Eu Deliro, Gertrúria, eu Desespero
Eu deliro, Gertrúria, eu desespero
No inferno de suspeitas e temores.
Eu da morte as angústias e os horrores
Por mil vezes sem morrer tolero.Pelo Céu, por teus olhos te assevero
Que ferve esta alma em cândidos amores;
Longe o prazer de ilícitos favores!
Quero o teu coração, mais nada quero.Ah! não sejas também qual é comigo
A cega divindade, a Sorte dura.
A vária Deusa, que me nega abrigo!Tudo perdi: mas valha-me a ternura
Amor me valha, e pague-me contigo
Os roubos que me faz a má ventura.
Sonetos sobre Inferno de Manuel Maria Barbosa du Bocage
5 resultadosÓ Trevas, que Enlutais a Natureza
Ó trevas, que enlutais a Natureza,
Longos ciprestes desta selva anosa,
Mochos de voz sinistra e lamentosa,
Que dissolveis dos fados a incerteza;Manes, surgidos da morada acesa
Onde de horror sem fim Plutão se goza,
Não aterreis esta alma dolorosa,
Que é mais triste que voz minha tristeza.Perdi o galardão da fé mais pura,
Esperanças frustrei do amor mais terno,
A posse de celeste formosura.Volvei, pois, sombras vãs, ao fogo eterno;
E, lamentando a minha desventura,
Movereis à piedade o mesmo Inferno.
Morte, Juízo, Inferno e Paraíso
Em que estado, meu bem, por ti me vejo,
Em que estado infeliz, penoso e duro!
Delido o coração de um fogo impuro,
Meus pesados grilhões adoro e beijo.Quando te logro mais, mais te desejo;
Quando te encontro mais, mais te procuro;
Quando mo juras mais, menos seguro
Julgo esse doce amor, que adorna o pejo.Assim passo, assim vivo, assim meus fados
Me desarreigam d’alma a paz e o riso,
Sendo só meu sustento os meus cuidados;E, de todo apagada a luz do siso,
Esquecem-me (ai de mim!) por teus agrados
Morte, Juízo, Inferno e Paraíso.
Em louvor do grande Camões
Sobre os contrários o terror e a morte
Dardeje embora Aquiles denodado,
Ou no rápido carro ensanguentado
Leve arrastos sem vida o Teuco forte:Embora o bravo Macedónio corte
Coa fulminante espada o nó fadado,
Que eu de mais nobre estímulo tocado,
Nem lhe amo a glória, nem lhe invejo a sorte:Invejo-te, Camões, o nome honroso;
Da mente criadora o sacro lume,
Que exprime as fúrias de Lieu raivoso:Os ais de Inês, de Vénus o queixume,
As pragas do gigante proceloso,
O céu de Amor, o inferno do Ciúme.
Visão Realizada
Sonhei que a mim correndo o gnídeo nume
Vinha coa Morte, co Ciúme ao lado,
E me bradava: “Escolhe, desgraçado,
Queres a Morte, ou queres o Ciúme?”“Não é pior daquela fouce o gume
Que a ponta dos farpões que tens provado;
Mas o monstro voraz, por mim criado,
Quanto horror há no Inferno em si resume.”Disse; e eu dando um suspiro: “Ah, não m’espantes
Coa a vista dessa fúria!… Amor, clemência!
Antes mil mortes, mil infernos antes!”Nisto acordei com dor, com impaciência;
E não vos encontrando, olhos brilhantes,
Vi que era a minha morte a vossa ausência!