Caravelas
Cheguei a meio da vida jĂĄ cansada
De tanto caminhar! JĂĄ me perdi!
Dum estranho paĂs que nunca vi
Sou neste mundo imenso a exilada.Tanto tenho aprendido e nĂŁo sei nada.
E as torres de marfim que construĂ
Em trĂĄgica loucura as destruĂ
Por minhas prĂłprias mĂŁos de malfadada!Se eu sempre fui assim este Mar-Morto,
Mar sem marés, sem vagas e sem porto
Onde velas de sonhos se rasgaram.Caravelas doiradas a bailar…
Ai, quem me dera as que eu deitei ao Mar!
As que eu lancei Ă vida, e nĂŁo voltaram!…
Sonetos sobre Loucura de Florbela Espanca
4 resultadosNervos D’Oiro
Meus nervos, guizos de oiro a tilintar
Cantam-me n’alma a estranha sinfonia
Da volĂșpia, da mĂĄgoa e da alegria,
Que me faz rir e que me faz chorar!Em meu corpo fremente, sem cessar,
Agito os guizos de oiro da folia!
A Quimera, a Loucura, a Fantasia,
Num rubro turbilhão sinto-As passar!O coração, numa imperial oferta.
Ergo-o ao alto! E, sobre a minha mĂŁo,
Ă uma rosa de pĂșrpura, entreaberta!E em mim, dentro de mim, vibram dispersos,
Meus nervos de oiro, esplĂȘndidos, que sĂŁo
Toda a Arte suprema dos meus versos!
Loucura
Tudo cai! Tudo tomba! Derrocada
Pavorosa! NĂŁo sei onde era dantes.
Meu solar, meus palĂĄcios, meus mirantes!
NĂŁo sei de nada, Deus, nĂŁo sei de nada!…Passa em tropel febril a cavalgada
Das paixÔes e loucuras triunfantes!
Rasgam-se as sedas, quebram-se os diamantes!
NĂŁo tenho nada, Deus, nĂŁo tenho nada!…Pesadelos de insĂłnia, Ă©brios de anseio!
Loucura a esboçar-se, a enegrecer
Cada vez mais as trevas do meu seio!Ă pavoroso mal de ser sozinha!
Ă pavoroso e atroz mal de trazer
Tantas almas a rir dentro da minha!
Interrogação
A Guido Batelli
Neste tormento inĂștil, neste empenho
De tornar em silĂȘncio o que em mim canta,
Sobem-me roucos brados Ă garganta
Num clamor de loucura que contenho.Ă alma de charneca sacrossanta,
IrmĂŁ da alma rĂștila que eu tenho,
Dize pra onde vou, donde Ă© que venho
Nesta dor que me exalta e me alevanta!VisÔes de mundos novos, de infinitos,
CadĂȘncias de soluços e de gritos,
Fogueira a esbrasear que me consome!Dize que mĂŁo Ă© esta que me arrasta?
NĂłdoa de sangue que palpita e alastra…
Dize de que Ă© que eu tenho sede e fome?!