Sonetos sobre Horas de Augusto dos Anjos

4 resultados
Sonetos de horas de Augusto dos Anjos. Leia este e outros sonetos de Augusto dos Anjos em Poetris.

Aos Meus Filhos

Na intermitĂȘncia da vital canseira,
Sois vĂłs que sustentais ( Força Alta exige-o … )
Com o vosso catalĂ­tico prestĂ­gio,
Meu fantasma de carne passageira!

VulcĂŁo da bioquĂ­mica fogueira
Destruiu-me todo o orgĂąnico fastĂ­gio …
Dai-me asas, pois, para o Ășltimo remĂ­gio,
Dai-me alma, pois, para a hora derradeira!

CulminĂąncias humanas ainda obscuras,
ExpressÔes do universo radioativo,
Ions emanados do meu prĂłprio ideal,

Benditos vĂłs, que, em Ă©pocas futuras,
Haveis de ser no mundo subjetivo,
Minha continuidade emocional!

A Meu Pai Morto

Madrugada de Treze de janeiro.
Rezo, sonhando, o ofĂ­cio da agonia.
Meu Pai nessa hora junto a mim morria
Sem um gemido, assim como um cordeiro!

E eu nem lhe ouvi o alento derradeiro!
Quando acordei, cuidei que ele dormia,
E disse Ă  minha MĂŁe que me dizia:
“Acorda-o”! deixa-o, MĂŁe, dormir primeiro!

E saĂ­ para ver a Natureza!
Em tudo o mesmo abismo de beleza,
Nem uma nĂ©voa no estrelado vĂ©u…

Mas pareceu-me, entre as estrelas flĂłreas,
Como Elias, num carro azul de glĂłrias,
Ver a alma de meu Pai subindo ao CĂ©u!

O Último NĂșmero

Hora da minha morte. Hirta, ao meu lado,
A idĂ©ia estertorava-se… No fundo
Do meu entendimento moribundo
jazia o Ășltimo nĂșmero cansado.

Era de vĂȘ-lo, imĂłvel, resignado,
Tragicamente de si mesmo oriundo,
Fora da sucessĂŁo, estranho ao mundo,
Com o reflexo fĂșnebre do Increado:

Bradei: – Que fazes ainda no meu crĂąnio?
E o Ășltimo nĂșmero, atro e subterrĂąneo,
Parecia dizer-me: “É tarde, amigo!

Pois que a minha ontogĂȘnica Grandeza
Nunca vibrou em tua lĂ­ngua presa,
NĂŁo te abandono mais! Morro contigo!”

VolĂșpia Imortal

Cuidas que o genesĂ­aco prazer,
Fome do ĂĄtomo e eurĂ­tmico transporte
De todas as moléculas, aborte
Na hora em que a nossa carne apodrecer?!

NĂŁo! Essa luz radial, em que arde o Ser,
Para a perpetuação da Espécie forte,
Tragicamente, ainda depois da morte,
Dentro dos ossos, continua a arder!

Surdos destarte a apĂłstrofes e brados,
Os nossos esqueletos descamados,
Em convulsivas contorçÔes sensuais,

Haurindo o gĂĄs sulfĂ­drico das covas,
Com essa volĂșpia das ossadas novas
HĂŁo de ainda se apertar cada vez mais!