreo, silencioso, mudo,
Parece morta a prĂłpria dor humana!

Violinos

Pelas bizarras, gĂłticas janelas
De um tempo medieval o sol ondula:
Nunca os vitrais viram visÔes mais belas
Quando, no ocaso, o sol os doura e oscula…

Doces, multicores aquarelas
Sobre um saudoso cĂ©u que alĂ©m se azula…
Calma, serena, divinal, entre eras,
A pomba ideal dos Ângelus arrula…

Rezam de joelhos anjos de mĂŁos postas
Através dos vitrais, e nas encostas
Dos montes sobe a claridade ondeando…

É a lua de Deus, que as curves meigas
Foi ondular pelos vergéis e veigas
MagnĂłlias e lĂ­rios desfolhando…

Evocação

Oh Lua voluptuosa e tentadora,
Ao mesmo tempo trĂĄgica e funesta,
Lua em fundo revolto de floresta
E de sonho de vaga embaladora.

Langue visĂŁo mortal e sedutora,
Dos Vergéis sederais pålida giesta,
Divindade sutil da morna sesta
Da lasciva paixĂŁo fascinadora.

Flor fria, flor algente, flor gelada
Do desconsolo e dos esquecimentos
E do anseio, da febre atormentada.

Tu que soluças pelos céus nevoentos
Longo soluço mågico de fada,
DĂĄ-me os teus doces acalentamentos!

CĂĄrcere Das Almas

Ah! Toda a alma num cĂĄrcere anda presa,
Soluçando nas trevas, entre as grades
Do calabouço olhando imensidades,
Mares, estrelas, tardes, natureza.

Tudo se veste de uma igual grandeza
Quando a alma entre grilhÔes as liberdades
Sonha e, sonhando, as imortalidades
Rasga no etéreo o Espaço da Pureza.

Ó almas presas, mudas e fechadas
Nas prisÔes colossais e abandonadas,
Da Dor no calabouço, atroz, funéreo!

Nesses silĂȘncios solitĂĄrios, graves,
que chaveiro do Céu possui as chaves
para abrir-vos as portas do Mistério?!

Assim Seja!

Fecha os olhos e morre calmamente!
Morre sereno do Sever cumprido!
Nem o mais leve, nem um sĂł gemido
Traia, sequer, o teu Sentir latente.

Morre com alma leal, clarividente,
Da crença errando no Vergel florido
E o Pensamento pelos céus, brandido
Como um glĂĄdio soberbo e refulgente.

Vai abrindo sacrĂĄrio por sacrĂĄrio
Do teu sonho no Templo imaginĂĄrio,
Na hora glacial da negra Morte imensa…

Morre com o teu Dever! Na alta confiança
De quem triunfou e sabe que descansa
Desdenhando de toda a Recompensa!

Sonetos

Do som, da luz entre os joviais duetos,
Como uma chusma alada de gaivotas,
Vindos das largas amplidÔes remotas,
Batem as asas todos os sonetos.

VĂŁo — por estradas, por difĂ­ceis rotas,
Quatorze versos — entre dois quartetos
E duas belas e luzidas frotas
Rijas, seguras, de mais dois tercetos.

Com a brunida lĂąmina da lima,
Vão céus radiosos, horizontes acima,
Pelas paragens lĂ­mpidas, gentis,

Atravessando o campo das quimeras,
Aberto ao sol das flĂłreas primaveras,
Todo estrelado de ĂĄureos colibris.

Sentimento Esquisito

Ó cĂ©u estĂ©ril dos desesperados,
Forma impassível de cristas sidéreo,
Dos cemitérios velho cemitério
Onde dormem os astros delicados.

PĂĄtria d’estrelas dos abandonados,
Casulo azul do anseio vago, aéreo,
Formidåvel muralha de mistério
Que deixa os coraçÔes desconsolados.

CĂ©u imĂłvel milĂȘnios e milĂȘnios,
Tu que iluminas a visĂŁo dos GĂȘnios
E ergues das almas o sagrado acorde.

Céu estéril, absurdo, céu imoto,
Faz dormir no teu seio o Sonho ignoto,
Esta serpente que alucina e morde…

Os Mortos

Ao menos junto dos mortos pode a gente
Crer e esperar n’alguma suavidade:
Crer no doce consolo da saudade
E esperar do descanso eternamente.

Junto aos mortos, por certo, a fé ardente
NĂŁo perde a sua viva claridade;
Cantam as aves do céu na intimidade
Do coração o mais indiferente.

Os mortos dĂŁo-nos paz imensa Ă  vida,
Dão a lembrança vaga, indefinida
Dos seus feitos gentis, nobres, altivos.

Nas lutas vĂŁs do tenebroso mundo
Os mortos sĂŁo ainda o bem profundo
Que nos faz esquecer o horror dos vivos.

Supremo Verbo

– Vai, Peregrino do caminho santo,
Faz da tu’alma lĂąmpada do cego,
Iluminando, pego sobre pego,
As invisíveis amplidÔes do Pranto.

Ei-lo, do Amor o CĂĄlix sacrossanto!
Bebe-o, feliz, nas tuas mĂŁos o entrego…
És o filho leal, que eu não renego,
Que defendo nas dobras do meu manto.

Assim ao Poeta a Natureza fala!
Enquanto ele estremece ao escutĂĄ-la,
Transfigurado de emoção, sorrindo…

Sorrindo a céus que vão se desvendando,
A mundos que vĂŁo se multiplicando,
A portas de ouro que vĂŁo se abrindo!

VĂŁo-Se De Todo Os Pardacentos Nimbos

VĂŁo-se de todo os pardacentos nimbos…
Chovem da luz as nĂ­tidas faĂ­scas
E no esplendor de irradiaçÔes mouriscas,
Abrem-se as flores em gentis corimbos.

Muito mais lestas do que amigos fimbos,
Do Azul cortando as bordaduras priscas,
Pombas do mato esvoaçando, ariscas,
Do céu se perdem nos profundos limbos.

A natureza pulsa como a forja…
PĂĄssaros vibram no clarim da gorja,
As retumbantes, fortes clarinadas.

A grande artĂ©ria dos assombros pula…
E do oxigĂȘnio, a força que regula
Enche os pulmÔes a largas baforadas.

Sem Esperança

Ó cñndidos fantasmas da Esperança,
Meigos espectros do meu vĂŁo Destino,
Volvei a mim nas leves ondas do Hino
Sacramental de Bem-aventurança.

Nas veredas da vida a alma nĂŁo cansa
De vos buscar pelo Vergel divino
Do céu sempre estrelado e diamantino
Onde toda a alma no PerdĂŁo descansa.

Na volĂșpia da dor que me transporta,
Que este meu ser transfunde nos Espaços,
Sinto-te longe, ó Esperança morta.

E em vĂŁo alongo os vacilantes passos
À procura febril da tua porta,
Da ventura celeste dos teus braços.

Deixai Que Deste Álbum Na Folha Delicada

Deixai que deste ĂĄlbum na folha delicada
Eu venha difundir meus rudes pensamentos
Deixai que as pobres rimas, uns nadas poeirentos
Eu possa transudar da mente entrenublada!…

Deixai que de minh’alma na fibra espedaçada
Eu busque inda vibrar uns cantos tardos, lentos!…
Bem cedo os vendavais, aspérrimos, cruentos
Ai! Tudo arrojarĂŁo Ă  campa amargurada!

PorĂ©m qu’importa isso! dos mares desta vida
Nos påvidos, estranhos, enormes escarcéus
Se alguma coisa val, Ă©s tu, Ăł luz querida!…

Rasguemos do porvir os ĂĄditos, os vĂ©us!…
Riamos sem cessar, embora em dor sentida!…
Também as nuvens negras conglobam-se nos céus!

Aspiração Suprema

Como os cegos e os nus pede um abrigo
A alma que vive a tiritar de frio.
Lembra um arbusto frĂĄgil e sombrio
Que necessita do bom sol amigo.

Tem ais de dor de trĂȘmulo mendigo
Oscilante, sonĂąmbulo, erradio.
É como um tĂȘnue, cristalino fio
D’estrelas, como etĂ©reo e louro trigo.

E a alma aspira o celestial orvalho,
Aspira o céu, o límpido agasalho,
sonha, deseja e anseia a luz do Oriente…

Tudo ela inflama de um estranho beijo.
E este Anseio, este Sonho, este Desejo
Enche as Esferas soluçantemente.